Iansã é fagulha que habita as esquinas da cidade e faz ferver o dendê

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  • Da Redação

Publicado em 30 de novembro de 2018 às 00:00

- Atualizado há um ano

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A madrugada do dia 4 de dezembro não dorme. Clarões rasgam o céu, estampidos anunciam as portas do mistério que se abrem. Pássaros escarlates recolhem pacientemente a escuridão da noite, para que o dia possa, mais uma vez, descer sobre todas as coisas. Na velha cidade da Bahia, o dia 4 de dezembro não começa, portanto, não tem fim. É fagulha que habita as esquinas da cidade e faz ferver o azeite de dendê, que frita o acará e a gente come, se lambuza. Perfume de almíscar, rajada de vento na Praça da Sé, o olhar do poeta, corpo em estado de samba, a terra que treme dentro da gente, 4 de dezembro é Dia de Iansã e Santa Bárbara, dia alado em que afirmamos a força, a beleza e a vitalidade da mulher insubmissa. Oyá, bela e poderosa, tanto do céu quanto da terra, ela, que anda e também voa, que brada, que berra, que afaga e com a mesma mão empunha a espada, fogo aceso que de amar não se cansa. Santa Bárbara guerreira, pela liberdade, contra o pai se levantou e para fazer justiça os raios a seu favor intercederam, santa que fulmina os injustos. Juntas como as faces de uma mesma moeda, são as santas guerreiras que rasgam o tempo com sua espada anunciando o ciclo de festas e cultos populares da Bahia. Os festejos do dia 4 remontam à existência do Morgado de Santa Bárbara, antigo mercado criado em 1641 no atual bairro do Comércio. A ruína do antigo morgado fez com que a imagem da santa subisse para a Baixa dos Sapateiros, onde ficou até final da década de 90 quanto esse mercado, por sua vez,  arruinou.

A Bahia tem suas fases. A imagem passou então para a Irmandade do Rosário dos Pretos, onde permanece até hoje. Acolhida e cuidada na Igreja do Rosário dos Pretos, o mercado é sua verdadeira casa. Quando os anos 2000 chegaram soprando novos ventos uma capela foi construída para as santas no mercado da Baixa dos Sapateiros. Obra e graça de Dona Isabel, devota abnegada que mantém a tradição da festa no mercado, exatamente como começou, lá naquele século atrás. Ela é quem diz: Iansã é tempo e é vento minha filha, eu digo: tempo é nuvem condensada como o céu de chumbo de Iansã. Hoje é ontem, é sempre. As pedras das ladeiras do Pelourinho são testemunhas. Por ali passam todos os dias pessoas que carregam a centelha e o vigor da luta contra o estado de opressão que nos vem sendo imposto há séculos.

Existimos, estamos aqui e a encruzilhada é nosso campo de batalha. Daqui não sairemos. É isso que Iansã e Santa Bárbara vêm anunciar quando se juntam a suas filhas e filhos em cortejo no dia 4 de dezembro. De vermelho por dentro e por fora saímos saltando, ventando, relampeando, pagando promessa, sambando, celebrando as vitórias (estamos vivas!), se entregando às paixões, à volúpia e às alegrias da vida, somos o que somos e isso não vão nos tirar. Terreiro de Jesus, Praça da Sé, Ladeira da Praça, no Batalhão do Corpo de Bombeiros, a santa entra para ser saudada e nós, povo de vermelho, incendiamos os ânimos sob as águas fortes que caem da mangueira tornada céu. Viva Santa Bárbara protetora! Enfim a procissão chega ao mercado. Os clarins na porta anunciam. É lá que está o fundamento da festa, é ali que a capela se enfeita para que,  altivas, as santas recebam seus filhos entre risos, lágrimas, preces, promessas, ali onde tocam os atabaques, onde já não sou ninguém, ali, Aruanda. Caruru, samba de roda, a festa não tem hora pra terminar. Maiores são os poderes do povo, disso não há dúvida. E por isso a festa no mercado segue acontecendo a despeito da falta de apoio institucional. As instituições têm seus métodos, seu tempo não é aquele de agora, parece o tempo do nunca. Não há como dizer à flor da capela que desabroche com 60 dias, nem ao couro do atabaque que faça tremer os corpos 7 dias depois, o apoio precisa vir a tempo e hora de realizar a festa, e por isso nos juntamos a Dona Isabel, filhas, filhos, devotos e amantes da festa das lindas santas para promover um bingo no sábado, dia 1º de dezembro, no Mercado de Santa Bárbara, com o objetivo de arrecadar fundos para a festa no dia 4. Feijoada, samba de roda, prêmios especiais e,  o mais importante, a presença e colaboração para uma das maiores festas da Bahia.  Bingo das Santas, 1º de dezembro no Mercado de Santa Bárbara na Baixa dos Sapateiros. Compareça! Colabore! Viva!

Tenille Bezerra é poeta

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