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Vinicius Nascimento
Publicado em 16 de julho de 2020 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Orar, caminhar de forma lenta até uma varandar, cantar e dançar. Ações aparentemente corriqueiras se tornaram um verdadeiro privilégio durante o isolamento social. Mais do que isso, são estratégias para lidar com a solidão e o enclausuramento impostos pela pandemia.>
No entanto, tem gente que fica impedida por um tempo até de conseguir fazer essas ações mínimas. Gente como dona Maria da Conceição, 58 anos, paciente internada com a Covid-19 no Hospital Espanhol - centro de referência no tratamento da pandemia em Salvador. Quando ela conseguiu fazer tudo isso, ainda que nos corredores do hospital, foi uma grande vitória: "Senti a presença de Deus aqui. Me curou! Estou muito alegre, muito feliz da vida".>
Dona Maria precisa ficar isolada de sua família, assim como todos os pacientes do hospital. Pensando na saúde mental de todo o mundo que está internado, o Espanhol está oferecendo sessões de musicoterapia ao ar livre para os pacientes. Elas acontecem nas varandas dos andares, com direito a vista para a a Baía de Todos os Santos.>
O responsável por tocar o projeto é o musicoterapeuta Marcos Barbosa e atua no hospital desde o último mês de maio e avalia como positivos esses quase 60 dias da iniciativa.“O ambiente do quarto, num isolamento, é monótono e triste. Nas varandas daqui, a gente desfruta da oferta natural de uma vista maravilhosa! Os pacientes ficam deslumbrados. Proporcionar um ambiente agradável, melhora bastante o humor de quem está doente”, diz. Os pacientes em condições físicas de andarem pequenos trechos são acompanhados pela equipe de psicologia, durante o passeio à varanda. Muitos deles, se soltam, dançam e se descontraem. Para a psicóloga Jaqueline Amorim da equipe do Hospital Espanhol, que também acompanha a atividade, a vivência musical na varanda funciona como a promoção da empatia, que é sentir pelo outro e se sentir como o outro, sabendo abraçar a alma.>
"Durante a hospitalização os pacientes se veem em um mal estar psicológico muito grande, deixando que eles fiquem fragilizados, com a capacidade de adaptação e reação ao estresse do confinamento bem elevados, produzindo respostas fisiológicas e emocionais que podem impactar no sistema imunológico e na condição do equilíbrio mental para o enfrentamento. Esta vivência traz para o paciente a sensação de bem estar", explica a especialista. Pacientes fazem sessões de musicoterapia nas varandas do Hospital Espanhol (Foto: Divulgação) Coordenadora do Serviço de Psicologia do Hospital Espanhol, Cristiane Dactes explica que a atividade vai além da terapêutica psicológica, porque contribui para ampliar a assistência restritiva ao leito e, em alguns casos, para o desmame do uso do oxigênio hospitalar.>
Muitos pacientes já estão curados e fisicamente prontos para a alta. Mas o medo de voltar a sentir a falta de ar que enfrentou, a dificuldade para respirar, ainda permanece.>
"A insegurança impede que deixem de receber o oxigênio, com tranquilidade, mesmo quando o gás não lhes é mais necessário. Estes passeios e permanência temporária na varanda, observando o horizonte, mostra-lhes que o mundo lá fora os aguarda e que eles já podem retomar suas vidas, de casa", relata.>
Além do apoio para os pacientes, a coordenadora diz que também há uma preocupação em atender os familiares e fazer com que todo o conjunto compreenda que a doença é uma fase, mas que o indivíduo em si não é doente. Essa é uma maneira de motivá-lo a enfrentar o momento de dificuldade e seguir firme para os momentos que virão após a internação.>
Além da musicoterapia, o setor de psicologia também oferece interconsultas, um grupo de desospitalização, o grupo da arte terapia, grupo das visitas virtuais, o pós-luto para a família que sofrer com essa situação.>
"Nós quebramos essa relação dele do isolamento, damos uma condição de pensar fora daquele conteúdo que ele consegue enxergar naquele momento, lembrando que após aquilo ali o processo dele é de vida", diz a coordenadora.>