Febre no Instagram, baianos transformam filtros em fonte de renda; veja como fazer

Tecnologia de realidade aumentada custa em média de R$ 1,2 mil a R$ 4 mil; alguns criadores até viraram 'influenciadores de filtros'

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  • Naiana Ribeiro

Publicado em 3 de outubro de 2020 às 11:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Reprodução/Instagram

Se você é usuário ativo nas redes sociais, é muito provável que já tenha passado horas com o celular testando e salvando filtros de realidade aumentada no Instagram. Com essa tecnologia, dá para ser o que quiser: tem efeitos que transfiguram o rosto, aproveitam frases de memes, outros que deixam fotos e vídeos coloridos e até os que transformam os usuários em personagens de filmes, animais ou que mudam a idade dos internautas em questão de segundos. Mais do que uma brincadeira ou até um vício - já tem gente aderindo ao desafio de ficar um tempo sem usar filtros - esse recurso é uma nova fonte de renda para produtores de conteúdo e influenciadores.

É o caso do motion designer e ilustrador baiano Leo Mendes, 27 anos: em agosto de 2019, seu perfil @leomendxs tinha cerca de 1,2 mil seguidores e, após disponibilizar filtros criativos, em uma semana passou a ter 10 mil. O maior impacto aconteceu depois que um efeito nostálgico inspirado no falecido MSN Messenger - que não está mais disponível - viralizou. Em poucos dias, Leo alcançou mais de 30 mil seguidores. (Foto: Reprodução/Instagram) Na época, para um usuário salvar um filtro em sua galeria era preciso seguir o criador para ter acesso. “Isso me fez ganhar muitos seguidores num espaço de tempo muito curto. Hoje, após algumas atualizações do Instagram, você pode salvar os filtros sem precisar necessariamente seguir os criadores”, explica ele, que normalmente publica um efeito por semana em seu perfil.

Com isso, o ilustrador passou a ser procurado por marcas e por influenciadores para fazer peças sob encomenda. Desde então, isso virou uma renda extra: ele já vendeu mais de dez para empresas e influencers. O preço médio do item varia, porque depende de cada criador, tempo e da complexidade do produto.Mas hoje, segundo ele, um filtro é comercializado no mercado por cerca de R$1,2 mil. Filtros mais complexos chegam a custar R$ 4 mil. “Entendi que era um negócio quando vi o quanto os filtros engajam as pessoas e o interesse que as marcas demonstravam por isso. Vi marcas grandes desenvolverem filtros com conhecidos meus. Meu perfil recebeu grande visibilidade depois que alguns filtros meus viralizaram, alcançando grandes influenciadores como o @Alvxaro e o @FedericoDevito. Mas fiquei chocado quando o filtro inspirado no Google chegou na (cantora) Pabllo Vittar”, conta. Hoje, seus filtros acumulam mais de 21 milhões de visualizações e 136,3 milhões de aberturas.

Para o consultor em mídias sociais Caio Costa, o sucesso dos filtros no Instagram é mais uma amostra de como a rede social soube vencer a guerra de redes sociais contra plataformas como o Snapchat, onde os filtros começaram a ganhar popularidade.

"As pessoas gostam da facilidade de publicar algo que tem impacto visual. Os filtros deixam os Stories mais divertidos tanto para quem publica quanto quem vê com a possibilidade da pessoa interagir com os elementos", pontua, justificando a amplitude do elemento que se apoia na realidade aumentada.Os 4 filtros mais bombados de Leo 98’ Fuji: 239.335.642 impressões Bored fish: 31.517.804 impressões CREAMY: 12.972.748 impressões Bonjour: 5.398.442 impressões Como faz? A personalização de filtros pelos próprios usuários no Instagram foi disponibilizada em agosto do ano passado, quando o Facebook, dono da rede social, liberou para o público em geral o software Spark AR Studio, que permite que qualquer pessoa crie seus próprios efeitos em realidade aumentada, sobrepondo uma camada virtual sobre o mundo real.

Uma versão de testes do Spark AR já estava disponível desde o início do ano para usuários como o desenvolvedor baiano Adriano Magalhães, o Fino (@finofinissimo), 43 anos, conhecido por filtros coloridos e divertidos. Alguns dos filtros por Adriano Magalhães, o Fino (Foto: Reprodução/Instagram) "Comecei a fazer os filtros em 2018, no início do grupo Beta do Instagram. Nessa fase, poucos criadores tinham acesso ao programa e à plataforma de gerenciamento dos filtros. Era uma fase bem experimental; mas, mesmo assim, saiu muita coisa legal dessa época, coisas que acabaram virando referência, como rostos brilhantes", lembra o artista multimídia, que também compõe, faz trilhas sonoras e faz direção de comerciais. 

