Escassez ameaça acarajé: ‘Não existe acarajé sem cebola’, diz baiana Neinha

Enquanto baianas ficam sem opção para massa do bolinho e da salada, tem gente botando gasolina de lancha e até cachaça no tanque do carro

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 29 de maio de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

A baiana Neinha só tem salada até amanhã ou, no máximo, quarta-feira. Sem cebola, vai ser difícil fazer a massa (Foto: Alexandre Lyrio) O feijão fradinho, base da massa do acarajé e do abará, ainda se encontra nos supermercados por aí. Mas, com o desabastecimento causado pela greve dos caminhoneiros, os hortifrútis são os primeiros a sumir das prateleiras. Entre eles, o principal tempero do acarajé: a cebola.

“Não existe acarajé sem cebola, tanto para a salada quanto para a massa. Tenho 13 quilos em casa e não se acha mais em lugar nenhum. Só vou ter salada até amanhã ou, no máximo, quarta-feira. Vou segurar para a massa, que leva muita cebola”, afirma Ângela Maria dos Santos, 61, a Neinha, que há 42 anos vende os bolinhos fritos no dendê em uma esquina da Avenida 7 de Setembro.

Neinha admite que está praticando racionamento de salada para os clientes: “Tem que ser um pouquinho para cada, senão não dá para todo mundo”, explica. Em mais de quatro décadas comercializando a iguaria nas ruas, é a primeira vez que corre o risco de faltar ingrediente para o acarajé. “Feijão e camarão ainda tem. Mas, além de cebola, não tô achando tomate, coentro, quiabo”, lista. Déu segura na ponta dos dedos a cebola que conseguiu comprar: 'Se continuar assim, vai faltar acarajé' (Foto: Alexandre Lyrio) O baiano de acarajé Ederaldo dos Santos, o Déu, mostra entre os dedos polegar e indicador a cebola que conseguiu comprar, de tamanho inversamente proporcional à sua preocupação. “Eu gosto de usar ingredientes de primeira no meu produto. Mas só achei cebola pequena e de segunda qualidade”, lamenta Déu, que há 20 anos vende acarajé em frente ao Teatro Castro Alves, no Campo Grande. "Se continuar assim, vai faltar acarajé", acredita. 

“As baianas estão passando por muitos apertos. Botijão de gás, quando se encontra, está a R$ 120”, diz a presidente da Associação de Baianas de Acarajé, Mingaus e Receptivo (Abam), Rita Santos. “Você sabe que acarajé sem cebola não dá, né? Até podemos tirar outros ingredientes. Tomate, por exemplo, não se encontra mais. Mas sem cebola não dá”.

Criatividade Enquanto as baianas não têm opção para substituir a cebola na massa e na salada do acarajé, por aí as pessoas usam a criatividade contra a escassez. O motorista Ednelson Cardoso, que faz carreto no bairro do 2 de julho, não parou de rodar porque usou gasolina das lanchas da marina em sua Kombi com carroceria. “Tenho amizade lá dentro e enchi o tanque quinta-feira. Agora lá acabou também”, disse Ednelson.

No meio do trânsito de Salvador, não é difícil encontrar carros parados e motoristas empurrando os veículos, especialmente nas filas dos postos. Mas, também nestes casos, é possível usar a cabeça. “O carro do meu cunhado parou no meio da rua. Ele usou cachaça destilada. Comprou um litro e meio e o carro funcionou. O carro dele é flex”, contou o taxista Ademir dos Santos, 42 anos.        

O desabastecimento é ainda mais sentido nos estabelecimentos de bairro. No 2 de julho, por exemplo, falta carne fresca. Somente as carnes salgadas estão nas vitrines dos açougues. Um deles, o tradicional Palmeirinha, fechou. Nas ruas do mesmo bairro, pouco se vê as conhecidas barracas de frutas. E quem tem barraca de sucos de frutas? Faz como? “Hoje arrumei umas mangas verdes e fiz suco de manga verde mesmo. O cliente disse que tava bom”, garantiu Maria José Batista, dona da barraca.