Fora da rota: Salvador enfrenta escassez de voos internacionais na retomada

Antes da pandemia, cidade tinha 11 ligações diretas com o exterior, e agora só tem duas. Trade turístico aponta inércia do governo, que se defende

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  • Gabriel Moura

Publicado em 4 de junho de 2022 às 06:30

. Crédito: Arte: Quintino Andrade

As origens do Aeroporto de Salvador remontam ao ano de 1925, quando a empresa francesa Latécoère construiu um campo de pouso na região que, na época, era parte do distrito de Santo Amaro de Ipitanga. Lá, ela começou a operar uma rota que, entre várias escalas, ia de Buenos Aires a Toulouse. No entanto, apesar desta vocação internacional presente no DNA do aeródromo desde a sua fundação, hoje poucos aviões partindo do estrangeiro pousam na capital baiana.

Atualmente, apenas duas rotas internacionais são operadas regularmente a partir de Salvador: Lisboa, com a TAP, e Buenos Aires, com a Aerolíneas Argentinas. Antes da pandemia, em 2019, eram 11, incluindo destinos sazonais como Córdoba, também com a aérea argentina, e Santiago, com a Sky.

E mesmo as que já voltaram estão em um ritmo menor. A TAP tinha seis voos semanais para Lisboa antes da pandemia, agora são cinco. A Aerolíneas Argentinas também tinha seis voos por semana em 2019, mas reduziu para dois em 2022.

Já entre os outros nove voos, apenas dois já possuem data para retorno, ambas em dezembro: Madrid, com a Air Europa, para o dia 21, e Buenos Aires, com a Gol, no dia 3.

Em nota, a Vinci, responsável pelo Aeroporto Internacional de Salvador, argumentou que o ritmo de recuperação dos voos internacionais está lento em todo o mundo. Seriam dois os principais motivos: as restrições para entrada de estrangeiros nas fronteiras e também a baixa disponibilidade de aviões de longo alcance no mercado.

A previsão é de que o setor se reaqueça, em Salvador, a partir do final do ano e, principalmente, em 2023.

Comparação Na nota, a Vinci também fez uma comparação da retomada internacional com duas outras cidades do Nordeste. Segundo a empresa, a capital baiana tem 39% de recuperação do volume de voos internacionais enquanto Fortaleza tem 38% e Recife, 28%. No entanto, o cálculo que provoca este número não considera que antes da pandemia as capitais do Ceará e Pernambuco tinham mais voos internacionais. Hoje o número entre as três é equilibrado.

Atualmente em Recife, por exemplo, o voo da TAP para Lisboa conta com 7 frequências semanais, mesmo número de Fortaleza, que possui ainda outra rota para a Europa: Paris, com a Air France, em três dias na semana.

O diferencial de Salvador acontece por conta da rota para Buenos Aires, que deve ser retomada apenas em agosto no Recife e em dezembro em Fortaleza. O voo para Madrid da Air Europa, por outro lado, não possui previsão de retorno nessas cidades.

Ao estender a comparação para todo o país, Salvador também fica para trás. Por exemplo: a Copa Airlines, que operava um voo até Cidade do Panamá, já retomou seis das oito rotas que tinha no Brasil, incluindo cidades como Porto Alegre e Manaus. O voo para Salvador segue sem previsão de retorno.“A Copa é uma questão de demanda local. Essas outras cidades brasileiras possuem mais passageiros com interesse em viajar para destinos no Caribe e Estados Unidos, carro chefe da companhia. A informação que temos é que a empresa vai decidir se mantém Salvador ou Recife em seu portfólio. A decisão só deve acontecer no ano que vem”, revela Marcus Campos, gerente de marketing e promoção aérea do Salvador Bahia Airport.A JetSmart, que ligava a capital baiana a Santiago, já retomou suas operações em Foz do Iguaçu, enquanto a Latam, que voava até Miami, anunciou que o mesmo destino começará a ser atendido em Fortaleza mês que vem. Em ambos os casos, também não há previsão do retorno das operações internacionais dessas empresas em Salvador.

“Agora, as companhias aéreas estão calculando custo e oportunidade, pois estão buscando sobreviver após o período de crise. Muitas empresas tiveram que devolver aviões antigos, que consumiam muito combustível. Por isso, a fila de espera para aviões modernos está muito grande e a Boeing e Airbus não conseguem produzir na velocidade que o mercado deseja. Por isso, muitas rotas secundárias do Brasil foram deixadas de lado em detrimento a São Paulo. E estamos trabalhando muito para reverter isso”, conta Marcus Campos.

Queda pré-pandemia Não é de hoje que Salvador vem perdendo o protagonismo nas rotas internacionais. Desde 2016 ela se tornou apenas a terceira cidade nordestina com mais voos internacionais — atrás de Recife e Fortaleza. 

