Feminista, Camille Paglia se diz 'contra o protecionismo especial para as mulheres'

Intelectual americana é convidada do Fronteiras Braskem do Pensamento, que acontece no dia 15 de agosto, no Teatro Castro Alves

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  • Roberto Midlej

Publicado em 2 de agosto de 2017 às 09:20

- Atualizado há um ano

A intelectual americana Camille Paglia, 70 anos, estará em Salvador, no dia 15 de agosto, para participar do Fronteiras Braskem do Pensamento, no Teatro Castro Alves. O evento já recebeu o escritor moçambicano Mia Couto, em julho. Em setembro é a vez de Graça Machel, conterrânea de Mia, chegar a Salvador.No início dos anos 1990, Camille despontou como escritora com o livro Personas Sexuais, em que resgatava a influência dos papéis sexuais e do sexo na história da arte e da literatura. Embora declaradamente feminista, já sofreu muitas críticas de suas colegas ativistas, por, às vezes, fazer ressalvas ao feminismo.Em conversa com o CORREIO por e-mail, a escritora, afiliada ao Partido Democrata, comenta os primeiros meses de governo Trump e critica parte da imprensa: “Detesto essa mobilização histérica dos jornalistas contra Trump. Principalmente dos jornalistas que vêm dos guetos de elite de Nova York, Washington e Los Angeles”."Sou a favor da igualdade: peço o fim das barreiras ao avanço da mulher. No entanto, sou contra o protecionismo especial para as mulheres" (Foto: Divulgação)Camille Paglia nasceu em Endicott, no estado de Nova York, em 2 de abril de 1947. Ela é professora da The University of the Arts, na Filadélfia, desde 1984. Embora feminista, é conhecida também por fazer duras críticas ao feminismo. Liberal, define-se a favor da liberação de drogas, aborto, prostituição e pornografia. Tornou-se muito conhecida após publicar, no início dos anos 90, um artigo em que apontava Madonna como o futuro do feminismo.Um jornal brasileiro chamou-a de antifeminista. Concorda com isso?Esta é uma maneira ridícula de descrever um debate tão importante. Por acaso, Martinho Lutero e seus companheiros, que eram a favor de uma reforma, poderiam ser considerados ‘anticristãos’ só porque protestavam contra os abusos morais e institucionais do papa e contra a burocracia corrupta do Vaticano? Eu represento uma ala do feminismo que é contra essa estrutura autoritária vigente desde o início da segunda geração feminista e sou a favor da igualdade: ou seja, peço o fim das barreiras ao avanço da mulher nos âmbitos profissional e político. No entanto, sou contra protecionismo especial ou cotas para as mulheres, que considero ‘infatilizantes’. Sou de uma ala feminista que defende, por exemplo, imagens sexualizadas na cultura e arte, incluindo a pornografia, e apoiamos a pornografia e as prostitutas - exceto pelas crianças, claro, que precisam ser protegidas pela sociedade. Nós apoiamos categoricamente o discurso livre e nos opomos a qualquer tentativa de censurar a linguagem, não importando o quão ofensiva ela é. No meu novo livro, Free Women, Free Men, está reproduzida a carta-protesto que escrevi ao editor da revista Newsweek, em 1963, quando eu tinha 16 anos. Eu havia acabado de ler o manifesto feminista de Simone de Beauvoir, The Second Sex, publicado em 1949. Na minha carta, louvava Amelia Earhart e pedia oportunidades iguais às mulheres americanas. Mas me chamar de ‘antifeminista’ é absurdo. É uma mentira que tem origem em dogmas rígidos feministas, aprisionados a uma correção política stalinista.O feminismo já passou por duas fases. Pode-se dizer que está na terceira fase?  A história do feminismo começou com a primeira onda, em Nova York, em 1848. A meta ali era que as mulheres conquistassem o direito ao voto. Aquelas líderes feministas, brancas de classe média, haviam participado do movimento abolicionista. Elas reivindicaram também que a mulher casada passasse a ter o direito de propriedade, o que até ali era privilégio dos homens. Mais tarde, ainda no século XIX, lutaram pela proibição da venda de bebidas alcoólicas, porque seus maridos trabalhadores desperdiçavam o salário em bebida e por isso abusavam das mulheres e dos filhos. Tiveram sucesso e conseguiram proibir a venda de álcool em espaço público por 14 anos. Essa primeira onda durou 70 anos e o feminismo praticamete desapareceu nos anos 1920 e voltou em 1966, quando Betty Friedan cofundou a National Organization for Women (NOW). Agora, 50 anos depois, ainda estamos nessa fase, que continua dividida entre argumentos sobre sexualidade e sobre classe social. Nos anos 1990, a escritora Rebecca Walker se referia a ela e a algumas colegas como representantes da terceira onda, mas logo o termo sumiu. Essas novas vozes feministas dos anos 90 foram muito escutadas, mas logo declinaram. Desde os anos 90, não houve livros relevantes publicados por feministas, embora haja colunistas e blogueiras feministas. Mas nenhuma ideia sobre o feminismo ganhou o interesse do público geral.A senhora já se declarou ateia, mas prega o respeito às religiões. Acha que falta respeito aos religiosos hoje?  Como muitos de minha geração, dos anos 1960, me rebelei contra a religião organizada, que havia se tornado autoritária nos Estados Unidos. Como Madonna, fui muito influenciada pelo catolicismo italiano, que é repleto de arte e emoção. O que eu argumento é que o catolicismo italiano é na verdade semipagão e o culto a Maria e aos santos é uma forma de sobrevivência do politeísmo antigo. Por isso, meu entusiasmo ao descobrir o mesmo sincretismo religioso em Salvador, que visitei pela primeira vez há dez anos. Tenho em casa uma pequena estátua de Xangô, que comprei em Salvador. Ela está ao lado dos  meus santos favoritos: São Miguel Arcanjo, São Tomás de Aquino e Santa Teresa de Ávila. As democracias modernas devem se manter completamente laicas e a religião não pode intereferir nas decisões políticas. A academia científica não costuma levar a sério a franquia Star Wars, mas há artigos seus publicados sobre os filmes da saga. Por que escreveu sobre esses filmes tão populares?Eu nunca havia levado Star Wars a sério durante a primeira trilogia, dos anos 1970 e 80. Achava que era apenas entretenimento para crianças. No entanto, quando os três filmes seguintes estrearam, entre 1999 e 2005, usando novas formas de tecnologia digital, eles ‘me pegaram’. Além do virtuosismo técnico dessa segunda trilogia, há uma profundidade emocional no roteiro e na música que refletem a maturidade de George Lucas como homem e como pensador. E o clímax desse tom operístico ocorre naquele magnífico planeta-vulcão (Mustafar), em A Vingança dos Sith (2005). A sequência ali é impressionante, com uma ‘dança de sabres’  num rio de lavas, em meio a um incrível festival de emoção de amor e ódio. No meu livro Imagens Cintilantes - Uma Viagem Através da Arte, sobre a história da arte, dedico o último capítulo ao filme A Vingança dos Sith.(Foto: AFP)A senhora é afiliada ao Partido Democrata. Como avalia o início de governo de Donald Trump? Primeiro, quero deixar claro que, embora seja Democrata registrada, votei no liberal progressista Bernie Sanders nas primárias do último ano e votei em Jill Stein, do Partivo Verde, nas eleições gerais. Mas detesto essa mobilização histérica dos jornalistas contra Trump. Principalmente, dos jornalistas que vêm dos guetos de elite de Nova York, Washington e Los Angeles. Está claro que milhões de americanos  “comuns”, ao votarem em Trump, se rebelaram contra um sistema político corrupto e inflexível. A eleição dele representa a destruição de uma estrutura parasita de poder, tanto do Partido Democrata, como do Republicano. Hillary Clinton (adversária de Trump) era uma candidata terrível, uma militarista incompetente que fazia apologia às grandes corporações. Ela não conquistou nada em sua longa carreira política, com exceção de desestabilizar o Norte da África.A senhora é professora universitária. Tem notado desinteresse dos jovens pela leitura?Como professora universitária por 46 anos, eu tenho testemunhado um trágico declínio na leitura por diversas razões. Primeiro, antes mesmo da internet, nos anos 1990, com a chegada do computador pessoal, houve uma explosão da indústria do entretenimento, com muitas coisas competindo pela atenção dos jovens. A geração ‘baby boom’, da qual faço parte, foi marcada pelo rádio transistorizado e pela explosão do rock. E a televisão se espalhou rápido pelos lares nos anos 1950. E a música pop tomou conta do mundo, com Bob Dylan, Beatles, Rolling Stones... Nos anos 1980, vieram a TV a cabo e o videocassete, que permitiam ver filmes em casa. Por isso, os jovens, por mais de 50 anos, têm lido cada vez menos, porque eles têm outras formas de preencher o tempo. Hoje, não é a internet em si que é uma ameaça à leitura de livros: são as redes sociais! Jovens são consumidos pelo Facebook, Twitter e Instagram. São formas de comunicação curtas, repletas de emoção e facilmente absorvidas, além de, obviamente, viciantes. Como professora, eu obrigo meus alunos a ficarem distantes do telefone quando as aulas começam. Há um outro problema: a concorrência com a Amazon está provocando a falência de muitas livrarias nos EUA. Na Filadélfia, mal encontro uma loja hoje em dia. Então, a era do livro impresso deve estar acabando. É triste e é um perigoso progresso, porque livros nos ensinam como pensar.

