Festa no mar: Prefeitura prepara o Forte de São Marcelo para o Festival Virada Salvador

A edição 2021 do evento acontece das 22h do dia 31 de dezembro até as 2h do dia 1º de janeiro

Publicado em 28 de novembro de 2020 às 16:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

Isolado na Baía de Todos-os-Santos, o Forte de São Marcelo retoma seu papel de protetor ao receber o Festival Virada Salvador 2021. Se antes a fortaleza protegia a capital contra invasores, atualmente, o trabalho é evitar novos contágios pelo coronavírus. Do meio do mar, será transmitida a festa de Réveillon que tem como meta coibir aglomerações enquanto mantém os olhos do Brasil e do mundo ligados em Salvador nos shows de ano novo que acontecem das 22h do dia 31 de dezembro até as 2h do dia 1º de janeiro. 

O esforço da prefeitura de Salvador foi para criar um modelo de evento capaz de trazer segurança e proteção para as pessoas em meio à pandemia, afirmou o prefeito ACM Neto, em coletiva na manhã dessa sexta-feira (27).

O gestor municipal explicou como será feito o pagamento dos cachês dos artistas - Ivete Sangalo e Gusttavo Lima se apresentarão na virada. “Todo cachê é pago pelos patrocinadores. 100% desse dinheiro é pago pelo patrocinadores. Quanto custa a transmissão nacional que a Globo, Bandeirantes e Multishow vão fazer a partir de Salvador? O valor para a cidade. Eu queria esclarecer isso, que todos os cachês são pagos pela iniciativa privada”, pontuou.

Promover uma grande festa de Réveillon tão importante para a retomada do turismo da capital e durante uma pandemia é um desafio duplo, afirma o presidente da Empresa Salvador de Turismo (Saltur), Isaac Edington, caracterizando o esforço para produzir a edição 2021 do evento.

“Duas coisas tornam esse evento único e complexo. Nunca tínhamos lidado com a pandemia e a festa é algo de grande magnitude e importância estratégica. Isso vai ficar marcado para todos nós que trabalhamos e vai ser mais uma vitória para Salvador. Não será só uma live, mas a transmissão do maior evento musical do Brasil no meio da pandemia”, afirma Edington.

O Forte de São Marcelo é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1938, o que aumenta a lista de regras que a prefeitura deve seguir durante a realização do evento. Todas as etapas de montagem dos equipamentos serão acompanhadas pela autarquia federal.

Edington conta que a diretriz mais importante é não danificar o patrimônio. “Ao final do evento, ele será retornado na condição original, vamos ter um cuidado na montagem e desmontagem para contribuir na manutenção do forte”, afirma o presidente da Saltur.

O projeto de montagem elaborado pela prefeitura atende as recomendações do Iphan quanto ao porte dos equipamentos, impacto visual reduzido e valorização da imagem do bem, informa o instituto.“Para a realização de quaisquer eventos ou intervenções na fortificação, deve-se preservar as características do bem tombado, não sendo possível a realização de intervenções físicas que causem danos em sua estrutura”, ressalta o superintendente do Iphan na Bahia, Bruno Tavares.Os equipamentos foram adaptados para caber no forte, explica o presidente da Saltur. O palco, por exemplo, será menor do que o da edição de 2020 do evento, que ocorreu na Arena Daniela Mercury, na Boca do Rio. Para a festa que acontece no próximo mês, o palco é se 18m x 11m, já no último Réveillon a estrutura tinha 20m x 12m. 

O presidente da Saltur ressalta que os palcos têm propósitos diferentes, enquanto um será usado para gravação e outro era voltado para shows ao vivo. Por isso, a redução de tamanho não prejudica a beleza da festa.

A edificação foi liberada após o Iphan entender que não existem riscos ao forte em decorrência da realização do evento com base na análise do pedido e apresentação da proposta. No dia da virada, apenas a equipe do evento terá acesso ao local e a festa será transmitida na TV aberta pela Globo e Bandeirantes, e pelo canal por assinatura Multishow que vai acompanhar a folia ao vivo. Os perfis oficiais da Prefeitura de Salvador no YouTube e no Instagram também farão a transmissão.

Som Se na música Ivete Sangalo canta que “abalou, sacudiu, balançou”, podem ficar tranquilos que o show dela na noite da virada não vai abalar as estruturas do Forte de São Marcelo. O som das apresentações vai ser gerado para a transmissão, não projetado para um público - afinal, o evento não vai ter plateia. Além disso, as músicas não poderão ser ouvidas fora do forte. 

“O foco é que o sinais sejam transmitidos por meios eletrônicos, então a preocupação é com o retorno e qualidade do som produzido. Não vamos ter torres de delay, que fazem o som do show chegar longe. O som emitido não entra na conta desses decibéis para analisar impacto na estrutura porque vai ser baixo. O esforço é para o som de geração de estúdio”, explica o presidente da Saltur.

