'Eu quero apenas uma superintendência', disse Bolsonaro a Moro

Confira trechos do depoimento do ex-ministro

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  • Da Redação

Publicado em 5 de maio de 2020 às 17:18

- Atualizado há um ano

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Em depoimento a portas fechadas no último sábado (2), o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro disse a investigadores que o presidente Jair Bolsonaro nunca lhe solicitou a produção de um relatório de inteligência da PF sobre um conteúdo específico. No depoimento, Moro afirmou que lhe causou estranheza que isso tenha sido usado como argumento pelo presidente da República para a demissão de Maurício Valeixo da direção-geral da PF.

Moro prestou depoimento em Curitiba no último sábado, no âmbito do inquérito instaurado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar as acusações de que Bolsonaro interferiu politicamente na Polícia Federal. O relator do caso é o ministro Celso de Mello.

De acordo com o depoimento de Moro, durante reunião do conselho de ministros ocorrida em 22 de abril, o presidente cobrou a substituição do superintendente da PF no Rio e de Valeixo da direção-geral da PF. Bolsonaro teria dito que iria interferir “em todos os ministérios” e, sobre o Ministério da Justiça, se não pudesse trocar o superintendente da PF no Rio, faria a substituição na cúpula da instituição (a direção-geral) e no próprio comando da pasta, demitindo Moro.

As cobranças pela troca na superintendência da Polícia Federal no Rio vieram não apenas em conversas, mas também por mensagens de texto, segundo Moro. O ex-ministro disse no depoimento que recebeu mensagem pelo aplicativo WhatsApp do Presidente da República, cobrando a substituição do Superintendente do Rio de Janeiro. O ex-ministro relatou que a mensagem tinha, mais ou menos o seguinte teor: “Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”.

O ex-ministro da Justiça relatou aos investigadores que se reuniu em 23 de abril com Bolsonaro, quando o presidente lhe informou da demissão de Valeixo da direção-geral da PF. Em seguida, Moro reuniu com o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, e os ministros Walter Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).

No depoimento, Moro disse que informou os ministros os “motivos pelos quais não podia aceitar a substituição e também declarou que sairia do governo e seria obrigado a falar a verdade”. Segundo Moro, ele também tratou com os colegas sobre os pedidos de Bolsonaro de obtenção de relatórios de inteligência, quando o ministro Augusto Heleno teria afirmado que “o tipo de relatório de inteligência que o Presidente queria não tinha como ser fornecido”.

No dia seguinte, 24 de abril, Moro anunciou sua demissão e fez uma série de acusações contra o presidente da República.

Interferência Em depoimento, Moro também afirmou que, em outras áreas sensíveis do Ministério da Justiça, como secretarias e órgãos demais órgãos sob a jurisdição da pasta, não houve tentativa de interferência.

“O presidente não interferiu, ou interferia, ou solicitava mudanças em chefias de outras Secretarias ou órgãos vinculados ao Ministério da Justiça, como, por exemplo, a Polícia Rodoviária Federal, DEPEN, Força Nacional”, disse.

A exceção foi quando Bolsonaro pediu a revogação da nomeação de Ilona Szabó do Conselho Nacional de Política Criminal do ministério. O episódio ocorreu ainda em fevereiro de 2019.

Leia trechos do depoimento O ex-ministro da Justiça Sergio Moro relatou em seu longo depoimento de mais de oito horas à Polícia Federal novos detalhes sobre as pressões do presidente Jair Bolsonaro para mudar cargos na Polícia Federal. O jornal O Globo divulgou nesta terça a íntegra do depoimento. Leia alguns trechos:

QUE tomou conhecimento pela Imprensa sobre a determinação do Ministro Celso de Mello sobre a sua oitiva. tendo se colocado à disposição para prestar declarações, informando o fato à Policia Federal; QUE perguntado sobre a sua definição sobre interferência política do Poder Executivo em cargos de chefia no âmbito da Polícia Judiciária, respondeu que entende que seja uma interferência se 'uma causa apontada e portanto arbitrária;

QUE durante o período que esteve à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública, houve solicitações do Presidente da República para substituição do Superintendente do Rio de Janeiro, com a indicação de um nome por ele, e depois para substituição do Diretor da Polícia Federal, e, novamente, do Superintendente da Polícia Federal no Estado do Rio; de Janeiro, que teria substituído o anterior, novamente com indicação de nomes pelo, presidente; QUE, durante a sua gestão, apenas concordou com a primeira substituição, pois, circunstancialmente, o Superintendente do RJ, RICARDO SAAD, havia manifestado interesse de sair, por questões familiares, e a sua troca já estava planejada pelo Diretor Geral, sendo   nomeado um nome com autonomia pela própria Polícia Federal, o que garantia a continuidade regular dos serviços de Polícia Judiciária;