Desde então, ele acompanha de perto todas as atualizações da ferramenta. A mais recente, que saiu nesta terça-feira (29), está dando o que falar. "Saiu a detecção de cabelo e comunidade tá em polvorosa. Na quarta já tínhamos uma multidão de filtros com cabelo por aí. A comunidade só fala disso", comenta.

Hoje, Fino ganha dinheiro fazendo filtros para marcas como Facebook, Rock in Rio, Fortaleza, Danone, João Rock, Magazine Luiza, Webmotors, etc. "A lista é grande. Não trabalhei com influencers ainda, tenho dado preferência a grandes marcas e projetos maiores", revela o baiano.Os 4 filtros mais bombados de Fino Slick: 220 milhões impressões Mo Fyah: 90 milhões impressões  Doll Me Up: 70 milhões impressões  Light my Fire  O filtro Derretendo, o quinto mais acessado do criador, foi um dos primeiros a bombar. "É um filtro com motivo brega, pra paquera, com uma placa na cabeça escrito 'Me derreto por você' e a cara da pessoa mesclada num picolé. O MohFyah é um bem memético também, utiliza o famoso óculos ThugLife e solta fumaça ao abrir a boca", explica ele, que tem uma relação com tecnologia desde muito pequeno. Formou-se em um curso de eletrônica à distância, aos 9 anos de idade - o Intituto Universal Brasileiro, que aparecia nas revistas em quadrinhos, na década de 80. De lá para cá, estudou também design, programação e música.

Assim como Fino, a publicitária e diretora de arte baiana Fernanda Grimaldi, 28, dona do perfil @fegrimaldi, foi aceita no grupo experimental Beta do Instagram antes do software ter sido aberto ao público, em meados de 2019.  (Foto: Reprodução/Instagram) “O retorno veio quase que instantâneo. O filtro que foi o ‘boom’ do meu perfil foi o filtro Saquinho de Lixo, em meados de maio deste ano. Eu sou fã da página homônima e fiz em homenagem a eles. Foi surreal a quantidade de pessoas seguindo e usando. É o meu filtro com mais visibilidade. Ganhei cerca milhares de seguidores em menos de uma semana”, conta a especialista, que aprendeu a usar filtros ‘futucando’. Apesar de ter certa expertise em design, ela garante que não é preciso ser publicitário ou diretor de arte para criar filtros: “Muitas vezes os filtros mais simples são os que mais bombam”.

Fê começou a reparar nos filtros do Instagram que não eram assinados pela própria empresa em dezembro de 2018. “Inicialmente eu via só contas comerciais, até que comecei a reparar que contas 'comuns', de pessoas normais, também tinham alguns filtros. Comecei a procurar no Google sobre isso, mas não achava nenhuma informação… Continuei a pesquisa e em janeiro eu finalmente achei o programa que cria os filtros. Fiz o download, achei o grupo no Facebook, comecei a estudar pelos tutoriais que o próprio Facebook disponibiliza e assim fui aprendendo a mexer. Nessa época, o programa só funcionava em computadores da Mac, então eu estudava no meu horário de almoço na agência onde trabalho, já que não tinha um Mac em casa”, lembra.

Na época, qualquer pessoa podia baixar o programa e subir os filtros no Facebook, mas para publicá-los no Instagram pouquíssimas pessoas tinham acesso. “Era preciso ser aceito no grupo Beta do Insta. Fiz a inscrição para o grupo e, depois de uns três meses recebi o e-mail dizendo que fui aceita. Nesse período, tinham poucos brasileiros criando filtros. Uns dois meses depois, eles abriram a plataforma para todo mundo”, conta Fernanda.Os 4 filtros mais bombados de Fernanda Saquinho de lixo: 32.723.846 impressões Fica na paz (aquele do online e metendo): 9.963.060 impressões Avenida Brasil: 7.882.147 impressões Oi, sumidx: 5.132.727 impressões No site do programa, há aulas e tutoriais para os aspirantes a produtor de conteúdo. Há também grupos no Facebook voltados para a prática – o Spark Brasil tem cerca de 4,2 mil pessoas; já a página Spark AR Community tem mais de 80 mil membros. Depois que o filtro é finalizado, o produtor de conteúdo precisa enviar o efeito ao Instagram para aprovação - em média, um pedido leva entre 5 e 10 dias para ser liberado. 

O Instagram informou que não divulga dados sobre o número de brasileiros que usam o Spark AR. “Ficamos satisfeitos com a amplitude e variedade de efeitos que temos visto”, disse um porta-voz da empresa ao Estadão.

