Guilherme Bellintani: 'O destino do Bahia não é ser clube médio'

Leia entrevista com o presidente tricolor, candidato à reeleição para o triênio 2021-23

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  • Gabriel Rodrigues

Publicado em 11 de dezembro de 2020 às 07:01

- Atualizado há um ano

. Crédito: Mauro Akin Nassor/Arquivo CORREIO

Guilherme Bellintani é o primeiro presidente da chamada era democrática do Bahia - iniciada em 2013 - que tentará a reeleição. Ao lado do vice Vitor Ferraz, ele terá como adversário o candidato Lúcio Rios. Em entrevista ao CORREIO, Bellintani analisa o que não deu certo no primeiro mandato e apresenta suas propostas para o próximo triênio. A eleição é nesse sábado (12), e sócios poderão votar presencialmente na Fonte Nova ou online através do site oficial do clube, das 9h às 17h.

Quando você decidiu ser candidato a reeleição e por que tomou essa decisão? No começo do ano do eu estava decidido a encerrar o mandato e voltar para as minhas atividades profissionais, a minha vida privada. Acontece que as circunstâncias de 2020, principalmente o impacto que a pandemia teve no clube, e com o forte déficit que o clube vai apresentar este ano, me fizeram refletir que não poderia deixar o clube na posição em que ele está hoje. Se tem uma coisa que eu fiz no primeiro mandato foi alavancar as receitas do Bahia e, no meu entendimento, seria muito ruim uma saída num ano em que o clube vai ter um déficit muito grande e que vai demorar dois ou três anos para se recuperar. Além disso, poder fazer uma reformulação no futebol, acho que fiquei devendo no meu primeiro mandato, e conquistar resultados mais positivos.  

Como você avalia o cenário da atual eleição com apenas duas chapas concorrendo à presidência? É fruto de um trabalho de muito diálogo que fizemos nos últimos três anos, muita colaboração entre várias correntes dentro do clube, no entendimento de fazer uma gestão de união, que fosse uma gestão de aceitação de ideias diferentes. Nunca nos colocamos como donos da verdade, ouvimos muitas pessoas. Isso atraiu muitas lideranças que até concorrem comigo, como Abílio Freire e Fernando Jorge. Acho que a minha candidatura com esse arco grande de alianças é fruto do meu perfil, da minha forma de lidar dentro do clube.

A gestão de futebol do Bahia vem sendo bastante criticada. Caso reeleito, o que vai mudar nesse setor? Eu acho que entrego um Bahia que conseguiu evoluir bastante no futebol durante esses três anos, mas muito longe do que a torcida merece e do que a gente esperava a partir do crescimento que tivemos fora de campo. Se a gente for observar, o grande elemento crítico é porque o resultado em campo não acompanhou na mesma dimensão o que construímos fora dele. A torcida tem razão na reclamação, por isso o nosso grande desafio para o próximo triênio é reformular a gestão de futebol, que começará com uma reformulação na própria diretoria de futebol. Hoje a diretoria de futebol é muito ligada ao diretor de futebol, vamos abrir um pouco mais o leque. Também vamos investir um pouco mais no Departamento de Análise e Desempenho (Dade) para fazer um papel ainda mais importante no clube para entregar um futebol com crescimento equivalente ao que tivemos fora do campo.

Você, junto com Vitor Ferraz, já vem promovendo mudanças na diretoria de futebol. Acha que o atual modelo, concentrado na figura do diretor de futebol, não deu certo? O que planeja mudar? Vamos continuar com a figura do diretor de futebol. Acontece que hoje não temos praticamente ninguém na diretoria além do próprio diretor. O diretor toma as decisões, lógico que conversando com o Dade, comissão técnica do clube, presidente e vice-presidente, mas não há uma diretoria robusta. Não quero defender o modelo de um conselho gestor, não acredito nesse modelo, é preciso ter um responsável pelo trabalho, mas não quer dizer que liderar o trabalho significa executar sozinho. O modelo que vamos implantar é de uma diretoria de futebol mais robusta, trazer o Dade para uma posição mais elevada dentro do clube e trazer o trabalho que Dado Cavalcanti vem fazendo na coordenação técnica de futebol também para a mesa. O que queremos é que as decisões sejam mais discutidas para que a gente possa ter um resultado mais eficiente.  

