Guerra de Espadas são registradas em bairros de Cruz das Almas

Guerra durante a Pandemia divide moradores, especialistas e os próprios espadeiros

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 24 de junho de 2021 às 04:00

- Atualizado há um ano

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A guerra de Espadas é proibida em Cruz das Almas desde 2011, mas a "canetada" não consegue inibir a festa que é marca registrada do São João no município. Neste ano, além da proibição, também houve uma recomendação do Ministério Público do Estado (MP-BA) para coibir a manifestação por conta da Pandemia do coronavírus. Nada disso foi suficiente: na última semana pelo menos dois casos foram registrados no município.

O último deles foi no final da noite de terça (22) e durou até a madrugada de ontem, véspera de São João. Cerca de 20 espadeiros acenderam suas espadas na Rua Alberto Passos. De acordo com relatos de moradores, além da festa de espadas, também havia pessoas soltando bombas.

Segundo a Polícia Militar, uma guarnição da 27ª CIPM foi acionada com informações de que estava ocorrendo guerra de espadas com aglomeração na Rua da Estação, em Cruz das Almas. Com a chegada das guarnições, os participantes dispersaram.

Antropólogo e pesquisador da tradição da guerra de espadas na Bahia, Rodrigo Wanderley afirma que a criminalização da guerra de espadas não é um caminho inteligente para tentar conter a festa num período de Pandemia.

O especialista afirma que um dos grandes charmes e marca registrada dos espadeiros é o responsável por haver as aglomerações mesmo durante Pandemia: não há uma unidade ou organização dos espadeiros."É um movimento muito orgânico. Fazer ou não a festa neste momento tem mais a ver com o entendimento de cada pessoa a respeito da pandemia do que sobre a festa de espadas", afirmou. Acostumados com a festa, moradores da cidade no Recôncavo Baiano se prepararam para o momento assim como fazem todos os anos: tapumes foram colocados nas casas para evitar queimaduras nos portões e casas como em qualquer ano.

Um morador do bairro Coplan, que preferiu não se identificar, contou que no ano passado houve guerra de espadas mesmo com a Associação de Espadeiros de Cruz das Almas pedindo para que não fossem realizados eventos. Neste ano, a associação não se manifestou. O CORREIO não conseguiu contato com ninguém do órgão até o fechamento desta reportagem."Eu defendo e sempre defenderei a guerra de espadas como manifestação. Não é nenhum crime e nem deveria ser visto assim. Há, sim, uma necessidade de adaptações como já aconteceu no século passado quando aqui em Bonfim se acatou a mudança do material que produz as espadas, mas criminalizar não vai levar a lugar algum", acredita Wanderley, que conhece de perto a tradição no município de Senhor do Bonfim. "A espada não é uma arma, como tem gente querendo dizer. Em Bonfim, nunca houve registro de mortos. Em Cruz ainda há alguns registros de feridos, mas não tem como encarar como crime algo que é feito entre irmãos, cunhados, amigos e passado por gerações", acredita.O próprio Wanderley é espadeiro e preferiu não ir a Senhor do Bonfim, sua terra natal, para não cair em tentação e acender suas espadas. Ele entende que o momento da pandemia é crítico, com mais de meio milhão de mortos no país, e afirma que a tradição não vai se perder por dois ou três anos de hiato."As festas populares também entendem os momentos. Bonfim, que é a capital baiana do forró, já teve um ano sem São João por conta de uma seca que assolou a cidade e portanto não se viu momento para comemorar. Do mesmo jeito, há muitos espadeiros que não foram festejar, mas por ser algo muito orgânico é difícil ter uma unidade", disse.O poder público segue tentando coibir as festas. De acordo com a Secretária de Segurança Pública do Estado (SSP-BA), o policiamento na cidade foi reforçado com mais 20 viaturas, que auxiliam no patrulhamento durante o período junino.

Moradores A maioria dos moradores entrevistados pelo CORREIO pediram para não se identificar, mas ressaltaram entender que a tradição é importante para o município. "Fora que todo tipo de gente é espadeiro aqui. Tem juiz, tem policial e tem bandido também. A gente brinca que em dia de guerra de espada a criminalidade cai pra zero em Cruz", afirmou um deles.

O morador disse à reportagem que sua rua, a da Estação, amanheceu com várias espadas pelo chão. Também ficou o rastro de pólvora indicando que a guerra passou por lá."O que a gente entende é que não adianta ficar nessa briga e proibir porque vai acontecer. Seria muito melhor escolher um lugar para que todo o mundo pudesse soltar as espadas e aí não preocuparia os moradores que não gostam ou têm prejuízos com as espadas", afirmou.Segundo o Ministério Público Estadual (MP-BA), fabricar, possuir e soltar espadas é crime cuja pena pode chegar a até seis anos de prisão. A guerra acontece tradicionalmente durante as festas juninas, com um artefato que é uma variação mais potente dos tradicionais buscapés, feitos de bambu, pólvora e limalha de ferro.

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