Equipe do CORREIO entra na lancha e mostra cenário de destruição; veja vídeo

Repórteres Bruno Wendel e Betto Júnior viram coletes amarrados no barco

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  • Bruno Wendel

Publicado em 27 de agosto de 2017 às 06:00

- Atualizado há um ano

O som que prevalecia era o das fortes ondas quebrando nas pedras. Mas, ao se aproximar da lancha Cavalo Marinho I, o que ecoava era o ruído do desespero de quem lutou para sobreviver diante do cenário de destruição. A embarcação que adernou na última quinta-feira e resultou, além de muitos traumas, em 18 mortos e duas pessoas oficialmente desaparecidas. Segundo a Polícia Civil, pelo menos, 20 sobreviventes foram ouvidos. 

A embarcação, construída toda em madeira, há 44 anos, adornou 200 metros depois de deixar o píer em Mar Grande. O CORREIO teve acesso à lancha sem nenhuma dificuldade, na manhã de ontem, pois a embarcação não estava isolada. Quem se aproxima da lancha inclinada, dá de cara com o buraco no lado direito do casco. São quase dois metros de altura e um pouco mais que o dobro de largura. Assusta ao mesmo tempo que impressiona.  O caseiro João Neto Filho, 47 anos, foi uma das pessoas que ajudaram no resgate dos sobreviventes (foto/Betto Jr.) A lancha mede 18,6 m de comprimento. O teto de proteção foi completamente arrancado. Na parte superior, alguns pontos ainda estavam firmes na estrutura. Outros foram arrancados com o impacto. Próxima à cabine da embarcação, um aviso que indica a lotação de passageiros: 160. No dia do acidente, 124 pessoas estavam a bordo da embarcação da Associação de Transportadores Marítimos da Bahia (Astramab). Na cabine do comandante de intacto só restou o leme. Os vidros das janelas foram destruídos, os equipamentos usados na navegação todos danificados. Uma das portas que dão  acessos ao local foi arrancada com impacto. O cheiro de combustível exala dos motores expostos com o impacto chega a ser mais presente que o cheiro da maresia.

Na parte inferior, o retrato do que foi o desastre é ainda mais chocante. De acordo com relatos de sobreviventes, a  maioria dos mortos viajava na parte inferior da lancha. Bancos, janelas e a única escada que dá acesso à parte superior ficaram destruídas. A pia de um dos banheiros foi deslocada. Um armário com parte dos coletes salva-vidas ficou destruído. Por conta disso, muitos coletes ficaram presos no compartimento. Outros coletes ficaram espalhados por todos os lados. Todas as fiações elétricas estão expostas e a água toma conta do ambiente devido ao buraco aberto no casco.

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Alguns objetos da Cavalo Marinho I foram arrastados até as pedras, como extintores, que supostamente serviram como boias. Alguns pares de sapatos e outros objetos ainda não tinham  sido retirados das pedras. Outros objetos encontrados dentro e fora da embarcação foram levados para a 34ª Delegacia (Vera Cruz). Foram colocados em sacolas, etiquetados e amontoados numa sala da unidade. Interior da lancha Cavalo Marinho: destroços por todos os lados; coletes salva-vidas não foram usados (foto/Betto Jr.) Entre os sobreviventes, com a perna fraturada, a dona de casa Maria do Socorro, 65 anos, prestou depoimento na 34ª DP e relembrou os piores momentos de sua vida. No dia do acidente, ela ia para uma consulta com um cardiologista em Salvador. Dona Maria do Socorro contou que algo lhe dizia para não embarcar. “Quando embarquei, por ser usuária assídua do serviço, sabia que aquela embarcação não tinha condições de enfrentar aquele mar. Perguntei a alguém da tripulação se realmente era a lancha da viagem e a resposta foi sim”, contou. 

A idosa estava distraída quando o acidente aconteceu. “Estava passando uma mensagem no celular e aí veio uma onda. A lancha ficou totalmente inclinada e as pessoas não correram para um lado só, elas foram jogadas e o barco virou de vez”, esclareceu. Dona Maria contou que, apesar da situação, se manteve calma. “Ficamos debaixo d’água. Vi uma fresta de luz e consegui respirar, vi um senhor e pedi pelo amor de Deus que me tirasse dali”, relembra. Dona Maria do Socorro disse que o homem a colocou sobre um pedaço de madeira, que se desprendeu do barco com a colisão.  Maria do Socorro, 65 anos, sobrevivente do acidente: "Tive que sair pisando nos corpos" (foto/Betto Jr.) Emocionada, ela revela o que foi para ela o momento mais terrível do acidente: o instante em que foi socorrida pelos pescadores:  “Para subir na embarcação, tive que sair pisando nos corpos. Tinham vários corpos boiando perto de mim. Foram vários mortos. Foi terrível. Olhar para trás e não ver perspectiva nenhuma de vida”. 

Assim como a equipe do CORREIO teve acesso ao local, curiosos também chegaram à embarcação. Entre eles o caseiro João Neto Filho. Ele foi uma das pessoas que ajudaram a resgatar os sobreviventes. Ao ficar cara a cara com a lancha,  ficou  emocionado: “É uma sensação de sofrimento. É muito difícil estar aqui. Foi uma tragédia para nós”. Outras pessoas tiravam fotos. Muitas fotos, lamentavelmente. Fotos como se a embarcação fosse um ponto turístico. 

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