Homenagens a Zumbi dos Palmares marcam Dia da Consciência Negra em Salvador

Movimentos se reúnem para combater racismo e pregar igualdade

  • Foto do(a) author(a) Yasmin Garrido
  • Yasmin Garrido

Publicado em 20 de novembro de 2018 às 11:42

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Evandro Veiga/CORREIO

Catarinense, professor e militante do movimento negro, Marcos Caneta veio pela quarta vez a Salvador e decidiu acompanhar a 10ª edição da lavagem da estátua de Zumbi dos Palmares, na Praça da Sé, que marca o início das homenagens ao Dia da Consciência Negra em Salvador.

“Essa data é uma tentativa de reencontro da história do país, porque não representa somente uma referência a um líder negro assassinado, mas, sim, a ressignificação da história do povo negro brasileiro, responsável pela construção deste país, submetido a uma escravidão traumática e desumana”, disse ele, em referência ao 20 de novembro.

A lavagem da estátua, este ano, homenageou o mestre de capoeira e compositor Moa do Katendê, militante do movimento negro morto durante uma discussão política no dia 8 de outubro em um bar em frente ao Dique do Tororó. Com o tema “Rebele-se contra as opressões – Moa do Katendê vive!", as dezenas de pessoas, vestidas de branco e amarelo, também lembraram da memória da vereadora Marielle Franco, assassinada em março no Rio de Janeiro.

O evento foi realizado pela União de Negros pela Igualdade (Unegro), em parceria com organizações de movimentos sociais, e contou com o apoio da Associação Classista de Educação e Esporte da Bahia (Aceb) e da Secretaria de Trabalho, Emprego, Renda e Esporte do Estado (Setre).

Leia também: Eventos marcam Dia da Consciência Negra na Bahia; veja programação

Para a presidente do Unegro, Ângela Guimarães, “o dia de hoje é uma reafirmação da força do povo negro, que é maioria na população baiana e brasileira e, mesmo assim, sofre com todo o preconceito social e institucional”. Ela ainda acrescentou que, mesmo após 130 anos da assinatura da Lei Áurea, o povo negro não se libertou, porque ainda sofre com o preconceito e a desigualdade.“Esse evento é uma conquista do movimento negro, porque, se observarmos direito, em nossa cidade, são poucas as menções, nomes de ruas e praças que reverenciam a memória de pessoas negras que ajudaram a construir o país. É como se a população fosse invisível”, disse.Ângela Guimarães também mencionou a força do movimento em 2018. “Agora, mais do que nunca, todos os povos precisam se unir, não só os negros, porque são tempos de intolerância e um conservadorismo jamais vistos”.

Sem feriado Para o professor Marcos Caneta, é incompreensível a data não ser feriado na capital baiana. “Eu sou negro e venho de uma cidade onde os negros são invisíveis, de fato, minorias, em números absolutos. Mas, em Salvador essa realidade é outra. Aqui é uma das cidades do mundo com maior população negra”, declarou.

O professor também destacou que, no caso de Salvador, a informalidade da população negra é ainda mais evidente do que em outras partes do país. “Eles [os negros] foram os responsáveis pelo crescimento econômico do Brasil, mas não colheram os frutos deste trabalho. Aqui essa desigualdade ainda é maior e tem mais destaque do que em outras cidades”, afirmou.

A titular da Secretaria estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), Fabya Reis, que também compareceu ao evento, declarou que “a luta do povo negro é diária, assim como as conquistas”.Para a secretária, “é preciso continuar buscando o reconhecimento dos direitos da população negra e a criação da Lei 12.519/13 é apenas um pedaço dessa conquista”.E teve povo de axé também na caminhada. A produtora cultural e membro do Afoxé Akará, Natali Conceição, afirmou “a importância do evento está na própria homenagem a Zumbi dos Palmares, que foi um dos principais representantes de nossa luta, que é de conscientizar o povo quanto a nossa matriz [africana]”.

Os festejos em homenagem a Zumbi dos Palmares e ao Dia da Consciência Negra continuam durante toda esta terça-feira, com eventos em diversos pontos de Salvador e uma caminhada do Campo Grande até a Praça Castro Alves.

Desproporção Apesar da intensa agenda de eventos que marcam o dia 20 de novembro, principalmente em Salvador, as reflexões sobre o combate ao racismo vão além da data que marca a morte de Zumbi.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados na última Pnad Contínua, 80% da população da capital baiana é composta por pretos e pardos, ou seja, por negros, somando 2,4 milhões de pessoas. Esse número dá à cidade o posto de capital negra do país.

Apenas como comparação, a média nacional da população negra no país é de 55,4%, de acordo com o órgão. No entanto, mesmo sendo maioria, a população negra de Salvador ocupa a primeira colocação em outro fator: o da desigualdade salarial.

Dados da Pnad apontam que, na média dos três trimestres de 2018, o rendimento dos trabalhadores que se declararam de cor preta ficou em R$ 1.640 na capital baiana, o equivalente a 1/3 do que ganhavam os trabalhadores que se declararam brancos - R$ 4.969. Essa é a maior diferença salarial entre as capitais brasileiras.

No cenário nacional, no mesmo período, os trabalhadores de cor preta tiveram rendimento médio de R$ 1.608, pouco mais da metade do que ganharam os de cor branca, R$ 2.891. Segundo o IBGE, os resultados de 2018 bateram o recorde da série histórica salarial desde 2012.

*Sob a supervisão da chefe de reportagem Perla Ribeiro.