Feira de Santana investiga suspeita de nova variante do coronavírus

Gestores da saúde municipal revelam preocupação com o aumento de casos graves

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 28 de janeiro de 2021 às 21:15

- Atualizado há um ano

Em Feira de Santana, a maior incidência de casos graves de infecção pelo novo coronavírus durante o mês de janeiro vem preocupando os gestores da saúde. Foi observado um aumento do número de casos graves entre pacientes com menos de 60 anos e que não têm fatores de risco. Há a suspeita de que esse quadro possa estar sendo causado pela presença de uma nova variante do vírus na cidade. Amostras de dois pacientes infectados estão sendo analisadas. 

Segundo o médico e diretor do Hospital de Campanha de Feira de Santana, Francisco Mota, a hipótese foi levantada devido à gravidade e rapidez da evolução do quadro dos infectados que chegavam ao hospital. “Nós estamos recebendo, agora em janeiro, pacientes com uma gravidade maior do que antes. Isso começou a chamar a atenção. Começaram a chegar na UTI pacientes com comprometimento pulmonar maior do que o que se observava no início da doença. A gente teve um início muito duro, com índice de óbitos, e depois isso foi diminuindo. Entre setembro, outubro e novembro, tivemos o número de óbitos em queda. E, agora, em janeiro, os pacientes começaram a chegar com maior gravidade”, explica Mota.

A prefeitura de Feira de Santana afirma estar atenta à taxa de óbitos de 1,84%. Melissa Falcão, médica infectologista e coordenadora do Comitê de Combate ao Coronavírus da cidade, alerta para o aumento do número de casos mais graves da doença mesmo em pacientes que não apresentam fatores de risco. “Estes pacientes estão sendo internados para coletar material e análise do genótipo viral, pois queremos identificar a existência ou não de uma nova cepa [variante] do vírus que possa justificar os casos”, explicou a médica em entrevista coletiva.

A coordenadora está responsável por comandar a investigação. A partir daí, amostras foram coletadas e enviadas para o Laboratório de Virologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba) para serem analisadas e sequenciadas. Segundo o virologista e coordenador do laboratório, Gúbio Soares, a Secretaria Municipal de Saúde de Feira de Santana encaminhou uma amostra na segunda-feira (25) e a outra no dia seguinte. 

A previsão é de que a análise dure 15 dias e não há ainda especulações sobre o tipo da possível variante. “Não sabemos ainda qual variante pode ser. Estamos na fase inicial dos estudos e isso demanda tempo”, explica o coordenador.  

De acordo com informações obtidas pela TV Bahia, os dois materiais seriam de pacientes do Hospital de Campanha de Feira de Santana. Eles teriam dado entrada no local no sexto dia de contaminação com os pulmões já comprometidos. Os pacientes, com idades entre 35 e 40 anos, já teriam recebido alta. 

O CORREIO tentou entrar em contato com a médica infectologista Melissa Falcão e com a Secretaria de Saúde  Municipal de Feira de Santana, mas não obteve retorno. Procurada pela reportagem, a Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) informou que até o momento não foi notificada pela Vigilância Municipal e que não há amostras suspeitas no Laboratório Central de Saúde Pública da Bahia (Lacen). 

Cenário epidemiológico de Feira de Santana O município já soma 26.036 casos de infecção por coronavírus e tem atualmente 209 casos ativos, representando um crescimento de 1,32% nos últimos cinco dias. Ao todo, 441 pessoas infectadas vieram a óbito, o que coloca a cidade em segundo lugar entre os municípios baianos com mais mortes de residentes. A taxa de ocupação geral de leitos de UTI adulto nos três hospitais que atendem pacientes com covid-19 é de 76%. Os dados foram divulgados ontem pela Sesab.

Feira de Santana recebeu 16.999 doses das vacinas, sendo 8 mil do imunizante de Oxford e 8.999 da CoronaVac. Até esta quinta-feira (28), 7.318 pessoas já receberam a primeira dose. Segundo o secretário de saúde do município, Edval Gomes, nesta primeira fase, estão inclusos profissionais de saúde que atendem em unidades exclusivas para covid-19, profissionais de urgências e emergências e idosos institucionalizados. A segunda etapa desta primeira fase será para todos os profissionais de saúde que atuam na rede de atenção primária e na rede hospitalar, além de pessoas acamadas. 

Devido ao cenário atual, o prefeito descartou a realização da tradicional Micareta de Feira em abril e qualquer discussão sobre o assunto, enquanto não for possível reduzir o número de mortes e a cidade estiver com mais de 50% da população vacinada.

Novas variantes O coronavírus atual não é o mesmo daquele que surgiu no Brasil em março de 2020. Agora ele ganhou novas formas, maior poder de contágio e, em estudos preliminares, é ainda mais letal. A grande preocupação é se isso vai afetar a eficácia das vacinas que já estão sendo produzidas, distribuídas e aplicadas. 

Desde dezembro do ano passado, cientistas do mundo todo detectaram novas variantes do vírus, além de novos casos de reinfecções pelo mundo. Em Londres, a variante batizada de B.1.1.7 foi declarada como responsável pela segunda onda no Reino Unido. Essa variante já foi observada em ao menos 60 países. Além dessa, uma outra foi encontrada na África do Sul e detectada em 23 nações. Outra variação encontrada em Manaus (P.1), foi identificada no Brasil e no Japão.

No dia 8 de janeiro deste ano, a Bahia registrou o primeiro caso de reinfecção por uma mesma variante, semelhante a encontrada na África do Sul, mais contagiosa. Trata-se de uma paciente de Salvador. Outros casos estão sendo analisados.

Para o virologista e coordenador do Laboratório de Virologia da Ufba, Gúbio Soares, ainda não é possível saber se as vacinas serão suficientes para conter o vírus e suas variantes. “A preocupação não é só se teremos uma excelente resposta, mas quanto tempo vai durar o efeito (justamente por conta das variantes). Se durar seis meses, todos terão que se vacinar novamente, o que vai gerar altos custos”. 

A boa notícia é que, por enquanto, nenhuma variante se mostrou tão perigosa a ponto de prejudicar as vacinas produzidas.  

Infecção por duas variantes Cientistas do do Laboratório de Bioinformática do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), em Petrópolis (RJ), e do Laboratório de Microbiologia Molecular da Universidade Feevale, em Novo Hamburgo (RS), descobriram que dois jovens adultos do Rio Grande do Sul se tornaram os primeiros casos de pessoas infectadas simultaneamente por duas variantes diferentes do coronavírus.

Uma das linhagens do Sars-CoV-2 presentes nos dois casos é a P2, originada no Rio de Janeiro. Ela possui a temida mutação E484K, que dá ao vírus a capacidade de escapar do ataque de anticorpos, o que levanta a possibilidade de redução da eficácia das vacinas. De acordo com os cientistas, a descoberta evidencia a grande circulação do vírus da covid-19 e aumenta a urgência de vacinar o maior número de pessoas possível no menor tempo possível. 

"A co-infecção mostra que há a possibilidade de recombinação de genomas do vírus. Esse mecanismo está na base da geração de novos coronavírus na natureza. Possivelmente, foi assim que o Sars-CoV-2 passou de morcegos para o ser humano. Esses casos do Sul mostram que a evolução do Sars-CoV-2 pode estar acelerando e são mais um sinal de alerta", disse o virologista Fernando Spilki, coordenador do estudo, ao jornal O Globo.

*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo.

**Colaborou Moysés Suzart.