Faxina na marra! Como estão se virando patroas sem diaristas

Cansadas e ‘com as mãos e unhas horríveis’, elas dizem que aprenderam a lição e prometem até dar aumento

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 17 de maio de 2020 às 10:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Acervo Pessoal

“Eu liguei uma máquina de lavar pela primeira vez na vida  nessa quarentena”. “Eu não sei nem cozinhar um arroz”. “Confesso que tô um pouco neurótica pra manter a casa limpa”. “Dei uma surtada com essa vida”. “Não sei mais o que é ter unhas. Minhas mãos estão horrorosas”. “No final do dia minhas costas estão doendo muito”. “Ninguém merece isso, não! Eu tô pra ficar doida! Olha, vou ter que dar um aumento para Nilda depois da quarentena, viu!”.

Eu sei, são trechos de depoimentos que soam absurdos para muita gente. Mas, imagine que as autoras e autores desses desabafos não costumam encarar uma boa pia de pratos, não têm a menor intimidade com um belo cesto de roupas sujas e muitas vezes não sabem manipular sequer uma vassoura. Vai além das dondoquices dignas de fofocas como a de Adriane Galisteu, que ficou com bolhas nos dedos de faxinar na quarentena.

É que nossas patroas aqui costumam passar boa parte dos dias fora de casa trabalhando mesmo. Com a indicação de afastamento social, dispensaram as empregadas domésticas. Todas mantiveram os salários das funcionárias. O problema é que elas não têm o menor traquejo, costume e disposição para os serviços do próprio lar. Mas o que uma quarentenazinha não faz, né?

A turismóloga e radialista Lara Kertesz, 38 anos, anda se batendo tanto com a nova vida que chega a arrancar gargalhadas dos amigos e seguidores nas redes sociais. Admitiu até que não sabia nem qual produto de limpeza usar para cada ambiente da casa. Entre outras falhas graves, Lara chegou a cometer o pecado de colocar panos de chão na máquina de lavar.

“No início dei uma surtada com essa vida e até chorei. Aí decidi que tinha que começar a me divertir. Por isso, resolvi dividir com as pessoas as barbaridades e ignorâncias. Por exemplo: Eu sabia que existia um produto chamado ‘pato’ para o vaso sanitário, mas não sabia como usar. O banheiro foi o meu primeiro perrengue”, entrega.

E a cozinha? “Daquela pia nasce prato a cada dez minutos. Passo o dia inteiro lavando prato. Passar roupa eu desisti. Meus filhos estão de camiseta e cueca em casa. Roupa de cama uso sem passar”, admitiu Lara, que está grávida de 8 meses e teve que tomar medidas drásticas. “Interditei alguns banheiros da casa. Não tava dando conta. Fazer comida não tem condições”, disse. “A gente aprende que cada um é especial no que sabe fazer. Sempre dei valor a minhas funcionárias, mas agora muito mais”.  

Cansada  Com dores nas costas a cada final de “expediente”, a dentista Érica Matos, 40 anos, disse que prefere mil vezes atender 30 pacientes no consultório do que fazer os serviços domésticos. Durante o isolamento, deu férias à empregada fixa que trabalha de segunda a sábado e dispensou a diarista que ia uma vez por semana, além de uma pessoa que passava as roupas duas vezes no mês. Agora se vira, junto com o marido, para dar conta da casa, da filha de 9 anos e do filho de 4. Érica: costas doem (Foto: Acervo Pessoal) “Estou ficando muito mais cansada com os serviços domésticos em casa do que estando o dia inteiro na rua. Você já acorda preparando o café, limpando a casa e lavando roupa e banheiro”, diz Érica, que conta com o marido na cozinha. “Meu marido faz a comida. Passar roupa é o mais difícil. Como estamos muito em casa, tudo fica mais sujo. Tem que varrer e passar pano toda hora. No final do dia minhas costas estão doendo muito”.  

Nhoque A aposentada Ângela Lopes, 65 anos, está batendo cabeça na cozinha. Ficou sem “as comidas deliciosas de Nilda”, a funcionária que trabalha para ela. “Esse negócio de cozinhar ser 'ótimo pra distrair na quarentena' é conversa fiada! Distração pra mim é ver série, filmes, ler um livro. Não tô aguentando cozinhar mais! Saudade de Nilda. Quando ela voltar vou ter que dar um aumento”, promete.

Tem dias que Ângela prefere comer ovos mexidos do que preparar as carnes que estão no congelador. E os pratos? Você acaba de lavar os pratos, termina de comer e já tá tudo sujo de novo”, desabafa. No dia que se arvorou a fazer um nhoque, foi um desastre. “Foi farinha de trigo pra tudo quanto é lado. E ficou uma porcaria”, reconheceu, divertindo-se com a própria situação. E a limpeza da casa? “Não sei mais o que é ter unhas pintadas. Minhas mãos estão horrorosas”

A esteticista e artista plástica Mylena Galvão, 44 anos, mora em uma “casa imensa”, segundo ela própria, em Vilas do Atlântico. A residência tem sete banheiros. E dois filhos adolescentes. “O mais difícil é a cozinha. Porque quanto mais você fica na cozinha, mais coisa você tem pra fazer”.“Nessa hora que a gente vê o quanto deveria ser valorizado o trabalho doméstico. Porque lavar, passar, cozinhar e dar conta dessa casa com sete banheiros não é brincadeira”, afirma Mylena, que já convocou os filhos para ajudar. “Tem sido uma experiência que eu vou levar para o resto da vida. Porque sem a minha funcionária eu comecei a colocar meus filhos pra me ajudar. Era pra ter feito isso mais cedo”.Robôs que varrem a casa Enquanto alguns se convencem da necessidade de valorização do trabalho doméstico, há os que fazem de tudo para não botar a mão na massa. Em um condomínio fechado no bairro de Patamares, a discussão em um grupo de WhattsApp é sobre como adquirir um daqueles robôs que varrem a casa. “Meninas, alguém tem aquele robozinho de varrer/aspirar a casa?”, perguntou uma condômina.

