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Thais Borges
Publicado em 3 de novembro de 2019 às 05:53
- Atualizado há 2 anos
Numa sala sem cadeiras, uma professora toca piano. Um grupo de 20 crianças do 4º ano se movimenta de acordo com a música, sempre orientado por outra professora. “Vamos fazer os gestos do alfabeto”, pede a educadora, antes de ser seguida por aberturas de braços que simbolizam vogais e consoantes. Poderia encerrar a aula ali, mas recebe uma solicitação: os próprios alunos pedem para mostrar a dança com bastões de cobre. São atendidos. >
Em outro ambiente, crianças de nove anos, no 3º ano do Ensino Fundamental, encaram uma das atividades semanais: o dia de fazer pão, a partir do trigo plantado, moído e sovado por elas. O pão e a aula de Euritimia – o nome da disciplina de expressão artística através da música – são alguns dos aspectos mais conhecidos da Pedagogia Waldorf, uma das metodologias de ensino mais comuns em escolas pelo mundo. (Ilustração: Arte CORREIO) O cenário é praticamente oposto à ideia de que muita gente tem do que é – ou deve ser – uma instituição de ensino. Mas a verdade é essa: há diferentes tipos de escola. Como a Waldorf, há outras – Montessori, Construtivista, Sociointeracionista e a própria escola tradicional. No entanto, diante de tantos nomes estranhos ou mesmo estrangeiros, muitos pais vivem um dilema: qual é a melhor opção para os filhos? >
Agora, em meio à temporada de matrículas e reservas de vagas para 2020, é justamente quando os pais ou responsáveis devem tomar essa decisão. Na rede municipal de ensino, o cadastramento para novos estudantes foi até outubro. Já na rede particular, depende de cada escola. >
De acordo com o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado da Bahia (Sinepe), a entidade que representa as escolas particulares, as instituições são livres para definir o próprio calendário, desde que respeitem a lei federal 9.870/99. Pela legislação, as escolas devem divulgar a proposta de contrato e o número de vagas por turma com, no mínimo, 45 dias de antecedência da data final para matrícula. “Quando falamos de escolha de escolas, temos diversos elementos a considerar. O que é a qualidade de uma escola? Há a associação complexa de diversos elementos. Escolhemos pela estrutura física oferecida, pelo valor, pela proposta pedagógica ou pela abordagem metodológica?”, questiona a pedagoga Antonete Xavier, professora Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Rotina Quanto à pedagogia, as diferenças existem desde a concepção de cada uma. A escola tradicional é focada na figura do professor. Segundo essa visão, o conhecimento é transmitido pelo mestre aos estudantes. Os métodos são, quase sempre, reprodutivos ou expositivos. Nas outras pedagogias, não. Ainda que tenham diferenças entre si, a criança é protagonista do processo. >
“Os processos democráticos de decisões, o protagonismo infantil, respeitando a criança como um ser capaz de pensar e opinar em sua essência infantil fazem toda diferença na escolha de uma escola”, completa Antonete. >
A maior variação nas metodologias está nas escolas de Educação Infantil, mas o Ensino Fundamental – principalmente em seus primeiros anos – não fica de fora. Só que, além dos tipos de pedagogia, há diferentes abordagens. Não é incomum que mães e pais se deparem com duas escolas que se definem como ‘construtivistas’ e são totalmente diferentes entre si. Rotinas diferentes, regras diversas. “Escolher uma escola para um filho é um casamento”, diz a psicopedagoga e educadora parental Larissa Machado, mestre em Psicologia Educacional pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “O que é importante, para os pais, é entender como esse trabalho pedagógico se organiza no dia a dia. É, de fato, entender como o trabalho vai entender a concepção de criança”, acrescenta. Por rotina, deve-se compreender tudo: desde o que a criança faz, ao chegar na escola, até como os eventuais conflitos são mediados ali, como os alunos são avaliados e se os professores têm formação continuada. Nesse contexto, uma dica é tentar entender qual é o nível de participação dos alunos nas práticas pedagógicas. >
Nesse ‘casamento’, a relação precisa ser honesta: os pais devem saber o que querem para os filhos. “É necessário conhecer se a concepção e o projeto político-pedagógico vão atender aos ideais que a família pretende alcançar na educação desse ser que está na sua tutela”, explica a psicopedagoga Joanice Bezerra, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia – Seção Bahia. >
