Famílias são despejadas de dois casarões no Centro Histórico de Salvador

Antes de ocupar imóvel, ambulante vivia de aluguel, mas não conseguiu mais pagar o valor e passou a buscar casas abandonadas

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  • Hilza Cordeiro

Publicado em 6 de outubro de 2020 às 21:49

- Atualizado há um ano

. Crédito: Imagem: Reprodução/Google Maps

Dois casarões que estavam ocupados por famílias na Rua Inácio Acciole, no Pelourinho, no Centro Histórico de Salvador, passaram por uma ordem de despejo na manhã desta terça (6). Pessoas que estavam nos imóveis de números 19 e 21 foram retiradas do local e as entradas foram bloqueadas com tijolos. Por volta das 8h, os pertences dos ocupantes foram colocados do lado de fora. A ação foi coordenada pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac), com o apoio da Polícia Militar. 

Ocupante de um dos casarões, a ambulante Magda Ramos Bastos conta que, no momento do despejo, ela estava vendendo café pelo bairro quando recebeu a ligação do seu filho avisando que servidores do Ipac e policiais militares haviam determinado que saíssem do imóvel. Segundo ela, sua família já estava morando no local há pelo menos um ano e meio, mas nos últimos dias havia deixado suas duas crianças na casa da avó porque o serviço de água do casarão foi interrompido. 

“Nós vivíamos de aluguel antes, mas devido à crise, não tivemos mais condição de pagar. A gente chegou a dormir duas noites com as crianças [no bairro de] Aquidabã e aí passamos a procurar casas que estivessem desocupadas porque não dava para ficar na rua com as crianças. A gente tava comendo um dia na casa de um parente, outro na casa de outro. Não posso morar com parentes por muito tempo, eles também têm família grande, outros filhos, têm as suas necessidades”, relata a ambulante. 

Magda disse que ao menos 10 pessoas viviam nos dois imóveis e todos eles eram seus parentes, entre eles filhos, nora, netos e sobrinhos que ela cria.

O Ipac informou que o grupo fez uma “invasão”, que só foi notada no fim do Carnaval deste ano. Segundo o órgão, a família entrou nos casarões durante o período em que a autarquia estava com as atividades suspensas. Em 3 de março, servidores do Ipac foram ao local em companhia da PM para dialogar com o pessoal e lhes informar que tratava-se de imóveis públicos, que não podiam ser ocupados sem o devido processo legal. Na ocasião, foram dados três dias para a retirada dos bens.

Em 6 de março, os servidores da autarquia voltaram, mas o grupo se recusou a deixar as casas. O Ipac então ingressou com uma Ação de Reintegração de Posse no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). Ainda segundo o órgão, a família fez “gato de energia elétrica” nos imóveis, “que gera risco iminente de incêndio não só para os imóveis como para os bens do entorno”, justificou. O Ipac lembrou que, em novembro de 2017, um incêndio ocorreu no antigo Cine XIV, a 200 metros dos imóveis em disputa.

Há cerca de uma semana, em 30 de setembro, o Ipac teria recebido uma denúncia de que os imóveis haviam sido abandonados pelos “invasores”. O órgão então fez vigilância para averiguar e, entre os dias 1º e 6 de outubro, não teriam notado circulação de pessoas em nenhum horário do dia ou da noite.

“Os imóveis foram abandonados com portas e janelas abertas, o que possibilitava novas invasões. A vizinhança também confirmou que, há tempos, não se vê pessoas entrando ou saindo dos imóveis, bem como não se nota luzes acesas”, acrescentou o órgão. Ao chegar para a ação nesta terça, os servidores do Ipac encontraram a porta do nº 21 aberta e o casarão desocupado. Já no do nº 19 havia três rapazes e um deles teria admitido que chegara há pouco tempo. “Possivelmente durante a madrugada, aproveitando que os imóveis se encontravam vazios e abertos, adentraram pra passar a noite”, supôs o Ipac.

A autarquia confirmou que os homens que ocupavam o imóvel entraram em contato com os demais. “Haja vista que no Pelourinho todos se conhecem, estes começaram a chegar e alegar que moravam no bem, sendo que nele não se encontrou fogão, geladeira, panelas ou mesmo lanches e mantimentos”, detalha.

O órgão diz ainda que os servidores do Conselho Gestor do Parque Imobiliário (CGPI-Ipac) foram xingados e ameaçados. Um boletim de ocorrência foi registrado contra os ocupantes. 

Por telefone, no fim da noite desta terça, Magda disse que sua família iria se dividir para dormir em casas de parentes.“É muito triste a nossa situação. É vergonhoso a gente sair com as nossas coisas na rua, as pessoas apontando: ‘Olha lá, eles sendo colocados para fora’. É uma situação chata. Os prédios estão em ruínas, desabitados, servindo de foco de marginalidade. Quando é um pai e uma mãe de família, eles caem em cima”, retrucou.