Diego Cerri está de saída do clube, o contrato acaba no dia 31. Você planeja, caso reeleito, contratar um outro profissional para comandar o setor? Qual o perfil desse novo diretor? Não vamos falar de nomes que permaneçam ou não permaneçam nem de nomes que cheguem ou não cheguem até a eleição. Se eu for reeleito, no dia seguinte início o trabalho de reestruturação da diretoria de futebol e começo a falar sobre quem vai ficar, quem não fica e quem vai compor essa diretoria. O diretor de futebol Diego Cerri, de azul, deixará o clube no fim do ano (Foto: Mauro Akin Nassor/Arquivo CORREIO) Durante a campanha em 2017, você falava muito sobre o perfil de jogador de 'barriga vazia', mas ao longo dos três anos o Bahia acabou mudando esse perfil. Agora, qual vai ser o perfil das contratações? Eu discordo que a gente mudou o perfil. Continuamos trazendo jogadores jovens, o próprio elenco atual mostra isso. Nenhum elenco vai ser formado apenas por jogadores de “barriga vazia”. Quando a gente fala que não vai priorizar jogadores de “barriga cheia” é porque achamos que o elenco fica muito mais competitivo quando jogadores mais experientes servem para uma coluna vertebral, mas não são maioria do time. A gente não abusou de jogadores mais experientes, o que se viu foi que em alguns casos jogadores experientes não renderam e isso acaba marcando de forma mais acintosa. Nós vamos continuar com a formação de um elenco com características diferentes. O que precisamos é errar menos nas escolhas desses jogadores. 

Outro setor bastante criticado é a base. Quais são os seus planos para a formação de atletas do clube nos próximos três anos? Diferente do futebol profissional, que eu acho que a gente precisa de uma mudança de rumo significativa, a base já tem uma linha condutora clara. Acontece que os resultados são de longo e médio prazo. Quem entender que divisão de base dá resultado de curto prazo certamente está iludido ou iludindo. Temos uma estrutura específica na base que não depende de quem esteja na coordenação, não é mais baseada em projetos pessoais ou de valores individuais. A base do Bahia caminha avançando independente da presença de A, B ou C. Hoje a estrutura da base é outra no CT Evaristo de Macedo, tivemos um avanço grande na parte de psicologia, metodologia, nos núcleos de iniciação - sub-13, sub-11, que não existia -, montamos o time de transição que é um projeto forte e vai ser ainda mais fortalecido. Mas temos muito para avançar, principalmente nos jogadores de 16 a 20 anos, que chamamos de pré-prontos. Vamos fazer no próximo triênio esse avanço com mais agressividade. Vamos dobrar o número de células de captação, que hoje são 10 e vão passar para 20, ampliaremos o núcleo de observação e também de iniciação, que é onde observamos os verdadeiros talentos acima da média.

O futebol feminino vai continuar tendo espaço no clube? O time decide o acesso no Brasileirão nesta sexta-feira, contra o Fortaleza. A gente tem muita expectativa no jogo das quartas de final, se a gente avançar vamos subir de divisão. Isso é muito importante, mas não é determinante para que o investimento continue. Se a gente não conseguir esse ano, vamos tentar outra vez ano que vem, ampliando ainda mais o investimento e nossa dedicação. O futebol feminino vai continuar numa crescente. O nosso plano de gestão para o próximo triênio inclui a construção do alojamento feminino no CT e isso vai ser muito importante para outros mecanismos que pretendemos implementar da presença feminina no Bahia. Já conseguimos avançar com a presença da mulher no estádio, em outros setores, para deixar claro que esse não é um clube masculino. A gente quer fazer um triênio que tenha atração das mulheres para o plano de sócios, ao estádio, Conselho Deliberativo, para fazer muito mais como clube.

O contrato entre Bahia e Fonte Nova encerra em abril. Como você analisa a atual relação do clube com a Fonte Nova? Pretende mudar algo nessa relação? Eu já tive a experiência de discutir o contrato anterior com a Arena e também discutir o aditivo desse contrato. Posso dizer que a Fonte Nova foi determinante nas metas que estabelecemos no plano de sócios, atingimos a marca histórica de 45 mil sócios, quando eu entrei eram apenas 14 mil, e eu tenho certeza que esse novo contrato que vai ser discutido, é um contrato que vai ser determinante para a recuperação do quadro de sócios do clube e para que a gente consiga chegar e ultrapassar a marca tão sonhada de 40 mil sócios. O contrato com a Fonte Nova também pode ir além. Importante lembrar que estamos à beira de inaugurar o museu do Bahia e queremos transformar o espaço como grande centro turístico para quem visita Salvador, e para que a nossa torcida se orgulhe do que está ali.