De forma geral, o 'boom' do construtivismo nas escolas no Brasil e na Bahia foi a partir dos anos 2000, quando muitas instituições passaram a adotá-lo, de acordo com a pedagoga Cristina D’Ávila, professora da Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal da Bahia (Ufba). >
“A escola tradicionalista já é muito ultrapassada, porque o conteudismo deixa de lado a subjetividade humana, as escolhas pessoais. Não tem a ver com a construção do protagonismo dos estudantes e a formação do pensamento crítico. Isso a gente pode desenvolver melhor dentro de uma perspectiva mais libertária”, reflete. >
Nem sempre a melhor escola vai ser a mais cara, a mais tecnológica ou a que tem os maiores prédios.“Paulo Freire dizia que a escola não é só prédio, não é só a construção. Escola é um lugar onde se faz amigos, onde se constroem tantas coisas”, pondera a psicopedagoga Joanice Bezerra. Público As pedagogias consideradas mais libertárias por especialistas também não são exclusivas das redes privadas. Desde 2015, por exemplo, a rede municipal de Salvador tem um projeto com base socioconstrutivista. O projeto, batizado Nossa Rede, foi elaborado pela Secretaria Municipal de Educação (Smed) em parceria com os professores. >
“Quando a gente começou, a rede vivia um momento bem único. A gente teve um decreto em que as escolas podiam decidir se usavam o material Alfa e Beto, que é uma base fônica, ou o Pnaic (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa), que vinha na linha socioconstrutivista. A rede vivia essa dicotomia e muita gente não queria a base fônica”, lembra a coordenadora de formação pedagógica da Smed, Alana Márcia Santos. >
A decisão conjunta foi, portanto, de continuar com a base do socioconstrutivismo. Em 2019, 100% das escolas municipais já seguem a pedagogia, incluindo aquelas que oferecem do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental. Além de contar com a identidade cultural de Salvador, o projeto pedagógico também aposta no protagonismo da criança. >
Nas salas, os pequenos opinam em como acham que o ambiente deve ser organizado. Em uma escola no Jardim Apipema, a sugestão levou à implantação de um ‘estacionamento’ para velotrol. Além disso, a partir do 3º ano (em algumas escolas, a partir do 2º), os alunos servem a própria comida na hora das refeições. Na rede municipal, os alunos comem sozinhos (Foto: Smed/Divulgação) “Os adultos tinham medo de derramar, sujar, mas hoje você chega e vê que os meninos e meninas estão se servindo normalmente, comendo, participando. Existia também um medo de que ficassem sem se alimentar direito, mas você percebe que eles pegam o que querem”, explica. Conheça algumas das principais pedagogias nas escolas brasileiras>
Escola tradicional É o ‘formato’ mais antigo e também o mais conhecido. É tão antiga que existe no Brasil praticamente desde que os portugueses chegaram aqui, no século 16. Segundo a pesquisadora Cristina D’Ávila, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (Ufba), a escola tradicional foi trazida pelos jesuítas com a Companhia de Jesus, a partir de 1549. >
Na época, os padres levavam o mesmo plano curricular – o Ratio Studiorum – para todas as colônias portuguesas.“Essa pedagogia tem como característica central o ensino referenciado no professor. O método é transmissivo, como se o conhecimento pudesse ser transmitido”, explica Cristina.Esse tipo de escola é tão forte que ainda continua sendo muito utilizada, independente de crença religiosa. Ao contrário das outras pedagogias, que podem ser combinadas, a escola tradicional não pode ser, ao mesmo tempo, construtivista, por exemplo. >
Não é possível uni-la a outras porque, como explica a psicopedagoga Larissa Machado, tratam-se de conceitos opostos. “A concepção do ensino tradicional é que esse ensino vem de cima para baixo. Não dá para mesclar com salas de aulas invertidas, por exemplo”, diz. >
Montessori A pedagogia Montessori também não é recente; foi criada no início do século 20 pela psiquiatra Maria Montessori, na Itália. Na época, ela criou a 'Casa das Crianças', com um método para crianças que tinham algum déficit intelectual. >
"Era um método muito empirista, baseado na experiência, no toque, na autoresponsabilização das crianças a fim de que elas ganhassem autonomia, protagonismo. Ela (Maria Montessori) foi uma mulher revolucionária", afirma a professora Cristina D'Ávila, da Faculdade de Educação da Ufba. >
