Filme discute como o homem deve lidar com suas angústias numa sociedade machista

O Silêncio dos homens’, produzido pelo site papo de homem, está disponível no youtube

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 1 de setembro de 2019 às 07:15

- Atualizado há um ano

O letreiro sobe e um silêncio absoluto se instala em uma sala de ioga improvisada como sala de cinema na Pituba. O filme acaba e os 11 homens e sete mulheres que estão no local suspiram fundo. Especialmente eles, mas também elas, acabavam de ser confrontados com depoimentos marcantes de homens que vivem (ou por muito tempo viveram) afogados na sua masculinidade ou no seu machismo.

O Silêncio dos Homens, produzido pelo site Papo de Homem, foi exibido em diversas cidades do país na última quinta-feira, às 20h30, a partir da iniciativa de voluntários que se tornaram anfitriões e organizaram espaços em suas cidades. Em Salvador, uma das três exibições ocorreu graças ao psicólogo Caio Rohr, 31 anos, casado e pai de duas meninas.

“Eu não tenho como não questionar a posição que eu ocupo hoje. Como vou ser um homem para essas mulheres? Eu preciso ser o melhor”, disse Caio. Pouco a pouco, durante a exibição, os espectadores foram se identificando com as dores, sofrimentos e solidão dos personagens, homens ensinados desde cedo a não demonstrar fraquezas, a não dividir angústias e, por isso mesmo, a acumular uma energia muitas vezes colocada para fora em forma de violência.

Após a exibição, por quase uma hora e meia, os presentes deram depoimentos emocionados, como se dialogassem com os do filme. “É fragilidade. O machista, na verdade, é um ser frágil que compensa essa fragilidade com violência”, disse o músico Tadeu Mascarenhas, 41, casado, pai de três meninas, além de ter uma enteada que já lhe deu duas netas.

“Eu já fui muito agressivo com as mulheres que amei. Muito agressivo comigo. O tanto que eu já me tranquei, o tanto que já fui violento com amigos... Eu não aceitava quando minha palavra não era ouvida. Eu tinha uma série de teorias e crenças sobre o que eu achava que um homem tinha que ser”, diz Guilherme N. Valadares, fundador do Papo de Homem, professor de equilíbrio emocional e diretor do filme.

Com as entrevistas, o filme questiona a forma como os homens são criados e o desamparo que encontram nas relações, já que demonstrar fragilidade é, para eles, condenável. “Esse homem não deve agir como ele gostaria. Por tudo que foi ensinado a ele sobre o que o homem deve ser. E aí ele reage diante desse desamparo com violência”, diz o sociólogo Túlio Custódio no filme.

O filme revela o resultado de uma pesquisa nacional realizada pelo Instituto Pdh e Zooma Inc, em 2019, que comprova  a realidade vivida pelos personagens. Um dos dados mostra que sete em cada 10 homens afirmam ter sido ensinados na infância e na adolescência a não demonstrar fragilidade. Sete em cada 10 homens afirmam ainda lidar com algum distúrbio emocional em algum nível hoje.

Movimento  O filme (disponível no YouTube) e o site Papo de Homem são apenas duas das iniciativas de um movimento de transformação da masculinidade em todo o Brasil. A todo momento, grupos de homens se formam para discutir a masculinidade saudável, inclusive em Salvador. Ao mostrar diversas dessas iniciativas, o próprio filme incentiva isso.

Tanto que, após a exibição, o grupo que se reuniu na Pituba começou a se organizar para manter os encontros. E repetiu uma das cenas do filme, em que um grupo de homens dá um abraço coletivo e se beija um a um no rosto. “Esse é um movimento coletivo que está se mostrando muito grande. É um movimento de resistência à nossa fragilidade”, diz Caio.

A transformação dos homens é, claro, incentivada pelas mulheres. Casais que acompanharam a exibição levaram suas angústias e confrontaram o machismo existente inclusive no lado feminino da relação. Até mesmo no que diz respeito às tarefas domésticas. “Eu aprendi com meu marido que na verdade é errado dizer que ele me ‘ajuda’ em casa. Ele disse: ‘Eu não te ajudo, é a minha obrigação. A casa é tão minha quanto sua. O machismo estava em mim”, disse a advogada Ana Cecília Menezes, advogada, 37,  esposa de um dos presentes.

A figura do pai e dos exemplos que surgem a partir dele está presente em muitas entrevistas do filme. Por sinal, a pesquisa citada mostra que cinco em cada dez homens declararam ter o pai como principal referência de masculinidade.

“Meu pai reunia eu e meus irmãos para que um batesse no outro. Tudo isso me oprimiu até o dia que eu escutei de minha esposa que ela tava grávida. Pronto, eu vou querer para o meu filho coisas boas e não o que meu pai fez comigo”, contou em seu depoimento o agricultor José Antônio Neto.

Mas, afinal de contas, por que esse movimento está se formando? O que os homens querem com isso? O fato é que muitos cansaram de ser os machões que a sociedade impõe que sejam. “O silêncio observado entre os homens não é uma grande conspiração masculina: é como fomos criados. A maioria de nós foi treinado para sufocar o que sente, aguentar o tranco e peitar a vida, como machos”, afirmou o Papo de Homem no Instagram.  

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