“Acabei de comprar um desses. Estava em promoção. Espero que funcione”, respondeu a vizinha. “Vou ter que comprar também”, retrucou. “Comprei uma vassoura que varre e passa pano na Polishop. Esperando chegar”, disse uma outra, que nunca imaginou compra-la para a funcionária. “Dedico meio período à casa e o restante para o filhote. Tempo para mim? Só quando ele vai dormir depois das 20h30”, disse uma das condôminas, enviando uma figurinha da Barbie desgrenhada e com olheiras.

Guia da faxina Se existisse formação acadêmica para domésticas, Romilda Reis, 57 anos, seria PHD. Desde os 8 anos de idade, quando não tinha noção dos seus direitos, realiza atividades do lar nas casas dos outros. Só na família dos atuais patrões, são 35 anos. “Graças a Deus encontrei uma família maravilhosa”. Hoje uma das diretoras do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia (Sindomésticos), ela diz que faxina não tem segredo. “É questão de prática e disposição”.

Convocamos Dona Romilda para, junto com a gente, fazer um guia da faxina para ajudar as “dondocas e dondocos” nessa quarentena. Isso não quer dizer que você vai fazer uma faxina por dia, avisa Romilda. “Dá pra ir dando manutenção, digamos assim. Aí você escolhe um dia da semana para a faxina mais pesada, completa”, ensina. “Roupas de cama troco uma vez por semana, por exemplo. Toalhas duas vezes por semana” diz Romilda, que infelizmente não tem como ensinar as pessoas a cozinhar por aqui. “Aí é outra questão”. Mas, para todo o resto, basta seguir as seguintes instruções.   

Banheiro: Mãos à obra

Para lavar o chão, coloque um pouco de sabão em pó e água sanitária no balde e jogue uma parte em todo o banheiro. Esfregue com vassoura de piaçava. Para o vaso, pia e paredes, acrescente o tira-limo. “A água sanitária e o sabão sozinhos não tiram o mofo, o limo dos rejuntes e o amarelado dos vasos do banheiro”, explica Romilda. Use uma bucha para esfregar a tampa e a parte externa do vaso e a vassourinha para limpar dentro do vaso. A outra bucha use para a pia, paredes (caso estejam com sujeira entre os azulejos), prateleiras e acessórios. Deixe o banheiro de molho por meia hora e depois jogue água em tudo. Enxugue com os panos e, uma vez por semana, troque o piso (tapete de banheiro) e a toalha de rosto.

Pratos Mãos à obra

Jogue no lixo todo o resíduo de alimentos e arrume os pratos e talheres dentro da pia. Coloque os copos ou xícaras fora da pia ou em uma segunda pia para que eles não absorvam a gordura dos pratos. Lave tudo normalmente com água e detergente e coloque no escorredor para secar. Depois, ferva um litro de água e jogue na pia para ajudar a retirar o resíduo de gordura. “Tem domésticas que jogam água quente nos pratos antes. Eu prefiro jogar na pia depois”, diz dona Romilda. Detalhe: a melhor forma de lavar pratos é não suja-los ou, no caso, não acumula-los na pia. Usou, lavou.

Limpeza da casa Mãos à obra

Dê uma boa varrida na sala para retirar o excesso de poeira e sujeira. “Eu uso a vassoura de nilon para não estragar o piso”, revela dona Romilda. Para uma limpeza mais eficiente, use aspirador de pó. Com o pano seco, passe o limpador multiuso nos móveis, armários, prateleiras, estantes, guarda-roupas, acessórios e objetos. Somente depois disso, molhe o pano de chão com água e desinfetante. Com a ajuda do rodo, passe nos piso de cerâmica ou porcelanato. Para o piso de taco, use o pano de chão úmido com um pouco de óleo de peroba.  

Roupa suja Mãos à obra

Separe as roupas por cor ou tonalidade. Se não fizer isso, há um sério risco de uma roupa colorida manchar outra durante a lavagem. Coloque porções entre 15 e 20 peças pequenas (se não tiver roupa de cama). Acrescente o sabão em pó e o amaciante (as quantidades estão nos rótulos dos produtos). No caso de roupas brancas, use um pouco de alvejante. Importante: não lave panos de chão na máquina. Esses devem ser colocados de molho no sabão em pós e água sanitária e depois lavados à mão. Segredo de Dona Romilda. “Eu não coloco o amaciante, o alvejante e o sabão nos compartimentos da máquina. Ali ficam resíduos desses produtos. Prefiro colocar direto depois da máquina cheia de água”. Ligue a máquina de acordo com a necessidade - cada máquina tem instruções para lavagens básicas ou específicas, como algodão, lavagem pesada de jeans e etc