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Georgina Maynart
Publicado em 18 de julho de 2018 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
A calda derretida escorre em cascata diante dos olhos do visitante. Enche a retina com um brilho de prazer, inunda o paladar de sabor, e aquece o coração. Por mais que tentemos, fica difícil explicar o efeito do chocolate nas pessoas. É uma tarefa em vão compreender duas façanhas deste alimento: a atração que exerce sobre as pessoas que tentam resistir ao açúcar, e a proeza de oferecer aconchego nos momentos de ansiedade. Os mais convictos seguidores das rigorosas dietas, muitas vezes, se rendem diante dele. A verdade pode estar com os povos pré-colombianos maia e azteca, que há milhares de anos já produziam a iguaria, derivada da amêndoa fermentada e torrada de cacau. Para eles, o chocolate era um alimento considerado nobre, reservado apenas para reis e guerreiros. Servia também de moeda de troca e era utilizado como um poderoso afrodisíaco.>
É em busca deste sabor especial e inigualável que muita gente vai visitar a partir de hoje o 10º Festival Internacional do Chocolate e Cacau, no Centro de Convenções de Ilhéus, no Sul da Bahia. Durante cinco dias, o evento vai reunir especialistas, empresários, produtores rurais, aficionados, curiosos, ou, simplesmente, gente que gosta e aprecia um bom chocolate. Aqui e agora, o cacau significa muito mais que um alimento. É um dos mais valiosos produtos agrícolas de exportação. Commodity para uma indústria em expansão, consolidada em concorridos centros comerciais do mundo e renda para pequenos, médios e grandes produtores rurais. Mais de 90% do cacau produzido no Brasil é exportado. O país é o 5º maior produtor do planeta (Foto: Georgina Maynart) O cacau impulsiona até mesmo a industria do turismo, via livros de Jorge Amado e outros escritores que ambientaram suas narrativas em plantações baianas, divulgando os encantos da Bahia para todo o mundo, ultrapassando as Terras do Sem Fim. >
Mais de 90% do cacau brasileiro é exportado. Uma produção gigantesca que faz do Brasil o 5° maior produtor do fruto do planeta, depois da Costa do Marfim, Gana, Nigéria e Camarões. Além de produzir cacau, a Bahia é responsável pelo beneficiamento e processamento de 95% das amêndoas produzidas no Brasil. As principais indústrias estão sediadas em Ilhéus.>
Por isso, o Chocolat Festival promete ser também um espaço para debater os principais problemas da cadeia produtiva do cacau e as tendências de mercado para o chocolate. Segundo os organizadores, o festival vai reunir cerca de 120 expositores, mais de 70 marcas de chocolate e derivados do cacau. Ao longo dos cinco dias, serão realizados debates, rodadas de negócios, cursos de capacitação, cursos de gastronomia e palestras com especialistas brasileiros e estrangeiros. A organização do evento espera superar a marca de visitantes da última edição, quando 60 mil pessoas visitaram a feira.>
“Este ano, a expectativa é de um incremento de visitantes para 70 mil pessoas. Quanto a estimativa de movimentação econômica, este é um festival com características de negócios de varejo, de médio e longo prazo. Acreditamos que seja possível movimentar ao longo dos cinco dias, entre 15 e 20 milhões de reais”, afirma Marcos Lessa, idealizador e coordenador do evento.>
Debates>
Até domingo vão ser realizadas ainda, simultaneamente, a Feira do Chocolate e o IV Fórum Brasileiro do Cacau. As discussões passam pelo futuro do cacau no Brasil, os entraves na comercialização e beneficiamento, e a intensificação do combate as pragas e doenças. >
O ano de 2018 marca os 30 anos da chegada da vassoura de bruxa na região, mas a praga ainda é um fantasma vivíssimo que assombra o produtor. Não raras exceções, a produtividade de cacau na Bahia caiu vertiginosamente nas últimas décadas. De 45 arrobas por hectare, para uma média de 20 a 25 arrobas por hectare.>
Além disso, como mostrado no CORREIO do dia 25 de junho, outra doença, a monilíase, está cada vez mais perto. O fungo monília arruinou plantações nos países onde chegou e está a 51 quilômetros da fronteira do Brasil com a Bolívia.>
Diante de ameaças tão próximas, intensificar a proteção da cadeia produtiva se faz urgente. Assim como aumentar as pesquisas e inovações tecnológicas para fortalecer a produção agrícola. Mais recursos para a defesa agropecuária tem sido um apelo coletivo. Experiências bem sucedidas, tendências e novidades estão também entre os assuntos a serem debatidos no Festival (Foto: Georgina Maynart) As novas tendências também estarão em foco durante o Chocolat Festival, assim como as experiências bem-sucedidas de produtores de cacau campeões no mercado. Muitos passaram a investir em novos nichos de mercado, como o Chocolate Gourmet e produtos alternativos, como as Nibs de cacau, que são, basicamente, sementes de cacau fermentadas, secas, torradas e trituradas. Geralmente são consumidas cruas e in natura.>