Os shows serão totalmente voltados para o público que assiste a transmissão. Edington explica ninguém será convidado para acompanhar a festa de dentro do forte. As embarcações também não poderão se aproximar do local durante o festival. “Mesmo se uma embarcação conseguisse chegar perto do forte, quem estivesse no barco não conseguiria ver ou ouvir a apresentação”, pontua.

Além da baixa altura do som no local, o superintendente do Iphan na Bahia relembra que o imóvel é robusto por ser uma fortificação que servia à defesa da cidade de Salvador.

A queima de fogos da edição deste ano do Festival Virada Salvador sofreu algumas alterações. Na grande noite, haverá um show pirotécnico no quebra mar do Comércio e em outros pontos da cidade. Os locais não foram divulgados para evitar aglomerações, mas o prefeito ACM Neto adiantou que esses eventos não serão realizados na Orla. A intenção é que todos os soteropolitanos possam ver os fogos de suas casas. 

Segundo o superintendente do Iphan na Bahia, os fogos não geram riscos à fortificação devido à distância entre as estruturas. Quando a festa da virada ocorreu na Praça Cairu, o quebra mar já foi utilizado para a queima de fogos, relembra o presidente da Saltur. 

Essa não é a primeira vez que o Forte de São Marcelo recebe eventos. Em 21 de setembro, a cantora Anitta gravou uma performance do hit "Me Gusta" no local junto com equipe de bailarinas e de mulheres percussionistas da Banda Didá. A apresentação foi exibida na premiação brasileira MTV Miaw 2020. Nos idos anos de 2009, o espaço recebeu as gravações do DVD da banda Cheiro de Amor.

“Quando estava aberto, o forte já abrigou diversos eventos em seu interior, sempre observado os limites de quantidade de pessoas, potência sonora e limitações quanto a intervenções físicas em suas estruturas. A realização do Festival possibilita a ampla divulgação do Patrimônio Cultural de Salvador e de sua beleza, valorizando os bens protegidos pelo Iphan na região. Soma-se a isso o fato de que apenas a equipe mínima necessária à realização das filmagens e transmissão, além dos artistas e seu staff, estarão presentes no local”, responde Tavares sobre a liberação para a realização do festival no local.

O trabalho para preparar o forte para a festa começou em segredo antes do anúncio da escolha do local para receber o festival por parte do Prefeito, na segunda-feira (23). Segundo Edington, a prefeitura já vem fazendo vistorias e medições no espaço. Uma limpeza do local também foi realizada.

A produção do evento vai começar a transportar os materiais para a montagem das estruturas do festival na primeira semana de dezembro. Ao final da festa, as edificações devem ser retiradas até 4 de janeiro. Todo esse trabalho será realizado de barco.

Edington destrincha o itinerário de trabalho: "na primeira semana, vamos fazer o transporte do material mais pesado, das estruturas maiores, como as do palco. Depois, vamos levar equipamentos menores e instalar a parte de energia, cabeamento, infraestrutura de camarim. Por fim, na terceira semana, é o transporte mais fino. Intercalado a isso, nós vamos ter outro lote de materiais mais pesados”.

Para garantir toda a energia para a operação de realizar a transmissão do réveillon, pelo menos 8 grupos de geradores vão ficar flutuando em uma balsa no mar para prover a eletricidade necessária. Os geradores devem ser levados para o local cinco dias antes do evento. Ainda não se sabe quanta energia deve ser usada.

O trabalho é pesado, reitera Edington. Vão ser quase 30 dias de atividade trabalhando das 10h às 18h no transporte do equipamentos. A três dias da festa, a atuação deve ser 24h. Pelo menos, a estrutura do forte ajuda a tarefa. As estruturas das TV, os camarins, as salas de produção vão aproveitar os espaços internos da edificação. “O forte tem câmaras e elas serão adaptadas para os camarins”, explica o presidente da Saltur.

No dia da festa, cerca de 200 pessoas estarão de forma simultânea no Forte de São Marcelo trabalhando para levar os shows de Ivete Sangalo e Gusttavo Lima para as telinhas. Antes da data, o presidente da Saltur, estima que 500 trabalhadores estejam envolvidos, de forma direta ou indireta, no trabalho de montagem do festival.

“Trabalhamos com distanciamento. As pessoas que vão atuar na produção e montagem são testadas, os artistas também. Estamos montando um protocolo com a secretaria de saúde. Todos os barcos de transporte serão sanitizados, por exemplo”, pontua o presidente da Saltur.

Apesar da complexidade, a festa será mais barata do que edições anteriores, garante Edington. O valor total desta edição ainda não foi fechado. “Apesar do evento ter grande magnitude, ele será de menor custo que as outras viradas. Inclusive, uma diretriz da Prefeitura é o controle de custo”, afirma o presidente da Saltur.

O Festival Virada Salvador trocou a Arena Daniela Mercury, na Boca do Rio, pelo Forte de São Marcelo por dois motivos: a maior dificuldade de acesso e a necessidade de vender Salvador como destino turístico no pós-pandemia. 