De lá para cá, a Montessori se espalhou pelo mundo - inclusive, com crianças que não tinham nenhum tipo de lesão cerebral. Desde a década de 1930, há escolas brasileiras que seguem essa pedagogia. >
A Montessori traz ambientes estruturados, concretos. Nas escolas que a adotam, a interação com os objetos é extremamente importante. O mobiliário é todo colocado ao alcance das crianças. "A Montessori tem um método bem fechado de organização de trabalho. Várias construtivistas se baseiam no método montessoriano, mas adaptam várias atividades e estratégias", diz a psicopedagoga Larissa Machado.Nos últimos anos, a pedagogia montessoriana voltou a ter mais ênfase, especialmente em países da Europa, como a França.>
Waldorf Em 1919, a Alemanha enfrentava um cenário devastador. A Primeira Guerra Mundial, que acabara no ano anterior, deixara para trás um caos social e econômico. Foi nesse contexto que a pedagogia a Waldorf foi fundada pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner. >
Na época, o diretor da fábrica de cigarros Waldorf-Astoria na cidade de Stuttgart pediu que Steiner ajudasse a organizar uma escola para os filhos dos trabalhadores da empresa. O nome da pedagogia, que veio inspirada pelo conceito da antroposofia, veio da própria fábrica. A antroposofia, por sua vez, é uma doutrina criada por Steiner que busca preencher um abismo entre fé e ciência. >
Ainda que tenha sido criada há um século, a pedagogia Waldorf teve um grande crescimento nos últimos anos – o número de escolas adeptas aumentou mais de 200% no Brasil, em pouco mais de uma década. Neste ano, quando completa 100 anos, a pedagogia tem 288 escolas adeptas no Brasil; na Bahia, são 23. Na pedagogia Waldorf, o contato com a natureza é importante (Foto: Thais Borges/CORREIO) A Bahia é o quarto estado com maior número de instituições, de acordo com dados da Federação das Escolas Waldorf no Brasil (FEWB). Fica atrás apenas de São Paulo (100), Minas Gerais (33) e Rio de Janeiro (24). >
O principal conceito da pedagogia é de que cada ser humano se desenvolve de forma diferente. Por isso mesmo, a educação deveria levar isso em conta."Nossa proposta é formar cidadãos e profissionais mais conscientes dos aspectos humanos”, diz a articuladora pedagógica da FEWB, Cristina Velásquez. As escolas Waldorf costumam ser espaços onde há muito contato com a natureza. Os alunos não aprendem apenas a fazer pão: nas aulas, tocam instrumentos, fazem tricô, marcenaria, xilogravura e escultura em argila. Também não usam uniforme - a ideia, com isso, é respeitar a individualidade cada um. >
No ano passado, o fato de grandes empresários e desenvolvedores do Vale do Silício, na Califórnia, matricularem seus filhos em escolas Waldorf chamou a atenção e ganhou o noticiário internacional. Os pais, empresários da tecnologia, escolheram escolas sem grandes inovações nessa área. >
Na pedagogia Waldorf, os estudantes são divididos em três ciclos, cada um com duração de sete anos. “Um dos grandes diferenciais é o trabalho com as crianças de forma permanente e peculiar para os primeiros sete anos. Depois, tem outra abordagem para uma criança dos sete aos 14 e uma terceira para o jovem dos 14 aos 21 anos”, diz a diretora da primeira instituição Waldorf do Brasil, Melanie Guerra. A Escola Waldorf Rudolf Steiner foi criada em São Paulo, em 1956. O primeiro ciclo – chamado ‘setênio’ – é um período focado no desenvolvimento físico dos pequenos, privilegiando atividades corporais. “Até mesmo uma aula de línguas é repleta de movimento. O processo artístico está sempre vinculado ao repertório, como algo que faz parte do ser humano”, completa Melanie. >
A pedagogia Waldorf tem pontos semelhantes à montessoriana, segundo a professora Cristina D’Ávila, da Faculdade de Educação da Ufba. “Tem uma preocupação muito grande voltada para as artes, para o contato com a natureza e com o aprender a partir da experiência”, fala. >
Construtivista A pedagogia construtivista, na verdade, é uma ressignificação da epistemologia do biólogo Jean Piaget. Na década de 1960, Piaget criou a chamada teoria da epistemologia genética, que tinha como objetivo a compreensão dos processos cognitivos. >
