'Estávamos sentados no sofá quando veio com uma faca', diz sobrinha de vítima de feminicídio em São Cristóvão

Marlene Rodrigues Moura, 62 anos, é a nova mulher a morrer por feminicídio na Bahia em junho. O namorado, principal suspeito, foi espancado por populares

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  • Thais Borges

Publicado em 30 de junho de 2017 às 16:42

- Atualizado há um ano

A gerente Marlene Rodrigues Moura, 62 anos, nunca se casou. Tinha um namorado há dez anos mas era assim: ela tinha sua casa, o então companheiro tinha a dele. E, para a família, as coisas pareciam estar bem. Não é à toa que ainda estão em choque por Marlene ter se tornado a nona vítima de feminicídio na Bahia só no mês de junho. 

O namorado – esse de dez anos –, identificado como José Amadeu dos Santos, 52, é apontado como o autor do crime, que aconteceu na quinta-feira (29), na Travessa São José, no bairro de São Cristóvão. E, com Marlene, a Bahia chega a pelo menos 23 casos de feminicídio só em 2017, segundo levantamento do CORREIO.Apesar de ser natural de Salvador, Marlene morava no Rio de Janeiro (RJ) há 22 anos. Foi lá que conheceu José Amadeu – ele, por sua vez, carioca. Tinham retornado à capital baiana na semana passada para o batizado da filha da sobrinha de Marlene, considerada praticamente uma filha pela tia. O batizado da menina, que tem oito meses, foi no domingo, mas os dois só voltariam ao Rio na sexta-feira (30).

Na quinta-feira, porém, algo mudou. Por volta de meio-dia, Marlene estava na casa da mãe – uma idosa de 82 anos –, onde os dois estavam hospedados, fazendo o almoço para José Amadeu. Foi quando a sobrinha da gerente chegou na casa com a filha bebê. Sem nenhum motivo aparente, José Amadeu se voltou contra a criança. O crime aconteceu na casa da mãe de Marlene, onde o casal estava hospedado (Foto: Bruno Wendel/CORREIO)“Ele olhou para a menina e disse, do nada, que ia matar ela. A sobrinha de Marlene veio e disse ‘ você não vai matar minha filha, não’. Ele se trancou no quarto com a menina, enquanto ele tentava entrar, mas Marlene se colocou na frente dele, para impedir”, contou, ao CORREIO, uma pessoa da família da gerente, que não quis se identificar. 

Também sem se identificar, a mãe da menina contou que o homem parecia ter surtado. “Estávamos todos sentados no sofá, quando ele levantou, foi à cozinha e voltou com uma faca”. Em seguida, José Amadeu para cima de Marlene. Segundo a polícia, ela foi atingida por 15 golpes de faca. Pelo menos outras duas mulheres estavam no imóvel quando José Amadeu começou a atacar a vítima. Uma delas era justamente a mãe da gerente. Ela foi, inclusive, ferida de raspão. Os gritos na casa chamaram a atenção dos vizinhos e de parentes que moram próximo. Um sobrinho de Marlene que correu ao imóvel ao perceber a confusão foi um dos que primeiro tentou segurar o agressor. Ele acabou ferido com um golpe de faca na mão. Marlene ainda foi socorrida por moradores, mas chegou sem vida à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de São Cristóvão. 

Cena de terrorCunhado do irmão dela, o porteiro Antônio Lázaro disse que chegava do trabalho quando soube da tragédia. “Na hora, vim correndo para cá. Tudo já tinha acontecido e encontrei aquela cena de terror: a cozinha, a área de serviço e as parentes sujas de sangue”, disse Antônio, que não soube dizer se o casal costumava brigar.  Depois de atacar Marlene, José Amadeu, que trabalha no Rio de Janeiro na construção civil, foi espancado por populares. “Os vizinhos arrombaram o cadeado e seguraram ele, porque ele queria fugir. Veio uma multidão, muita gente mesmo, todo mundo muito revoltado porque ela era uma pessoa muito querida. Isso foi um ato de crueldade. As pessoas vieram para segurar ele, mas, nessa hora de revolta, ninguém aguenta só segurar. Se alguém vê a violência contra a mulher acontecer, ninguém aceita”, disse um parente.

No entanto, não há informações precisas de como ele foi atacado. “Ele nem chegou a fugir de fato. Quando olhei da janela, tinha um monte de gente ao redor dele, que estava caído em frente à casa da mãe de Marlene”, relatou uma moradora.José Amadeu foi socorrido por uma ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que precisou ser escoltada por policiais militares até o Hospital Geral do Estado (HGE), onde está internado. Segundo uma pessoa da família de Marlene, ele teve traumatismo craniano. 

Já os investigadores da Polícia Civil do posto do HGE informaram que o estado de saúde dele é grave. Ele está na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e, na manhã desta sexta-feira (30), foi entubado. “Ele sofreu ferimentos no corpo todo, principalmente no rosto, que está desfigurado”, disse um dos agentes.

'Não houve discussão'Enquanto isso, a família segue sem respostas. Uma parente reforçou que não houve nenhum tipo de discussão, nem nada que justificasse um ataque de raiva, por parte de José Amadeu. “Ele estava tranquilo, sentado. Foi tudo muito cruel. E acredito que tenha sido premeditado, porque ele já tinha arrumado a mala dele”. Eles tentam encontrar justificativas. “Acredito que tenha sido ciúme. Ele tinha ciúme dela com a filha e a neta”, completou a parente. Dois dias antes, Marlene teria dito aos parentes, na frente de José Amadeu, que a bebê – considerada por ela como sua neta – e a mãe da menina eram a vida dela. 

“Não sabemos o porquê dessa crueldade. Ele é uma pessoa tranquila. Não fazia uso de remédios controlados. Só se ele sobreviver para contar o que de fato aconteceu”, disse a mãe da criança.O enterro de Marlene deve acontecer neste sábado (1º), no Cemitério Bosque da Paz. Até a tarde de sexta-feira, no entanto, o horário não tinha sido confirmado pela família. O caso será investigado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).