Famílias ressignificam o Dia de Finados: cemitérios esperam movimento 50% menor

Depois de quase 40 anos de tradição, administradora não irá a cemitério

  • Foto do(a) author(a) Fernanda Santana
  • Fernanda Santana

Publicado em 2 de novembro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho

Todos os anos, desde 1974 e quase sempre na noite do dia 1º de novembro, Maria Ivone dos Santos, 66 anos, tomava um ônibus que partia de Salvador até Paulo Afonso, no Nordeste da Bahia, para visitar o túmulo do pai, na cidade onde viviam. A tradição foi mantida com a perda da mãe, naquela mesma década, e de dois irmãos. Ela nunca deixou de ir. Este será o primeiro ano em que a administradora não pegará a estrada para homenagear os familiares no Dia de Finados, ressignificado por algumas famílias devido à pandemia.

As viagens de Ivone para homenagear os pais demoravam mais de oito horas, num trajeto de 469 quilômetros. Na bagagem, ela levava uma caixa de flores resfriadas por gelo, para não murchar, e compradas na véspera em Salvador - quando começou a tradição, Paulo Afonso ainda era uma cidade pouco desenvolvida, não tinha floriculturas. Nas mãos, carregava um terço. Ia sempre sozinha. Nem doença, nem filhos - ela tem três -, nada a impedia de viajar para a terra natal, de onde a família partiu em 1974, e para onde ela sempre retornava. Desde 1974, todos os anos Ivone saía de Salvador para visitar o túmulo do pai, em Paulo Afonso. Esse ano, as homenagens serão de casa (Foto: Acervo Pessoal) “Para mim, o Dia de Finados é uma representação grande de que eles estão ali. Eu sinto aquele alívio quando chego e vejo a representação dos seus nomes ali”, disse, emocionada, Ivone.A administradora mantém as medidas de isolamento social e, como está na companhia de duas irmãs, Glória e Marli, prestará homenagens de longe. “Será um dia de orações. Eu e minhas irmãs nunca deixamos de fazer essas homenagens, oraremos por eles”, contou. Nesta segunda-feira (2), as três também homenagearão um irmão, falecido há exatos seis meses. “Acho que essa pandemia também veio para mostrar como a família é importante. Por uma coisa tão pouca, o ar, as pessoas se vão”, opinou. 

“Antecipei as homenagens”: cemitérios devem registrar movimento 50% menor Aos 38 anos, Regina Amaral Gasbarre, 71, ficou viúva de Alercio. O casal tinha dois filhos, com 10 e 12 anos, quando o marido morreu. Desde então, ela iniciou uma tradição de devoção e homenagens ao falecido na véspera e no Dia de Finados. “Agora, fui na antevéspera, dia 31, e no dia 2, farei algumas orações, mas não irei”, falou a aposentada. 

No Cemitério Jardim da Saudade, onde Alercio está enterrado e um dos maiores de Salvador, a movimentação de parentes e amigos em homenagens deve ser 50% menor que nos outros anos - de 10 mil para 5 mil, segundo a administração do próprio espaço. Outros dois cemitérios da cidade, o Campo Santo e o Bosque da Paz, não fizeram projeções, mas esperam um movimento menor no dia 2 de novembro.

Até este ano, Regina havia cumprido, rigorosamente, a rotina de visitar o túmulo do marido no Dia de Finados. ela costumava ir na véspera de carro e a pé, no Dia de Finados, até o cemitério. Como a lápide do marido fica próxima a de Raul Seixas, ao redor da qual fãs costumam se aglomerar para celebrar o músico, ela ia cedo e sem carro, já que mora perto, no bairro de Brotas.

“Minha vida inteira fiz isso, sozinha. Acredito que a gente faz oração e sentem, as pessoas sentem a energia. Eu gosto de homenagear com flores, sempre”, afirmou. 