QUE na sua gestão preservou a autonomia da Polícia Federal, em relação a interferência política e pediu demissão no dia 24 de abril de 2020, com o mesmo objetivo; QUE durante a sua coletiva ocorrida no dia 24 de abril de 2020 narrou fatos verdadeiros, cujo objetivo era esclarecer os motivos da sua saída, preservar autonomia da Policia Federal, da substituição de Diretor e de Superintendentes, sem causa e com desvio de finalidade, como reconhecimento posteriormente pelo próprio Supremo Federal em decisão proferida no dia 29 de abril que suspendeu a posse do DPF ALEXANDRE RAMAGEM;

QUE perguntado se identificava nos fatos apresentados em sua coletiva alguma prática de crime por parte do Exmo. Presidente da República, esclarece que os fatos ali narrado são verdadeiros, que, não obstante, não afirmou que o presidente teria cometido algum crime QUE quem falou em crime foi a Procuradoria Geral da República na requisição de abertura de inquérito e que agora entende que essa avaliação, quanto a prática de crime cabe às Instituições competentes; QUE em agosto de 2019 houve uma solicitação por solicitação por parte do Exmo. Presidente da República de substituição do Superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, RICARDO SAAD; QUE essa solicitação se deu de forma verbal, no Palácio do Planalto; QUE não se recorda se houve troca de mensagens sobre esse assunto; QUE não se recorda se alguém, além do declarante e do Exmo Presidente da República tenha presenciado essa solicitação; QUE no entanto, reportou esse fato tanto ao Diretor da Policia Federal, MAURÍCIO VALEIXO como ao Dr. SAAD; QUE os motivos dessa solicitação devem ser indagados ao Presidente da República, QUE, após muita resistência, houve, como dito acima, concordância do Declarante e do Dr. VALEIXO, com a substituição; QUE o presidente, após a concordância, declarou publicamente que havia mandado trocar o SR/RJ por motivo de produtividade;

(...)

QUE o próprio Declarante já recebeu relatórios de inteligência da ABIN que continham dados certamente produzidos pela inteligência da Polícia Federal:*QUE o próprio Presidente da República em seu pronunciamento na sexta-feira, dia 24 de abril de 2020, declarou que um dos motivos para a demissão do Diretor Geral da PF seria a falta de recebimento de relatórios de inteligência de fatos das últimas 24 horas; QUE o argumento não procede, pois os relatórios de inteligência estratégica da Polícia Federal eram disponibilizados ao Presidente da República via SISBIN e ABIN; QUE também não justificaria a demissão do Diretor VALEIXO a suposta falta de disponibilização dessa inteligência, já que cobrada pelo Presidente ao Declarante dois dias anteriores à exoneração do Diretor; QUE o presidente nunca solicitou ao Declarante a produção de um relatório de inteligência estratégico da PF sobre um conteúdo específico, causando estranheza que isso tenha sido invocado como motivo da demissão do Diretor Geral da PF; QUE perguntado se o presidente da República, em algum momento lhe solicitou relatórios de inteligência que subsidiavam investigações policiais, o Declarante respondeu que o Presidente nunca lhe pediu até porque o Declarante ou o Diretor VALEIXO jamais violariam sigilo de investigação policial;

QUE na quinta-feira, dia 23 de abril de 2020, o Presidente enviou ao Declarante por mensagem de whatsapp um link de notícia do site "oantagonista" informando que a PF estaria no encalço de Deputados Bolsonarista; QUE antes que o Declarante pudesse responder, o Presidente mandou outra mensagem afirmando que este sena mais um motivo para a troca na PF; QUE o Declarante ficou apreensivo com a mensagem: QUE o Declarante reuniu-se com o Presidente às 09h do dia 23 de abril de 2020, e trataram da substituição do Diretor Geral da Polícia Federal; QUE o Presidente lhe disse que VALEIXO seria exonerado, a pedido, ou de oficio, e que nomearia o DPF ALEXANDRE RAMAGEM, porque seria uma pessoa de confiança do Presidente, com o qual ele poderia interagir; QÚE o Declarante informou ao Presidente que isso representaria uma interferência política na PF, com o abalo da credibilidade do governo, isso tudo, durante uma pandemia; QÚE o Declarante também disse que poderia trocar o Diretor VALEIXO desde que houvesse uma causa, como uma insuficiência de desempenho ou erro grave, mas hão havia nada disso; QUE o Declarante pediu ao Presidente que reconsiderasse, mas que se isso não ocorresse o Declarante seria obrigado a sair e a declarar a verdade sobre a substituição;