Dicas para aprender Mesmo o Facebook disponibilizando tutoriais de funções básicas em inglês, Fê aprendeu conversando com outros criadores e através do grupo no Facebook. “A interface do programa é bem diferente dos que eu estou acostumada a usar, como o pacote Adobe, por exemplo. Alguns filtros precisam de JavaScript, e eu não tinha noção nenhuma de programação. Comecei a estudar pra conseguir fazer pelo menos o básico. O mesmo para modelagem 3D. O melhor é que, através do Spark, eu fui despertando o interesse para outros tipos de tecnologias”, conta.

Assim como Fernanda, Leo também aprendeu através do grupo no Facebook. “Hoje, a ferramenta é aberta e bastante acessível. E dentro de poucos meses muitos criadores, principalmente os brasileiros, se juntaram para compartilhar informações e tutoriais na rede. No grupo aprendi e busquei pela maior parte das informações que me ajudaram a criar os filtros”, conta o designer. 

Para ele, a curva de aprendizado do programa é simples. “Se você já tem afinidade com softwares de criação, você não vai demorar para entender o básico e começar a criar filtros, ainda que menos complexos, sobretudo agora, que existem diversos tutoriais brasileiros no YouTube. A parte mais difícil vem depois, quando você começa a se empolgar e ambiciona ideias mais complexas, que demandam determinados conhecimentos específicos de programação e de modelagem 3D, o que pode limitar suas criações”, completa.

Grana extra Hoje, Fê faz pelo menos um filtro por mês para marcas - no final do ano passado, porém, foram cinco criações. Entre seus clientes estão outros influenciadores, os shoppings Salvador e Salvador Norte, além da companhia Gol. (Fotos: Reprodução) (Fotos: Reprodução) (Fotos: Reprodução) “Não dá para vender o filtro pelo filtro, ou fazer só o que está bombando no momento. Planejamento e estratégia são importantes, porque o filtro é um investimento que tem um retorno muito positivo se for bem pensado. É preciso ter um estudo do público do cliente, entender do que esse público gosta, o que ele consome, o que combina com a marca, etc”, explica a especialista.  (Fotos: Reprodução) (Fotos: Reprodução) A verdade é que o recurso se tornou uma verdadeira cadeia de faturamento - você ainda vai ouvir falar muito deles nas eleições. Existem perfis de todo o mundo que hoje se sustentam sendo ‘influencers de filtros’ - alguns exemplos são @ya.molli, @nahir.esper, @vitulox, @thaifurtado, @bdimitrov.

Além de comercializarem os filtros e às vezes ganharem dinheiro com palestras e tutoriais, muitos criadores faturam ainda divulgando efeitos de empresas - afinal, é interessante para as marcas que eles se popularizem pela rede social - e até fazendo trabalhos como influenciadores.

Fernanda, por exemplo, recebeu R$ 350 para divulgar os filtros da página Visit Salvador da Bahia, projeto digital que apresenta as vivências e experiências de Salvador para os turistas. “Acho que, se eu trabalhasse mais esse lado do meu perfil, conseguiria mais jobs, mas sou muito tímida e isso impede que eu crie mais conteúdos para o público. Mas a troca com os seguidores é maravilhosa”, destaca. (Fotos: Reprodução) Leo também começou a atuar nas três esferas: produzindo efeitos para marcas, divulgando-os e fazendo jobs (trabalhos) como influenciador. “Ainda estou aprendendo a lidar com essa parte, já que eu costumava ser bastante tímido na hora de falar com a câmera, então tenho aprendido a lidar com esse novo público”, revela.

5 passos para você começar a criar filtros

1. Abra o site do Spark AR Studio https://sparkar.facebook.com/ar-studio/, baixe o programa e explore os tutoriais e materiais que o site disponibiliza;

2. Utilize programas ou aplicativos de edição para construir o filtro que você deseja criar. Se você não domina programas como Photoshop/Illustrator, não tem problema: você pode criar com aplicativos como o PicsArt ou até com o PowerPoint;

3. Não tenha medo de explorar: a plataforma permite uma infinidade de possibilidades! Começando com os filtros mais simples você vai aprendendo como o programa funciona e poderá soltar a imaginação nos próximos filtros;

4. Bateu alguma dúvida ou dificuldade? Faça parte dos grupos do Facebook e WhatsApp voltados para esse conteúdo e troque informações com outros criadores. No Youtube também tem muitos tutoriais e vídeos para aprender mais sobre o programa;

5. Tenha paciência e disposição: aprender algo novo é trabalhoso, mas é sempre satisfatório. Aproveite o processo e fique ligado nas novidades do momento. Leve a criatividade para o seu filtro e o retorno será garantido!