Cemitérios criam até delivery de flores As flores estão entre os principais símbolos de homenagens aos falecidos no Dia de Finados e, neste ano, com as recomendações de distanciamento social, o Jardim da Saudade decidiu criar um serviço de Delivery de Flores. O pedido é feito pelo site, no campo “Envie uma Mensagem”. O cemitério também mudou o horário de funcionamento, com antecipação da abertura e extensão do fechamento, para evitar aglomerações.“Antecipamos a abertura em uma hora e estendemos o fechamento também em uma hora para que todos possam fazer as visitas e homenagens com tranquilidade”, informou a gerente do cemitério, Bárbara Barbem.Os cemitérios particulares também optaram por oferecer a opção de missas online - os cemitérios municipais afirmaram que não terão nenhuma programação especial neste ano, mas paróquias da cidade celebram missas presenciais e transmitidas ao vivo (veja abaixo programação para o Dia de Finados). 

Desde o dia 26 de outubro, o Campo Santo realiza missas diárias na capela, durante a Semana de Orações pelos Falecidos, o que tem colaborado para visitações espaçadas. Dentro da Igreja, a quantidade máxima será de 50 pessoas por missa. As celebrações serão transmitidas online e o gerente do Campo Santo, Roberto Taboada, afirmou que não haverá nenhuma ação que incentive a ida de pessoas ao cemitério na pandemia.

De onde vem essa tradição e o que muda Em 998 d.C., o abade Odilon, da Ordem de Cluny, na França, instituiu o Dia de Finados. Seria um dia para orar pelos mortos e interceder por suas almas, na perspectiva cristã. No dia 1º de novembro, já se celebrava o Dia de Todos os Santos, a comunhão de tudo que era sagrado. Por isso, o dia 2 foi o escolhido para se relembrar os mortos, explicou Luciana Onety, doutoranda em História Social pela Universidade Federal da Bahia e professora e coordenadora do curso de História da Unijorge. Ela também estuda a morte sob a ótica das relações institucionais envolvidas.

A ideia de celebrar os mortos e orar por eles é inspirada na concepção cristã do purgatório, onde os mortos se redimiriam dos seus pecados e poderiam, então, partir para o paraíso. “O purgatório é criado pelo cristianismo como uma possibilidade de as pessoas verem que poderiam expurgar seus pecados. É atendida tanto o lado da justiça divina quanto da misericórdia divina e isso cria um poder para a igreja, que se torna uma intermediadora dessa salvação”, lembrou Onety. O purgatório foi uma criação criticada, posteriormente, pelos protestantes, pois não há menção a ele na Bíblia.

Desde o surgimento do Dia de Finados, a compressão sobre a morte e sobre o luto mudou, principalmente em momentos históricos decisivos, como depois da Gripe Espanhola e da Segunda Guerra Mundial. Agora, Onety não vê uma mudança de entendimento sobre a morte e o morrer, que continua sendo um assunto tabu é visto sob uma ótica medicalizada, racionalizada e distante. 

A partir do século XIX, com o aprofundamento dos estudos sobre bactérias, por exemplo, o corpo morto começou a ser visto “como indesejado, numa perspectiva asséptica” da limpeza dos corpos. O que a pesquisadora enxerga é uma possível mudança do luto, vivência da perda de um ente querido por quem fica. Novamente, em situações extremas, com elevado número de mortes, como durante a Segunda Guerra, o luto tendeu a mudar. “Pode ser que agora esteja havendo uma criação de uma concepção de um sentimento coletivo, de uma empatia coletiva diante da perda. Mas algo novo, sobre a compreensão da morte, não vejo”, afirmou a pesquisadora. Somente no futuro será possível observar se, de fato, algo mudou, e se o momento de perdas coletivas provocou alguma ressignificação da morte e do nosso olhar sobre ela.

Programação dia 2 de novembro:

Cemitério Bosque da Paz: Missa às 9h, transmitida online. 

Cemitério do Campo Santo: Missas às 7h, às 9h (esta presidida pelo Cardeal Dom Sergio da Rocha), às 13h, às 14h30 (esta presidida por Dom Marco Eugênio Galrão) e às 16h (presenciais e trasmitidas online).

Cemitério Jardim da Saudade: Missa virtual com o bispo Dom Marco Eugênio, às 11h, transmitida ao vivo pelo site do cemitério.  

Cemitério Quintas dos Lázaros: Missa às 9h30 (presidida por Dom Hélio Pereira).