Durante a pandemia, o Bahia acabou perdendo uma parcela significativa de sócios. Quais os planos para o sócio torcedor? Haverá alguma reformulação no programa? Somos muito inquietos em relação ao plano de sócios, essa inquietude que gerou o crescimento tão grande desse projeto. Se não fosse a pandemia, o Bahia estaria faturando quase R$ 40 milhões com plano de sócios em 2020. Ou seja, virou um ítem muito importante do nosso orçamento, responde por cerca de 25% da nossa receita. O nosso projeto é que cada vez mais o plano de sócios se aproxime da receita de televisão. Isso é muito importante, o projeto que temos para o próximo triênio é transformar o plano de sócios na principal receita do clube. Isso requer, primeiro, a recuperação, com muita criatividade e inovação, trazendo mais vantagens para os sócios. Vamos precisar, na hora da volta do público aos estádios, ser ainda mais criativos para fazer o plano novamente uma grande referência.

Hoje a principal receita do Bahia é oriunda dos contratos de televisão. Quais são as suas propostas para aumentar a arrecadação geral do clube nos próximos anos? Quando a gente aposta nesse modelo de crescimento da base e utilização de jogadores jovens a partir do time de transição, naturalmente vamos acreditar e propor o crescimento de receitas a partir da venda de atletas. Já conseguimos esse crescimento no último triênio. Em 2017 o Bahia vendeu R$ 3 milhões em atletas, em 2018 vendemos R$ 25 milhões e em 2019 vendemos R$ 35. Então, já houve um crescimento significativo e é um dos itens que eu considero como relevante no aumento das receitas. O outro é a parte de setreaming e direitos de televisão.  Além disso vamos implementar projeto de crescimento de receitas complementares, como as escolinhas do Bahia, com uma meta de ter dois mil alunos até o fim do próximo triênio, a marca Esquadrão, licenciamento de produtos etc.

Temos como planejamento usar o Campeonato Baiano como modelo para o início de transmissões próprias no clube dentro do sócio digital, mas isso não significa que não iremos fazer parcerias com as televisões. É possível que alguns jogos do Bahia sejam transmitidos em TV aberta se a TV pagar bem por isso. Acreditamos em um modelo híbrido em que o torcedor poderá acompanhar no aplicativo e também na TV, quando houver o pagamento justo desse produto. Isso só o embrião do sócio digital que vai ser importante lá em 2025, quando se encerram os contratos do Campeonato Brasileiro.  

Atualmente o Bahia aguarda propostas para vender o Fazendão. Caso eleito o que você pretende fazer com esse equipamento? Logo após a eleição vamos apresentar o Conselho Deliberativo uma proposta de venda do Fazendão, mas infelizmente, pelo que foi feito no clube até 2013, o acúmulo de dívidas e a situação agravada pela pandemia, a nossa proposta é de que o dinheiro arrecadado com a venda seja alocado no pagamento de dívidas. O ideal é que fosse investido em patrimônio, mas como conseguimos construir um novo equipamento, entendemos que o momento é para o pagamento de dívidas.  

Durante a sua gestão o Bahia ganhou notoriedade por promover ações afirmativas, mas em momentos de derrota esse posicionamento foi bastante criticado. Reeleito, o Bahia continuará levantando essa bandeira? Eu não vi uma crítica grande, mas uma crítica barulhenta. O que não quer dizer que aqueles que estavam reclamando sejam maioria. Temos pesquisas recentes sobre o Núcleo de Ações Afirmativas que mostram a aprovação de quase 90% da torcida. É importante dizer que a torcida aprovou o que nós apresentamos e o NAA vai além de trazer visões políticas sobre temas sociais, ele faz integração com o nosso torcedor. O nosso torcedor tem se identificado e se sente representado.

Você vê o Bahia em qual patamar hoje e onde o clube pode chegar em três anos? Pegamos um Bahia que veio se organizando desde 2014, 2015, a organização anterior foi fundamental, e nós elevamos o clube para um patamar médio economicamente e de resultados esportivos no futebol brasileiro. O que precisamos no próximo triênio é começar a nos aproximar do topo do futebol brasileiro. Economicamente, é um desafio enorme. Estamos no Nordeste, com um PIB baixo, uma cidade que tem um PIB per capita também baixo, mas o nosso desafio é ser criativo e entender que o destino do Bahia não é ser um clube médio do futebol brasileiro. Com essas mudanças e acertos, os resultados esportivos médios também vão mudar.