Idoso morto em Quilombo havia denunciado vizinho por roubo de R$ 5 mil

Crime aconteceu no Quilombo Rio dos Macacos; agressor usou machadinha da vítima e levou boletim de ocorrência de roubo

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  • Bruno Wendel

Publicado em 27 de novembro de 2019 às 15:58

- Atualizado há um ano

(Foto: Bruno Wendel/CORREIO) Antes de ter o rosto desfigurado quando atacado com uma machadinha, levando-o à morte imediata, o idoso José Isídio Dias, 89 anos, denunciou à polícia um vizinho, no Quilombo Rio dos Macacos, em Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), pelo roubo de R$ 5 mil de sua casa. A família não tem dúvidas que a crueldade do ataque tem relação com o registro da ocorrência feito pela vítima na 8ª Delegacia (CIA). 

“Se a polícia tivesse apurado o roubo no dia, ele não estaria desse jeito. Quem fez, fez com muita raiva. A tampa do caixão teve que ser fechada porque pinicaram o rosto dele todo”, disse um dos parentes ao CORREIO, durante o velório de José Isídio, realizado na manhã desta quarta-feira (27), no cemitério do Campo Santo, no bairro da Federação – o enterro está marcado para as 16h.

Ainda de acordo com o familiar, José Isídio vinha sendo ameaçado de morte. “Depois que ele foi à polícia denunciar o roubo, ele revelou que era ameaçado. A gente perguntava por quem e ele apenas dizia: ‘Por um vizinho, mas deixa lá, Deus vai dar o dele’”, contou o parente, que prefere não ser identificado. 

A Polícia Civil informou que os investigadores trabalham com duas linhas de investigação: latrocínio (roubo seguido de morte) ou vingança. A hipótese de disputa por terra é remota, mas não foi descartada. O caso está sendo investigado pela 22ª Delegacia (Simões Filho). Familiares de José Isídio e vizinhos serão ouvidos nos próximos dias.  

O Ministério Público Federal (MPF) informou que o procedimento que dá início à investigação já foi distribuído e, “como está em fase de apuração, não serão divulgadas mais informações”.

A Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE-BA) informou, através da promotora Lívia Almeida, que vai acompanhar o inquérito policial. "Quando aconteceu (o homicídio), nós fomos contactados, agilizamos a ida da polícia, falam com a Secretaria de Segurança Pública para as aurtoridades irem lá no local para fazer as perícias. Além disso, a gente já tem atendido a comunidade na parte cível, de politícas públicas para poder verificar as demandas de saúde, educação, saneamento básico, transporte. A nossa Ouvidoria Cidadã também esteve presente no local", disse a promotora.

A Defensoria Pública da União (DPU) também está acompanhando o caso, através do Defensor Regional de Direitos Humanos Vladimir Correia. Em nota, o órgão afirmou que, desde o ocorrido, está em contato com membros da comunidade e movimentos sociais para acompanhar a repercussão. "A DPU, em conjunto com a DPE, irá acompanhar de perto o inquérito para garantir que seja realizada uma investigação eficiente sobre o caso".

A Secretaria de Promoção da Igualdade (Sepromi) tomou conhecimento do caso e disse que está dando suporte aos familiares.

Roubo José Isídio morava no Quilombo Rio dos Macacos há mais de 50 anos, numa terra superior à medida de um campo oficial de futebol (120 metros). Ele recebia uma aposentadoria e havia juntado R$ 5 mil para montar uma serralheria para o filho caçula de 23 anos, que é marceneiro – a vítima deixou seis filhos, frutos de duas relações, além de netos e bisnetos.

No dia 12 de outubro, José Isídio saiu de casa e, ao retornar, notou que a janela estava aberta. “Quando entrou, ele viu vários objetos revirados, inclusive o colchão, local onde guardava os R$ 5 mil. Quando nos contou sobre o roubo, ele já falava que o ladrão havia sido um vizinho. Então, ele foi à delegacia e fez a denúncia”, contou o parente.   

Ameaça Logo após, José Isídio passou a ser ameaçado de morte e a família resolveu agir. “Ele não dava detalhes das ameaças, pois temia que algo acontecesse com a família. Dizia: ‘Deixa prá lá, não quero vocês envolvidos com ele (vizinho). Então, uma das filhas passou a morar com ele, na tentativa de evitar o pior”, disse o parente. 

Antes de a filha ir morar com o pai, José Isídio passava a maior parte do tempo sozinho. Isso porque a atual mulher mora no bairro de Valéria, em Salvador, junto com outros filhos do casal. “Eles (filhos) fazem faculdade à noite e a volta para o Quilombo é perigosa pelo fato de o local ser muito deserto”, complementou o parente. 

Crime O idoso dormia sozinho em casa quando foi brutalmente assassinado. O algoz esperou a filha sair apara atacá-lo. “Na segunda, ela havia optado por dormir na casa dela. À noite, ela ligou para ele para desejar ‘boa noite’: ‘Pai, amanhã cedo, quando acordar, nos falamos, certo?’. Só que ele dormiu e não mais acordou”, contou o familiar. 

O criminoso entrou pela janela e desferiu os golpes usando uma machadinha que a vítima usava para descascar dendê. Parentes foram informados do crime através de outros quilombolas. “Da janela escancarada dava para ver o corpo dele do quarto. Embaixo da cama havia uma poça de sangue. Levaram ferramentas dele da serrilharia que pretendia montar para o filho, comida e o boletim de ocorrência do roubo que ela havia registrado. Tentaram levar a televisão, mas desistiram. O aparelho é pesado. É do tipo daqueles analógicos, com o fundo grande. Estava fora do lugar”, detalhou.

Discussão O idoso havia discutido duas vezes esse ano com um vizinho por conta de terra. “As duas cercas são coladas e em duas ocasiões ele brigou o vizinho que tentou reduzir a extensão da terra dele, diminuindo a cerca. José Isídio era calma, mas não gostava de injustiças”, disse a fonte. 

Apesar de a região ter disputa de terra, a família acredita que esse não foi o motivo. “A gente não tem dúvida que o caso está relacionado ao roubo, uma vingança por causa da denúncia”, acrescentou.