Catedral Metropolitana Transfiguração do Senhor (Catedral Basílica): Missa às 10h

Basílica Santuário Senhor Bom Jesus do Bonfim (Bonfim): Missas às 7h20, 9h, 10h30, 15h e 17h

Paróquia Nossa Senhora de Nazaré (Nazaré): Missa às 8h, com transmissão, ao vivo, pelo Youtube, Instagram e Facebook: @paroquiansnssa

Paróquia São João Evangelista (Mussurunga): Missa às 7h

Paróquia São Paulo Apóstolo: Missas às 7h (Matriz), às 9h (Comunidade Santa Mônica e Santo Agostinho) e às 9h30 (Comunidade Nossa Senhora da Conceição)

Paróquia Santa Cruz (Engenho Velho da Federação): Missa às 7h (presidida por Dom Marco Eugênio), com transmissão, ao vivo, pelo canal da paróquia no Youtube

Paróquia Espírito Santo (Tancredo Neves): Missas às 7h30 e 18h (Matriz), às 8h (Comunidade São Filipe e Comunidade Imaculada), às 9h30 (Comunidade São Martinho de Lima, Comunidade Apresentação do Senhor e Comunidade São José)

Paróquia Cristo Operário (Castelo Branco): Missa às 7h (Matriz)

Paróquia Sant’Ana (Rio Vermelho): Missa às 9h (Matriz), com transmissão, ao vivo, pelo canal e pelo perfil da paróquia no Youtube e no Facebook

Paróquia Nossa Senhora da Conceição (Valéria): Missa às 7h (Comunidade São José e Nossa Senhora do Perpétuo Socorro) e às 9h (Comunidade Nossa Senhora de Fátima e Comunidade São Miguel – Matriz)

Paróquia Nossa Senhora da Conceição (Lapinha): Missa às 8h, com transmissão, ao vivo, pelo Youtube

Paróquia Santo Amaro de Ipitanga (Lauro de Freitas): Missas às 7h (Comunidade São Mateus e Comunidade Bom Pastor) e às 9h (Comunidade Nossa Senhora de Fátima e Comunidade Matriz)

Paróquia São Daniel Comboni (Sussuarana): Missa às 11h, com transmissão, ao vivo, pelo Facebook

Paróquia Nossa Senhora da Assunção (Caminho das Árvores): Missas às 8h e às 18h (Matriz)

Paróquia Nossa Senhora da Boa Viagem: Missa às 8h, com transmissão, ao vivo, pelo canal e pelo perfil da paróquia no Youtube e no Instagram

Paróquia Divino Espírito Santo (Alto das Pombas): Missa às 8h (Matriz), com transmissão, ao vivo, pelo canal da paróquia no Youtube

Paróquia Santa Dulce dos Pobres (Saboeiro): Missas às 7h30 (Matriz, com transmissão, ao vivo, pelo Youtube), às 9h30 (Comunidade São Timóteo), às 10h (Comunidade Sagrado Coração e Comunidade São Caetano)

Paróquia Nossa Senhora de Fátima (Acupe de Brotas): Missas às 7h30 e às 9h30 (Matriz), com transmissão, ao vivo, pelo Facebook, Instagram e Youtube: @paroquiafatimaacupe

Capelania Militar Sagrada Família (Marinha): Missa às 8h, com transmissão, ao vivo, pelo Facebook

Paróquia Menino Jesus de Praga (Guarany): Missa às 8h, com transmissão, ao vivo, pelo Instagram

Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro (Mata Escura): Missas às 8h (Comunidade Matriz e Comunidade São Pedro e Comunidade Santo Inácio) e às 19h (Comunidade São Francisco Xavier)

Paróquia Santíssimo Sacramento e Sant’Ana (Nazaré): Missa às 8h

Igreja de São Domingos (Centro Histórico): Missa às 8h

Santuário Nossa Senhora da Conceição Aparecida (Imbuí): Missas às 7h e às 17h, com transmissão, ao vivo, pelo Youtube

Paróquia São Francisco de Assis (Alto de Coutos): Missas às 7h e às 10h