Fechado, Palácio Arquiepiscopal será reformado pelo Iphan com R$ 18 milhões

Palácio Arquiepiscopal sofre com descaso. Equipe do CORREIO esteve dentro do prédio, na Praça da Sé, e percebeu que o tempo marca a história, mas o abandono pode apagá-la

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  • Amanda Palma

Publicado em 30 de julho de 2014 às 07:03

- Atualizado há um ano

Corredores escuros, janelas quebradas, infiltrações e teto comprometido. Situação do Palácio Arquiepiscopal contrasta com sua importância histórica. Reforma promete mudanças (Foto: Marina Silva)Um cadeado e uma corrente grossa enferrujada protegem o prédio datado de 1715, na Praça da Sé. O mato e as infiltrações disputam espaço na fachada e as janelas, algumas quebradas, não escondem que já atravessaram séculos. Se, por fora, a deterioração do Palácio Arquiepiscopal de Salvador é evidente, por dentro, ela é assustadora. A equipe do  CORREIO entrou no edifício ontem e, apesar de ter sido recebida por estranhos insetos,  teias de aranha, restos de pombos e cacos de vidro espalhados pelo chão, pôde sentir o peso dos 300 anos do prédio que, apesar de estar sem uso regular há mais de 12 anos,  guarda parte importante da história da Igreja Católica na Bahia e no Brasil.Abandonado depois que a administração da Arquidiocese foi transferida do lugar, em 2002, o edifício, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1938, deve começar a ser reformado em setembro, em uma obra de R$ 18 milhões. LabirintoAvançando pela escuridão dos corredores, mesmo com a degradação, ainda é possível apreciar as belezas da arquitetura do século XVIII. Das janelas de peitoril na parte interna dá para perceber que o prédio é, na verdade, um labirinto. Muitas portas, muitos salões. As entradas largas e grandiosas revelam a importância dos salões que abrigavam os religiosos influentes da Igreja no Brasil e, mais tarde, as pastorais da Arquidiocese. Mato brota na sacada, em meio à fachada descascada. Na porta, brasão de D. Sebastião Monteiro, arcebispo de Salvador entre 1701 e 1722, resiste (Foto: Marina Silva)Da época dos jesuítas, muita coisa ficou, como o banheiro externo, no primeiro pavimento. A estrutura é coberta por azulejos azuis, que remetem à arquitetura portuguesa, e parecem ter sido os únicos que resistiram mais ao tempo.O forro e o piso, ambos de madeira,  estão despedaçados. A sensação é de que algo pode cair a qualquer momento. Um aviso improvisado próximo a uma escada, por exemplo, sugere a inexistentes visitantes que se ande “devagar”.Mas, ao mesmo tempo, outros elementos parecem estar (e torce-se para que estejam) ali para a eternidade, como o imponente mármore português  e os gradis das sacadas, típicos da época colonial.  Algumas lembranças foram apagadas por camadas de tinta,  mas, por ironia, por conta do próprio abandono, começam a se revelar. As infiltrações abriram alguns buracos na camada de tinta e revelaram desenhos antigos, talvez azulejos. ,

O palácio foi  morada dos arcebispos até 1933, quando foi demolida a vizinha Igreja da Sé (que ficava onde hoje está a Praça da Cruz Caída). Os dois edifícios se comunicavam  por meio de passagens, sendo uma delas subterrânea. A igreja foi demolida para dar lugar ao suposto progresso da cidade – como a passagem dos bondes que ali transitavam – e o arcebispo teve a sua residência transferida para o Campo Grande, onde hoje está o edifício Morada dos Cardeais.Em uma das salas, além da degradação, ficaram memórias de uma história mais recente, onde funcionava o Opus Bahia, projeto que realizava trabalhos sociais e do qual  ficaram restos de tintas, cavaletes e teias de aranhas.

DocumentosChamam a atenção números colados em cima de janelas do primeiro e do segundo andar voltadas para a Praça da Cruz Caída. Ao lado, uma lista com músicas religiosas, sob o título Auto de Natal Salvador 2007 - Repertório, dá a pista do que eles podem significar: ali se posicionavam as crianças para a tradicional apresentação natalina, junto com as que ficavam nas sacadas da Santa Casa de Misericórdia. Pendurados nas janelas, ainda estão os crachás de algumas dessas crianças, com seus nomes e comunidades onde moravam.Documento da ‘Tebasa’, de 1964, jaz, devorado pelas traças, no chão (Foto: Marina Silva)Dali, também se pode ter uma vista rara da Baía de Todos os Santos, da Praça da Sé e do monumento da Cruz Caída. É como estar no século XVIII, olhando para o século XXI.Fechando as janelas e olhando para dentro novamente, é preciso tomar cuidado para não tropeçar nas memórias. Como funcionava como arquivo dos documentos da igreja, alguns papéis corroídos estão espalhados no chão. São recibos de várias décadas: 1960, 1970, 1990.  Não se sabe ao certo quando o prédio foi totalmente desocupado, já que as mudanças levaram anos. Primeiro, a parte administrativa foi deslocada. Depois, o acervo, e só alguns projetos seguiram funcionando. Abandonado, virou abrigo de moradores de rua. Agora, a Igreja volta novamente os olhos para o prédio, um de seus primeiros domínios em Salvador e também no Brasil. A ideia é transformar o local no primeiro Centro Histórico da Igreja Católica do Brasil. Isso porque aqui na Bahia - onde os primeiros jesuítas do país se instalaram, em 1502 -  está o mais rico acervo sobre a Igreja  na América Latina. É hora de ressuscitá-lo.

Reforma prevê laboratórios de recuperação de documentos Apesar de ser um espaço grande, com 1.950 m², o Iphan estima que a reforma do Palácio Arquiepiscopal, que começa em setembro, dure 2 anos. Segundo o projeto, no prédio, serão instalados laboratórios de restauração de documentos, junto com um espaço para pesquisas. “Eu penso que o grande valor vai ser o passeio que se vai poder dar pela história da Igreja no Brasil, e falar da história da Igreja é falar da própria história do Brasil”, diz o arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, dom Murilo Krieger. O projeto prevê a restauração completa do prédio, da fundação às esquadrias e gradis. Outros elementos devem ser acrescentados ao cenário, a exemplo do elevador, que deve ser instalado, os banheiros que serão construídos em todos os andares e um ar-condicionado central. A ação do tempo vai dificultar a restauração de algumas coisas, como o piso e o forro de madeira. “O que tem de mais difícil de ser recuperado é a parte de madeira. Eles têm terminais das madeiras nas paredes corroídos por causa da ação da água. Ao se tirar essa estrutura, é preciso fazer um trabalho de escoramento para se colocar no lugar”, explica o diretor do  Instituto de Desenvolvimento Humano, Márcio Campos. Depois da reforma estrutural, os visitantes vão poder acompanhar as atividades dentro do prédio, fazendo um passeio pelos pavimentos e acompanhar tudo pelas paredes de vidro que serão instaladas entre os setores. “Nós queremos que o estudante de história não tenha só livros, mas que ele possa fazer um passeio mesmo, em um trabalho ligado a várias tecnologias para que o estudante se integre”, explica dom Murilo.