No vídeo abaixo, Camille Paglia discute uma questão que, segundo ela, foi deixada de lado pelas feministas contemporâneas: o desejo das mulheres de terem filhos. Paglia analisa o preconceito que estas mulheres sofrem e as dificuldades que encontram quando tentam conciliar a vida profissional e familiar. A professora foi conferencista do Fronteiras Braskem do Pensamento em 2007 e 2015.

Bruna Lombardi fará a mediação de palestraNessa edição, o Fronteiras Braskem tem como tema geral  Civilização - A Sociedade e Seus Valores, com  conferências que devem  provocar o debate sobre o que nos une como civilização.  A responsável pela mediação do bate-papo com Camille é a atriz e escritora Bruna Lombardi.Bruna lançará em Salvador os livros Clímax e Poesia Reunida (Foto: Divulgação)Ela  aproveita sua  vinda a Salvador para lançar, no dia 16, na Livraria Cultura, no Salvador Shopping, seus livros mais recentes: Clímax (Sextante/R$ 35/256 páginas), que tem mais de 150 poemas inéditos, e Poesia Reunida (Sextante/R$ 50/ 384 págs.), antologia que reúne os livros No Ritmo Dessa Festa (1976), Gaia (1980) e O Perigo do Dragão (1984).

Os textos inéditos mostram a visão da autora sobre o amor, a relação com Deus e o Universo, a paixão, o prazer e as aflições cotidianas. Sintonizada com temas atuais, Bruna também fala de empoderamento, sexualidade feminina e política.