Para chegar à teoria, estudou a gênese e o desenvolvimento da inteligência humana desde a infância até o chamado estágio cognitivo das operações formais - ou seja, as elaborações feitas pelos adultos. "Houve interpretação dessa teoria por alguns pedagogos muito importantes. Esses parâmetros deram as diretrizes gerais para implantação das escolas construtivistas", afirma a pedagoga Cristina D'Ávila, da Ufba. Assim como nas pedagogias montessoriana e Waldorf, o construtivismo defende a autonomia e a ideia de que o conhecimento não é transmitido. O conhecimento, para Piaget, é construído e depende da interação dinâmica com o meio. >
No construtivismo, a criança aprende pelas perguntas, através de hipóteses. "É um pensamento cientista dentro da escola. A criança aprende com o objeto. É o sujeito em contato com o mundo social, dos afetos", diz a psicopedagoga e educadora parental Larissa Machado. >
Segundo a pedagoga Antonete Xavier, professora da Uneb, a primeira escola construtivista da Bahia foi a Escola Experimental, fundada em 1965, na Vila Laura. "Os conflitos e erros são considerados relevantes na construção do conhecimento", afirma Antonete. >
Sociointeracionismo ou socioconstrutivismo O sociointeracionismo é considerado uma das vertentes do construtivismo. Assim como o construtivismo não foi criado por um educador, o sociointeracionismo foi proposto por um psicólogo - o bielorusso Lev Vygotsky. >
De acordo com essa doutrina, as relações sociais têm muita força no processo de construção do conhecimento. Da mesma forma que o construtivismo, essa pedagogia defende a importância da interação da criança com o meio em que vive. >
Em muitas escolas, a abordagem une as visões de Jean Piaget e de Vygotsky. Na rede municipal de ensino de Salvador, desde 2015, por exemplo, o projeto pedagógico tem base socioconstrutivista. Nas escolas da rede municipal, a base do projeto pedagógico é socioconstrutivista (Foto: Bruno Concha/Secom) "Muitos pais conhecem a forma como a gente estudou, que é mais tradicional. A gente tem que explicar desde o conceito do que é uma tarefa até o fato de que, às vezes, perguntar para o avô sobre como foi o dia dele tem muito a ver com a aula do dia seguinte. Não necessariamente tem que levar um caderno para escrever em casa", diz a coordenadora de formação pedagógica da Smed, Alana Márcia.Escola eclética Algumas escolas, porém, não seguem uma única pedagogia. Algumas se inspiram em aspectos de Montessori, no construtivismo e no sociointeracionismo. Elas se definem como ‘ecléticas’. É o caso da Escola Arca de Noé, na Pituba. “Elas não são excludentes. A gente uniu o que não é excludente. Por isso, aqui é uma escola eclética”, afirma a diretora da instituição, a pedagoga e psicopedagoga Graziela Miranda, mestre em Educação pela Ufba. Na escola, que oferece apenas turmas de Educação Infantil, os alunos não usam tecnologia. Os professores entendem que é uma geração que já lida muito bem com celulares, computadores e tablets. Por isso, o tempo na escola é dedicado a atividades na areia, ao ar livre e de artes. >
“Quando comecei a estudar, na década de 70, dizer que era eclético era quase uma coisa criminosa, mas, hoje, as narrativas estão sendo descontruídas em função da complexidade”, completa Graziela. >
Na Maple Bear Salvador, a proposta pedagógica também usa muito do construtivismo e do sociointeracionismo. A escola tem práticas educacionais canadenses, por ser uma escola internacional. A escola canadense Maple Bear é uma das que une pedagogias (Foto: Divulgação) “Mas não é só isso. A transferência da responsabilidade para o alunos é muito socioconstrutivista, enquanto a gente oferece mediação nessas etapas, mas, para isso, a gente tem que integrar diversas outras abordagens nesse processo de conhecimento”, diz a diretora acadêmica da Maple Bear, Cinthia Sant’Anna.>
Escola Pikler As escolas Pikler têm como base a abordagem da pediatra húngara Emmi Pikler, criada logo após a Segunda Guerra Mundial. Em 1946, Emmi criou um orfanato para acolher bebês, em Budapeste. >
Em pouco tempo, o espaço se tornou uma creche. Uma escola Pikler, portanto, é aquela que segue uma abordagem de cuidar crianças em ambientes coletivos. De acordo com a pedagoga Antonete Xavier, professora da Uneb, a Pikler não é um método, mas uma concepção de primeira infância. >
No geral, é destinada a crianças com idades até três anos. "Os elementos que embasam a concepção são o respeito à individualidade da criança, cuidado com a saúde física, o desenvolvimento por meio da autonomia e do brincar livre e a valorização do vínculo entre o cuidador e o bebê".>