Naquele ano, a American Airlines cancelou a tradicional rota que ligava Bahia a Miami, EUA. Um ano depois foi a vez da Condor anunciar o fim do voo até Frankfurt, na Alemanha. Montevidéu chegou a ser um destino por três meses em 2017, pela Gol, mas logo foi extinto. Já a rota para Bogotá, na Colômbia, foi desativada em 2019 por conta da falência da Avianca.

Voltando ainda mais no tempo, Salvador também perdeu com a falência das antigas aéreas brasileiras, como Vasp, Varig e Transbrasil. A primeira, em 98, por exemplo, voava para Barcelona, Bruxelas, Frankfurt, Madri, Miami e Zurique. A outra tinha rotas para Paris, Amsterdã, Frankfurt, Milão, Lisboa e Buenos Aires, que foram canceladas gradualmente até 2004.

A Varig, inclusive, já chegou a voar para alguns destinos mais “alternativos”, como uma rota entre Salvador e Lagos, capital da Nigéria, que ficou ativa entre os anos 80 e início dos 90. Já a Transbrasil focava no mercado estadunidense, com voos para Miami e Nova York, também nos anos 90.

As novas empresas áreas líderes no mercado nacional não dão o mesmo protagonismo a Salvador. Latam foca em seu hub em Fortaleza e tinha apenas dois voos internacionais aqui até março de 2020: Miami e Buenos Aires. Azul jamais conectou a Bahia ao estrangeiro, enquanto a Gol voava apenas para a capital argentina.

Em janeiro de 2020, Salvador figurava apenas como a oitava cidade com mais voos internacionais do Brasil, atrás de São Paulo, Rio, Fortaleza, Brasília, Campinas, Recife e Belo Horizonte.“Isso é uma luta que temos há muito tempo com as empresas nacionais e internacionais, mas eles argumentam que, por enquanto, não há retorno satisfatório. Até porque os voos que já tem não estão cheios”, afirma o Jean Paul Alfred Philippe Gonze, presidente da Associação Baiana das Agências de Viagens (Abav).Passageiros que embarcaram recentemente no voo da TAP, em datas diferentes, relataram que quando o avião parte de Salvador para Lisboa, está cheio. No entanto, no sentido contrário, vem vazio. Além disso, praticamente todos os passageiros a bordo são brasileiros.

No caso da Argentina, a demanda motivou a low cost FlyBondi a criar uma rota entre Salvador e Buenos Aires, que pode estrear ainda este ano, além da própria Aerolíneas, que vai aumentar os voos semanais.

Críticas Para Roberto Duran, presidente do Conselho Baiano de Turismo, um grande impeditivo para atrair mais turistas estrangeiros para a Bahia e, consequentemente, receber mais voos internacionais é ter um marketing estruturado.“A Bahia tem o mais completo portfólio de atrações em todas as linhas (sol e mar, gastronomia, religioso, cultural, de negócios onde estão os congressos e eventos). Porém, deixamos de ter um marketing estruturado a curto, médio e longo prazo a fim de vender nossas qualificações e aptidões. Desta forma, a concorrência vem evoluindo, trabalhando e absorvendo parte deste espaço que um dia foi nosso. Falta mais trabalho técnico sério e menos ‘blablablá’”, analisa o gestor.Presidente da Federação de Hospitalidade e Turismo do Estado (Fetur), Silvio Pessoa relembra o que ele chama de “época de ouro”, quando, nos anos 90, Salvador era a terceira cidade do país em voos internacionais. “Já chegamos a ter mais de 50 voos internacionais, éramos um grande portal de entrada para estrangeiros. Hoje a Secretaria de Turismo da Bahia e a Bahiatursa estão sucateadas. Não existe investimento neste setor”, critica.

Na visão do presidente da Fetur, a Bahia deveria seguir o exemplo de Pernambuco e Ceará. “Esses dois estados tiveram uma política agressiva e profissional na atração de novos voos, com marketing e, enquanto isso, na Bahia, nada se faz. O resultado é que Salvador, que já recebeu 600 mil estrangeiros anualmente, foi ultrapassada por Recife e Fortaleza”, lamenta Pessoa.

Ações Em resposta às críticas, a Setur afirmou que “vem atuando diuturnamente com o objetivo de promover a retomada do turismo em toda a Bahia”. “Nesse contexto, o trabalho de promoção dos destinos baianos, com a participação da Bahia nos principais eventos de turismo nacionais e internacionais, e de prospecção dos voos junto às companhias para a recomposição da malha aérea do estado tem sido uma prioridade”, diz a pasta, em nota, citando ainda medidas para atrair voos charter nos feriados, como o que trouxe 750 uruguaios na Semana Santa.