Impasse>
Entre os temas que serão discutidos no festival estão as estratégias para aumentar a produção de cacau, conservando e preservando a floresta. A situação é de impasse. É que de acordo com alguns produtores, o sistema de cacau cabruca, antes beneficiado pela sombra das árvores mais altas, agora tem seu futuro ameaçado pela ausência de luz. O excesso de sombra, provocado pela mata extremamente fechada, não estaria permitindo a entrada mínima de sol e a consequente fotossíntese, essencial para a sobrevivência dos frutos. Sem luminosidade a planta não completa o ciclo natural e não produz.>
Com uma lei ambiental que proíbe a retirada de qualquer essência das árvores da Mata Atlântica, para preservar o bioma, um embate foi erguido entre cacauicultores e ambientalistas. Os representantes do setor produtivo tentam encontrar uma solução diplomática. Mas não há unanimidade nas soluções.>
“A Cabruca é um sistema agroflorestal, ele foi plantado sobre árvores da Mata Atlântica, mas não é mata, é um sistema agroflorestal, agrosilvopastoril de produção. Então é preciso que tenha um decreto estadual que permita este manejo”, defende Guilherme Moura, Vice-Presidente da Federação de Agricultura e Pecuária da Bahia e Presidente da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Cacau. “É preciso extrair as árvores que precisam ser extraídas, para que o cacau receba luz. Para cada árvore extraída, o cacauicultor plantaria outras três, em outro lugar. Então não existe nenhum prejuízo ambiental”, completa. >
Atualmente, 70% da produção da Bahia de cacau é feita no sistema cabruca, considerado um dos manejos mais conservacionistas do mundo. >
“O manejo já existe, mas precisa ser aprimorado e se tornar viável do ponto de vista econômico e sustentável. Porque com a perda da rentabilidade da lavoura, o que a gente tem visto são áreas transformadas em pasto. Aí sim você tem um prejuízo ambiental”, acrescenta Moura.>
Já o Presidente do Sindicato Rural de Itabuna, Wallace Setenta, argumenta ser crucial a implantação de uma ação conjunta de valorização social do produtor rural. >
“Nós temos que recuperar a cacauicultura sob o ponto de vista social, ambiental e econômico. Não podemos dissociar estas questões. Os produtivistas acham que a sombra é uma limitação. Nós achamos que é uma vantagem. Temos que praticar uma agricultura de ciclo longo, onde se reúnam todas as variáveis de sustentabilidade. Nós defendemos uma conservação produtiva”, diz.>
Selo A 10ª edição do festival acontece no ano em que as amêndoas de cacau do sul da Bahia tiveram o Registro de Indicação Geográfica (IG) reconhecido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).>
O IG foi conquistado depois de um longo processo que durou quase 10 anos. É o chamado Selo de Origem, que torna o produto único no mundo, valoriza a produção regional, agrega valor e reconhece a qualidade dos derivados.>
O selo abre novas perspectivas de mercado, mas também aumenta os desafios dos produtores rurais de 83 municípios baianos, espalhados por 6 territórios regionais de identidade entre o Baixo Sul e o Extremo Sul da Bahia.>
Atualmente existem mais de 25 mil produtores de cacau na região. Cerca de 75% deles são agricultores familiares e enfrentam problemas financeiros para manter as lavouras. Muitos ainda estão no processo de retomada da cadeia produtiva, que se recupera das pragas que atingiram as lavouras nas últimas três décadas.>
“O selo ajuda, mas não resolve. Temos que desenvolver critérios para a valorização. Precisamos recuperar o estabelecimento rural, a base produtiva. Enquanto a gente não resolver os problemas do produtor de cacau, não avançaremos muito. É necessário amparo governamental para promover a recuperação efetiva, e retomar o dinamismo da região cacaueira”, argumenta o presidente do Sindicato de Produtores Rurais de Itabuna Wallace Setenta.>
Turismo Quem visitar a edição deste ano pode conhecer ainda a chamada Estrada do Chocolate, um roteiro de 42 quilômetros, que passa por fazendas produtoras de cacau e indústrias moageiras. A intenção é fomentar o turismo temático e gastronômico da região.>
“Esta rota já existia, mas agora está se profissionalizando, está sendo incrementada com novos atrativos, com a inclusão de novas fazendas no roteiro”, afirma o coordenador do Festival, Marcos Lessa.>
SERVIÇOO QUE: 10º Festival Internacional do Chocolate e Cacau – Chocolat FestivalLOCAL: Centro de Convenções de Ilhéus, Sul da BahiaQUANDO: 18 a 22 de Julho de 2018HORÁRIO: 15 as 22 horasACESSO: Gratuito >