Para inspirar os turistas que estiverem conectados na transmissão a vir para Salvador, o palco vai usar pontos turísticos da capital como plano de fundo. A estrutura será montada de frente para a Baía de Todos-os-Santos e será vazada para permitir que as câmeras mostrem monumentos da região, como o Elevador Lacerda, os Arcos da Contorno, o Mercado Modelo, e a muralha do frontispício. Segundo a Saltur, o palco será do tipo GeoSpace, com cenografia interna com lâminas de LED e iluminação especial. 

“Com esse local, a gente cumpre o objetivo estratégico de promoção do turismo ao mostrar a região da cidade com muitos patrimônios históricos. Isso cria uma oportunidade, no momento da virada, que estimula as pessoas a visitarem Salvador. É importante desenvolver esse trabalho na retomada da economia do turismo”, diz o presidente da Saltur. 

O acesso dificultado também pesou na escolha do local para desestimular aglomerações. Na arena, seria mais difícil manter o controle. Quem for passar a virada em um barco na Baía de Todos-os-Santos poderá acompanhar a queima de fogos de longe, mas os shows serão exclusivos para as transmissões. Não será permitido se aproximar do forte durante o evento.

Mesmo com as precauções, a prefeitura vai montar uma operação especial na Praça Cairu, Praça Municipal, Ladeira da Montanha e na região da Avenida Contorno para coibir aglomerações na noite da virada.

O umbigo da Bahia O formato circular faz o Forte de São Marcelo ser único no Brasil e lhe rendeu o apelido umbigo da Bahia dado pelo escritor Jorge Amado. Posicionada a aproximadamente 300 metros da costa, a fortificação foi construída nos primeiros anos do século 17 e segue o estilo renascentista.

A necessidade de proteger Salvador, a então capital da América Portuguesa, tem ligação com o período de invasão holandesa na cidade, conta o historiador Rafael Dantas. “No forte, temos uma 360º da Baía de Todos-os-Santos, o que era muito importante no passado. A construção tem uma ligação, especialmente, com a grande invasão holandesa em 1624”, afirma. Imagem do forte na Recopilação de Notícias Soteropolitanas e Brasílicas e Cartas de Vilhena, de 1801, do acervo da Biblioteca Nacional (Foto: Reprodução) A edificação ocupa uma ilhota na Baía de Todos-os-Santos. Além do papel defensivo, o forte demonstra a importância da baía e de Salvador no âmbito portuário e mercantil no hemisfério sul até o século 19, pontua Dantas.

“Algo que chama atenção é um acontecimento do século 20. Em 1912, devido às tensões políticas entre os grupos ligados a JJ Seabra e Ruy Barbosa, o então presidente Hermes da Fonseca autorizou o bombardeio voltado para Salvador, que acabou atingindo o então Palácio do Governo, atual Palácio Rio Branco, que pegou fogo, e o teatro São João”, informa o historiador.

O local serviu como prisão política e aprisionou o líder farroupilha Bento Gonçalves, que escapou com vida após sofrer uma tentativa de envenenamento. Um farolete presente no forte ajudava os barcos a navegarem nas proximidades do porto. Mas o farol foi retirado.

Dantas ressalta que o Forte de São Marcelo é um ícone de Salvador e da Baía de Todos-os-Santos há muitos anos. Diversas fotos e gravuras mostram a edificação, que também serviu de base para fotografar panoramas da Cidade Baixa e Alta. A fortaleza retratada na primeira metade do século XIX pelo pintor francês Frédéric Salathé (Foto: Reprodução) “No século 20, o forte continuou como um referencial da cidade, mas não só pelo seu contato com a parte baixa, a então rampa do Mercado Modelo, o próprio mercado modelo, a alfândega. Mas como ícone marítimo. Jorge Amado falava que era o umbigo da Bahia, isso foi um nome que marcou por muito tempo, não só a construção, como seu elo com a Bahia. entre outros tantos artistas que pintaram, utilizando o forte como cartão postal de Salvador”, ressalta o historiador.

A fortaleza está fechada desde 2011. O desejo é transformar o local em um oceanário/aquário municipal, que ainda vai possuir um museu, um restaurante e um cerimonial. Segundo o Iphan, o processo de cessão da fortificação para a prefeitura de Salvador está em estágio avançado, devendo ser concretizado nos próximos meses.

De acordo com o subsecretário da Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur), Fábio Rosa afirmou que o projeto está pronto, mas ainda é preciso fechar a cessão do espaço com a União. Líder do projeto, ele ainda garantiu que o projeto é feito com segurança e preserva a estrutura do forte. 

Também conhecido como Forte Nossa Senhora do Pópulo e Forte do Mar, a edificação foi tombada em 1938, estando sob responsabilidade do Iphan. O forte é patrimônio histórico e cultural brasileiro, símbolo de Salvador e da Bahia, além de integrar o Conjunto de 19 Fortificações do Brasil candidatas a Patrimônio Mundial da Unesco.

*Com orientação da subeditora Fernanda Varela.