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Folia de rua invade o Campo Grande


 

Tradicional, circuito Osmar passa por renovação a cada Carnaval

  • Thais Borges

Publicado em 14/02/2018 às 04:00:00
Atualizado em 18/04/2023 às 01:53:07
. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

“Carnaval é aqui!”. Com direito a um leve gritinho, essa foi resposta - mais com cara de defesa - que a estudante Ariele Canduária, 15 anos, me deu, quando conversávamos na segunda-feira (12), no circuito do Campo Grande, também chamado de Osmar. Era meu segundo dia consecutivo na cobertura por lá - pelo circuito que um dia foi parcialmente esvaziado e hoje vive um momento de renovação. 

Para Ariele e sua irmã Ariana, 17, o Campo Grande vem com um gostinho de tradição. As duas têm uma relação afetiva com o circuito. “Venho para cá desde que saía no Algodão Doce e continuo. Aqui tem mais movimento, tem mais gente interagindo... E as atrações estão ótimas!”, explicou, referindo-se à lista longa daquele dia.  Ariele (de preto) e Ariana (de branco) têm uma relação afetiva com o circuito (Foto: Thais Borges/CORREIO)  Só nos trios sem corda, desfilaram nomes como La Fúria, Duas Medidas, Igor Kannário, Léo Santana e Denny Denan, além do projeto Respeita As Mina, comandado por Larissa Luz com Pitty e Karina Buhr. As irmãs queriam ver Kannário e Psirico, que puxou o bloco As Muquiranas logo antes da entrada do Príncipe do Gueto. “Eles são os melhores porque agitam a muvuca”, me disse Ariana, a irmã mais velha. As duas ainda faziam jus à moda da folia este ano: fantasia (de borboleta) e muito glitter. 

Ao contrário delas, eu nunca curti o Carnaval do Campo Grande - não sou foliã nata, nem mesmo natural de Salvador. Não tive a ligação afetiva quando criança. Sequer tinha ido trabalhar para as bandas de lá até o ano passado, quando, em um dos dias de nossa cobertura, fiquei responsável pela parte política da coisa. 

Talvez por isso, não tenha sabido nem como reagir ao ‘mar de gente’ com o qual me deparei, tanto na segunda quanto no dia anterior, o domingo (11). Na segunda, minha sensação era de que nem mesmo o espaço maior do circuito seria capaz de transportar as multidões de As Muquiranas e das pipocas dos trios de pagode. Quando Kannário pisou na Avenida, o movimento daqueles que o acompanhavam praticamente fazia o chão tremer. No domingo, hordas de pessoas pareciam brotar a cada instante na interminável pipoca de Saulo. Já fui atrás de Saulo na Barra, a trabalho, e fiquei surpresa da mesma forma. Fui, então, em busca de mais foliões que não trocam o Campo Grande por nada no mundo. 

As amigas aposentadas Jucilei Sousa, 63, e Noy Vaz, 76, me deram uma dica. “Aqui é mais espaçoso! Para a gente, é o melhor circuito. Olha só quantas senhoras brincando”, apontou Jucilei, para as outras foliãs do Bloco da Saudade, no qual saem há oito anos. Noy pediu desculpas, disse que não queria ofender a Barra, mas entregou logo o que pensava. “Lá é muita confusão para a gente”.  Miltomar, Luanda e Ana Luiz curtiram o Campo Grande em dias alternados (Foto: Marina Silva/CORREIO) A atendente Luanda Santos, 32, e o montador de móveis Miltomar Trindade, 34, levam a pequena Ana Luiza, 3, para o Campo Grande em dias alternados. Só não vão todos os dias porque ela ainda é pequena. “Aqui é um espaço familiar e o horário é mais cedo. O melhor é a tranquilidade, além de ter blocos infantis”, disse Miltomar. 

E não apenas isso. No Campo Grande, encontrei um verdadeiro desfile de fantasias. De todos os tipos - dos famigerados unicórnios até a impensável ‘mãe de leite’ das gêmeas Marina e Helena, as filhas de Ivete Sangalo que nasceram no sábado (10). Pois, essa era a fantasia do funcionário público Edgard Passos, 55, que apareceu na Avenida até com direito a uma bebê mamando.

“Ontem (domingo), trouxe Marina, hoje trouxe Helena. Além de babá, sou a mãe de leite delas! Hoje estou de ‘empreguete’ de Ivete!”, contou. Ele também é do time dos que são fãs do espaço do circuito. “Para quem sai fantasiado, não tem lugar melhor! Não é que a Barra seja ruim, pelo contrário, mas aqui tem mais espaço pra fantasia”. 

Ele encontrou uma parceira na aposentada Gildete Santos, 68, que se vestiu de ‘Brasil’ dos pés à cabeça. Dona Gildete não se veste de Brasil só na Copa do Mundo, mas durante qualquer grande evento na cidade. O amor é tanto que ela se apresenta até pelo nome artístico: Gildete Brasil. “O Campo Grande é maravilhoso! Sabe qual é a melhor parte? A gente encontra todo mundo! Ali mesmo tem minhas amigas da seresta”, disse, pouco antes de correr até um grupo de senhoras que desfilava no Bloco da Saudade.

Foliã há mais de 30 anos, ela adora ver esses blocos, mas também não dispensa acompanhar o Harmonia do Samba. “Gosto de ver Xanddy! Êta, homem retado! Carlinha (Perez), minha filha...”, disse, aos risos, antes de se interromper.  (foto: Marina Silva/CORREIO) Mas também tem aquele pessoal com o coração dividido. A corretora de imóveis Gleydes Alcântara, 50, e a estudante Ana Laura Gonçalves, 19, garantem que há espaço tanto para o Campo Grande quanto para a Barra. “O bom é que a gente vem para cá durante o dia e de noite vamos para a Barra. Lá tem a brisa romântica do mar, mas o sol aqui tem tudo a ver com nossa festa”, afirmou Gleydes. (Foto: Marina Silva/CORREIO) Só no Centro E tem uma coisa que só o Campo Grande tem: a Mudança do Garcia. E só na Mudança do Garcia dá para encontrar figuras como o aposentado Antônio Pessoa, 62, que se apresenta como presidente do Clube dos Cornos. Usando um capacete com um belo par de chifres, ele me mostra sua carteirinha da associação. Nela, li 10 mandamentos que incluem “ser fiel à esposa” e “criar os filhos do Ricardão”. Tá certo, né?  Seu Antônio é presidente da Associação dos Cornos (Foto: Thais Borges/CORREIO) Voltei a perguntar: o que é que o Campo Grande tem? “Acho que já melhorou muito, mas o melhor é não ter violência. Venho todos os dias, tanto para a Mudança quanto para ver As Muquiranas, que fui por muitos anos, e os blocos afro, que são nossa raiz”, respondeu seu Antônio. 

E, por falar em Muquiranas, os amigos Alexsandro Ramos, 26; Danilo de Oliveira, 22; e Josilvan dos Santos, 28, também defendem o Campo Grande com unhas e dentes. “É um lugar de encontro de todo mundo, por ser mais aberto”, diz Alexsandro. Danilo define logo: “É o melhor circuito! Só podia ter mais atrações mais tarde, para ficar melhor”, opina.  Os amigos de As Muquiranas não trocam o Campo Grande (Foto: Thais Borges/CORREIO) Os amigos garantem que outros circuitos não lhes enchem os olhos. A coisa só mudaria de figura se As Muquiranas, de repente, mudassem de lugar. Aí, avisam, não tem como ficar.