Fora do trilho

Programa de Autorizações Ferroviárias não contempla a Bahia

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  • Da Redação

Publicado em 30 de julho de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: divulgação

Está em tramitação parlamentar, desde 2018, a proposta do Programa de Autorizações Ferroviárias, que pretende criar uma nova legislação permitindo a construção de ferrovias por autorização. Em ofício dirigido a órgãos vinculados em abril deste ano, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, determinou que seja iniciada a execução do programa, com a elaboração de minutas de regulamentos e priorização para estudos de seis trechos ferroviários que somam R$ 31 bilhões de investimentos estimados.  

A ação, porém, não terá impacto na Bahia, uma vez que os trechos contemplados estão localizados, majoritariamente, nas regiões sudeste e centro-oeste. São eles: Rondonópolis-Cuiabá-Lucas do Rio Verde (MT); TUP São Mateus (ES)-Sete Lagoas (MG); TUP Alcântara-EFC (MA); Luziânia (GO)-Unaí-Pirapora (MG); Foz do Iguaçu (PR)-Dourados (MS); TUP Açu (RJ)-Anchieta (ES). Já a Bahia, cruzada pela Ferrovia Centro-Atlântica (FCA/VLI), segue com seus trechos sucateados, sem nenhum projeto de investimentos, enquanto concessionária pleiteia a renovação antecipada da sua outorga.

O presidente da Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM), Antonio Carlos Tramm, vê o trabalho do ministro Tarcísio Freitas com otimismo, mas considera que é preciso direcionar o olhar também para o trecho baiano da FCA/VLI. “A Bahia não pode continuar sendo esquecida. O abandono dos trilhos baianos da FCA/VLI prejudica a logística de cargas para as empresas, que enfrentam ainda a deterioração da malha. Houve desativação total dos trechos de Senhor do Bonfim-Juazeiro/Petrolina, Esplanada-Propriá, Mapele-Calçada, e parcial no Porto de Aratu, somando uma perda de mais de 620 km. Essas desativações contribuem para o isolamento do Nordeste da malha ferroviária nacional.”, afirma Tramm.

CBPM aciona Ouvidoria Geral da União - A FCA/VLI tem sido tema de discussão constante entre a concessionária, que quer operar a ferrovia por mais 30 anos, e setores do governo e empresariado baiano, que questionam a ausência de projetos realizados nos últimos 26 anos de concessão. Em uma série de ofícios enviados à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), sendo o primeiro datado de 09 de fevereiro de 2021, a CBPM ressaltou que a FCA/VLI não trouxe nenhum benefício para a economia baiana ou qualquer contribuição para o desenvolvimento do sistema de transporte ferroviário. 

Pelo menos 4 ofícios foram enviados ao órgão sem que houvesse resposta. Diante do silêncio da ANTT, a CBPM recorreu à Ouvidoria, que contestou o documento. Entretanto, para Tramm, a correspondência em questão falha ao afirmar que a FCA/VLI é vantajosa para União, sem que seja apresentado nenhum tipo de análise aos questionamentos feitos, nem mesmo quanto à falta de resposta aos ofícios anteriores. 

Tais ocorrências levaram a CBPM a acionar a Ouvidoria Geral da União, no mês de julho, em busca de uma resposta satisfatória para a questão. No novo documento, a empresa solicita que o ouvidor “apure os fatos representados, de modo que a ANTT seja compelida a cumprir seu dever constitucional de fiscalizar os serviços públicos concedidos e responder em sua integralidade os questionamentos realizados pela CBPM”.

Ainda de acordo com o novo ofício, o contrato de concessão não pode ser renovado, uma vez que a VLI não cumpriu com o requisito estabelecido na Lei nº 13.448/2017, que condiciona a prorrogação antecipada à prestação de serviço adequado. Os investimentos previstos no contrato originário não foram alocados pela concessionária e os previstos para o futuro são insuficientes para garantir a operacionalidade do sistema, especialmente no estado da Bahia, onde o modal ferroviário não consegue competir com outros considerados menos eficientes, como o rodoviário. Essa ausência de alternativas gera graves impactos ambientais e sociais negativos, como o aumento das emissões de CO² e os acidentes produzidos em razão do aumento do transporte de cargas através do modal rodoviário.

A carga precisa de trem - Em 1996, quando a FCA passou a operar sob gestão da VLI, a malha ferroviária na Bahia correspondia a 1942 quilômetros e transportava cargas e passageiros. Hoje, segundo a própria concessionária, são 1550 quilômetros. Os trens sumiram, não transportam nem cargas e nem passageiros. A empresa alega que falta carga, mas essa afirmação não condiz com os dados públicos.

A Bahia tem uma enorme demanda. Segundo levantamento feito pela CBPM, e encaminhado a VLI, na base de dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), mais de 6 milhões de toneladas de minérios foram produzidas a menos de 50 km dos trilhos da FCA, em 2020. Outro exemplo é a expressiva carga de frutas produzida em Juazeiro que poderiam ser transportadas de trem, mas chegam ao porto de outros estados de caminhão ou até mesmo de avião. 

Estudos do PNL (Programa Nacional de Logística) demonstram ainda que os trechos rodoviários das BR 101 e 116, que ligam o Sudeste ao Nordeste, são os corredores com mais carga do Brasil. Paralelo a eles, a Bahia tem uma ferrovia que está abandonada. Tal cenário comprova que a baixa demanda alegada paradoxalmente pela concessionária para a falta de investimos na região é, na verdade, causada pela falta de trens. 

Falta de trem prejudica os portos -  Os estudos apresentados pela VLI em audiência pública realizada em fevereiro de 2021 não contemplam novos investimentos na infraestrutura dos trechos que cortam a Bahia. Essa negligência inviabiliza o escoamento de cargas através dos portos e dos Terminais de Uso Privado (TUP) em operação no território baiano. Apesar do estado dispor da maior costa marítima do Brasil, a Bahia tem 10 portos/terminais sem acesso ferroviário.

Segundo dados divulgados no painel Estatístico Aquaviário da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), a movimentação de cargas do setor portuário baiano caiu 22% nos primeiros cinco meses de 2021, indo totalmente de encontro ao bom resultado nacional, que apresentou um aumento de 9,23% em relação ao mesmo período de 2020. A falta de uma logística de transporte terrestre que envolva um modal ferroviário que funcione é um dos motivos para essa diferença significativa entre o volume de embarcação nacional e o estadual.

No caso específico da Bahia, duas providências se arrastam há muito tempo, sem que nenhuma solução seja tomada. São elas: a construção da variante de 22 quilômetros ligando o Polo Industrial de Camaçari ao porto de Aratu; e o contorno das cidades de Cachoeira e São Félix, para evitar o tráfego pela Ponte D. Pedro II, que há 150 anos liga a área central das duas cidades. 

Uma das razões para esse descaso seria o fato de que a malha ferroviária existente em território baiano corresponde a um dos raros trechos do contrato de concessão em que os acionistas da concessionária VLI/FCA não são usuários. “A nossa cobrança é para que tenha trem! A VLI deve prestar contas à sociedade e ao poder concedente. A Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) deve fiscalizar e impedir que prorrogação seja levada a efeito, considerando o histórico da atuação da concessionária”, afirma Tramm.

Este conteúdo tem apoio institucional da CBPM e oferecimento da Mineração Caraíba.