Ainda conforme a secretaria, o retorno da rota para Madri é fruto de negociações iniciadas em janeiro, quando houve uma reunião entre representantes da Setur e a diretoria geral da AirEuropa, durante a Feira Internacional de Turismo de Madri (Fitur), na Espanha. “Essa parceria vai incluir ações de divulgação do turismo baiano no mercado europeu. Então, apesar das dificuldades, o que conseguimos atrair e manter de voos internacionais se deve ao grande esforço do Governo do Estado como agente captador”, continua o comunicado, acrescentando ainda que para que um voo tenha viabilidade é preciso ter passageiros. 

Marcus Campos, da Salvador Bahia Airport, conta que a atração de novas rotas é um trabalho feito em conjunto pelo aeroporto, governos estadual e municipal, além de todo o trade turístico.“As empresas aéreas colocam voos onde há demanda. Então, é evidente que há um trabalho comercial que hoje existe. Hoje temos equipes para visitar as companhias, mostrando estudos para convencê-las de que a cidade tem condições de receber rotas. No entanto, esse trabalho é colegiado e precisa de muita ação das secretarias de turismo, com marketing e benefícios. Também precisa existir disponibilidade nas redes hoteleiras. Um problema para voos internacionais é que hoje, por exemplo, os resorts do Litoral Norte são praticamente lotados por brasileiros, sobrando pouco espaço para quem vem de fora”, pondera o gerente.Combustível As fontes do trade consultadas pela reportagem também citaram uma alegada falta de apoio do governo na redução do ICMS no querosene de aviação. Outros estados, como Ceará e Pernambuco, adotaram essa medida e, com isso, atraíram mais voos.

“Nós perdemos hubs da Azul para Recife e da Gol para Fortaleza em um passado recente justamente por isso. A Air France/KLM queria voar de Paris e Amsterdã para Salvador, mas não conseguiu devido ao preço do combustível que é caro na Bahia. E essa medida só quem pode tomar é o governo, que negligencia essa área”, afirma o diretor de Turismo da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult), Antônio Barretto Júnior, ao citar também investimentos da prefeitura entre R$ 15 e R$ 20 milhões por ano para divulgar o destino. 

Em resposta, a Setur afirmou que o governo mantém, nos últimos anos, uma política de inventivo à aviação regional, com a redução das alíquotas do ICMS sobre o querosene de aviação. “Em suma, quanto mais voos regionais a empresa oferecer para a Bahia, maior será o desconto na compra do combustível aqui no estado. Companhias aéreas internacionais também contam com incentivo”, diz a pasta. 

Sem money Roberto Duran explica que a diminuição da vinda de estrangeiros prejudica o setor de turismo, pois quem vem de fora, quando está a lazer, gasta cerca de três vezes mais que o brasileiro.“Hoje é muito difícil alguém chegar em Salvador partindo de fora do Brasil. O turista precisa esperar uma conexão de, às vezes, 10 horas no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo”, cita.Esse itinerário cansativo dificulta a vinda dos gringos que estão no Brasil. Conforme o Sistema de Tráfego Internacional (STI) da Polícia Federal, a entrada de estrangeiros com visto de turista no país, de janeiro a abril deste ano, foi de 962 mil pessoas, número 60% maior do que as 596,7 mil entradas registradas em todo o ano de 2021.

Os baianos que desejam viajar para fora também são prejudicados, já que as passagens tendem a ficar mais salgadas. “Os tickets já estão mais caros devido ao aumento do dólar e dos combustíveis. Quando há menos opções, fica ainda pior”, lamenta Jean Paul, da Abav.

Sucesso nacional No entanto, nem tudo são más notícias em relação a voos para Salvador. Se a área de embarque internacional está vazia, a nacional está cada vez mais cheia. A cidade se tornou um importante hub da Gol e hoje possui ligações com todas as regiões do Brasil, incluindo destinos inéditos como Campo Grande e Florianópolis.

Com isso, o Aeroporto de Salvador subiu uma posição em 2021, se tornando o 8º mais movimentado do Brasil. No Nordeste, a cidade ocupa a segunda posição, atrás de Recife.

Em nota, a Setur comentou que o bom desempenho no mercado nacional se deve às atitudes tomadas no controle da pandemia, o que, segundo a pasta, refletiu em aumento significativo do fluxo de turistas nacionais. “Em 2021, o turismo na Bahia cresceu 47,3%, mais que o dobro do desempenho nacional. Temos também conquistado voos nacionais e regionais, como a rota entre Belo Horizonte e Guanambi, pela Azul, que, no próximo mês, vai iniciar operações também entre Salvador e a cidade do sudoeste baiano”, conclui.