Eu e o piriri-que-me-deu na terra de São Franz Kafka

por Rogério Menezes

  • D
  • Da Redação

Publicado em 15 de abril de 2018 às 03:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

[O duvidoso: 1991 ou 1992? O certo: eu era rico, atento e forte]. Compro vários pacotes de macarons – amêndoa, pistache, limão, morango etc – em rôtisserie da Gare du Nord, Paris. Embarco em trem mastodôntico para 18 horas de viagem rumo a Praga, a terra mater de um dos meus heróis literários: Franz Kafka.

[Status: a cidade lendária se ergue no coração da ‘cortina de ferro’,  que se corrói na velocidade vertiginosa das irreversíveis transformações da história humana. O Muro de Berlim caíra em 1989 e a avalanche de dejetos produzidos por um socialismo que caducara por obra e graça da deletéria (in)ação humana torna a cidade o vórtice da desconstrução de uma utopia].

Além dos macarons, comprei duas garrafas de conhaque e uma minivodca. Passo a parte diurna da viagem, mais de dez horas de duração, a ouvir quatro esplêndidos cedês da extraordinária violinista alemã Anne Sophie Mutter tocando de maneira magistral composições de Brahms, Mozart, Mendelssohn e Beethoven. Incendiado pela trilha sonora e pela paisagem arrebatadora, eu me afundo em doses cavalares de álcool e, idem, idem, nos pacotes de macarons que comprara na Gare du Nord.

No fim da tarde – coração aos pulos  – chego a Praga. Consigo hospedagem confortável, com pequeno senão: localiza-se na parte alta da cidade. Não tenho minuto a perder. Pego táxi meio bagaceira até o hotel, tomo banho e desço ao encontro dos ares de Franz Kafka. Em pleno transe diante de uma das cidades + bonitas do mundo, sinto a primeira pontada, depois a segunda, depois a terceira, depois pontadas sequenciais no baixo ventre que fazem meu corpo quase se partir em dois de tanta dor.

Sinto vontade de gritar, mas não grito. Então peido e peido com a impulsão das lavas do vulcão Vesúvio – e nauseabundo cheiro de metano + enxofre invade parte do centro histórico de Praga. Então percebo, aterrorizado: tempestade de proporções bíblicas se configura e se materializa nas minhas entranhas + profundas, e, conclusão lógica e dedutiva, o desastre é iminente. [Olho ao redor: os nativos me olham com nojo].

A dor me imobiliza, mas a ideia que acalento é inversa: cada punhalada me rasgando os interiores precisa me impulsionar feito minifoguete enfiado no rabo e que me catapulte em segundos ao banheiro do hotel. Zonzo, peço a morte a São Franz Kafka e a Nossa Senhora da Metamorfose, mas se fingem surdos os sacanas. [Dentro de mim, forças iguais e contrárias se digladiam].

Enfim chego ao pé da ladeira em cujo topo está o hotel. Penso: - Resistirei até lá? É andar um pouco mais ou baixar as calças e defecar atrás dessa estátua equestre de algum herói do povo tcheco. Olho a cara cagada de pombos da criatura abandonada no meio do nada, e ela fala, e em inglês, juro: - Go! You can do it!

Yes, I can! Passo pela portaria do hotel a galope. Meu ânus parece portal empurrado por mil búfalos. Peço as chaves, subo dois lances de escada, não há elevador, e, enfim, adentro o quarto, abro o banheiro, arrio as calças e explodo. [Blow up!] [Aleluia, aleluia!]