Imóveis são abandonados em condomínio vizinho a local da chacina do Cabula

Moradores denunciam medo diante de traficantes e contam que após a chacina, há sentinelas armados

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  • Bruno Wendel

Publicado em 18 de setembro de 2018 às 04:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Mauro Akiin Nassor/CORREIO
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Avisos de "vende-se" e "aluga-se" se espalham pelos três condomínios (Foto: Mauro Akiin Nassor/CORREIO) À primeira vista, as placas de “vende-se” e “aluga-se” espalhadas em condomínios residenciais que margeiam o Horto Florestal de Mata Escura podem nem chamar a atenção. Mas, do lado de dentro, cresce o número de apartamentos abandonados, à espera de compradores. Três anos após a Chacina do Cabula – em que 12 pessoas foram mortas por policiais militares, em fevereiro de 2015 –, os imóveis do entorno são oferecidos a valores abaixo do mercado - mesmo assim, não se acha compradores. Por conta do tráfico de drogas que toma conta da região, há pelo menos dez imóveis vazios.   Aproximadamente 2 mil metros quadrados de Mata Atlântica separam a Vila Moisés, palco da chacina, dos condomínios Morada do Sol, Recanto Verde e Santa Edwiges. Dentro do trecho da área de proteção ambiental estão o Centro de Triagem de Animais Silvestres do Ibama em Salvador (Cetas) e uma comunidade instalada há pouco mais de dez anos e que, atualmente, é controlada pela facção Bonde do Maluco (BDM).

Nesse cenário, os moradores têm sofrido com constantes troca de tiros da facção com grupos rivais e com a polícia. Alguns dos moradores mais antigos foram obrigados a abandonar seus apartamentos após ameaças de morte pelos traficantes. Outros tiveram os imóveis invadidos pelos criminosos. Já quem alugou, deixou o locador a ver navios após um tiroteio na porta de casa.  Morador do Santa Edwiges conta que família deixou imóvel um mês depois de alugar por conta de troca de tiros (Foto: Mauro Akiin Nassor/CORREIO) Desvalorização Segundo moradores, por conta da insegurança, é difícil vender apartamentos nos três condomínios. “Os imóveis estão sendo vendidos por R$ 120, R$ 100, até R$ 90 mil, quando estão avaliados em R$ 150 mil.. Mesmo assim ninguém quer comprar. Quando sabem que nessa região tem tiroteio constante, desistem na hora e quem fica no prejuízo somos nós”, disse um morador do Santa Edwiges, sob anonimato.

“Não conseguimos vender os apartamentos e ficamos sem rumo, porque somos obrigados a conviver com essa violência. Nos três condomínios somam uns dez apartamentos abandonados”, completou o morador, que teme represálias do BDM.   Por telefone, o CORREIO conversou com o dono de um dos imóveis abandonados. O apartamento 201 do Edifício Flamboyant está fechado há três anos, desde que foi posto à venda no Recanto Verde.  O proprietário, um ambientalista, mora hoje em Sergipe. “Tive que sair de lá por conflito com a marginalidade que domina o conjunto. Temia pela minha vida”, disse.   Ele contou que certa vez foi reclamar com um grupo de rapazes ligados à facção. “Eles faziam uma bagunça na rua, com som alto de um carro, ninguém conseguia dormir. Pedi para parar e eles me mandaram para a p*. Não aceitei e fui até eles. Eram cinco. Um deles partiu para cima, dei um soco nele. Um comparsa tentou me atropelar com o carro, mas consegui correr”, contou.

Depois da confusão, ele ficou no condomínio por quatro meses. “Andava armado para cima e para baixo. Sabia que queriam me pegar. Foi quando decidi não mais viver nesse terror”, relatou. Ambientalista se mudou depois de ser perseguido e ameaçado por integrantes de facção; um dos imóveis à venda é dele (Foto: Mauro Akiin Nassor/CORREIO) O apartamento está à venda por R$ 120 mil, tem 3/4, área de serviço, varanda e garagem. “Todo mundo sabe que o Recanto Verde está rodeado de invasões e perdeu o valor financeiro, mas não vou baixar mais. É um bem que investi muito e com sacrifício. Está todo reformado. Espero que a polícia e a Justiça resolvam”, desabafou. O CORREIO procurou imobiliárias. Um dos corretores disse que “é um problema de segurança pública que atinge o mercado”. Outros dois disseram desconhecer o problema. Há seis meses, inquilinos de um apartamento abandonaram o local após uma troca de tiros. Segundo moradores, traficantes do BDM instalados na comunidade que se formou na área ambiental revidaram o ataque de uma facção rival. O confronto levou até o local equipes da PM.

“Os tiros começaram na mata e se estendeu para dentro do condomínio. A família que alugava o apartamento há um mês ficou horrorizada porque os tiros foram perto da janela. No dia seguinte, deixaram o imóvel”, contou um morador do Santa Edwiges.

Chacina Outro ponto levantado por moradores dos três conjuntos é que traficantes reforçaram a segurança no entorno da invasão. Sentinelas da facção ficam de prontidão 24 horas para evitar nova ação da polícia como a que resultou na chacina do Cabula.

“São homens armados com escopetas, pistolas e até fuzis espalhados na mata. No dia da chacina, parte do grupo de policiais chegou à vegetação pelo Recanto Verde. Apesar do ocorrido ter sido em Vila Moisés, os traficantes do BDM não querem a mesma surpresa”, contou um morador do condomínio Santa Edwiges.

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Denúncia Segundo moradores, a situação já foi denunciada à Polícia Civil. Mas, por meio de nota, a assessoria da PC informou que não há nenhum registro de ocorrência na 11ª Delegacia (Tancredo Neves). Já o Departamento de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco) “recebeu, via Disque-Denúncia, informações acerca da atividade criminosa naquela região. Equipes das duas unidades realizam incursões e ações preventivas, regularmente, naquela área para combater o tráfico de drogas”.

Como se trata de uma área federal, uma vez que a vegetação é de responsabilidade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), os moradores fizeram também denúncia da situação ao Ministério Público Federal (MPF). A responsabilidade foi repassada para o Ministério Público da Bahia (MP-BA), já que o MPF alegou não ter competência para apurar crimes ambientais e de tráfico de drogas na região. Ao CORREIO, o MP-BA informou que a denúncia chegou no dia 31 de agosto à promotora Ana Paula Limoeiro, da Vara Criminal de Tóxicos. A promotora, por meio da assessoria, disse que o MP-BA investiga a situação e que avaliará a medida cabível que poderá ser adotada. Segundo moradores, invasão dentro de reserva ambiental é controlada pela facção Bonde do Maluco (Foto: Mauro Akiin Nassor/CORREIO)   Medo afeta equipe do Cetas, do Ibama Um morador de um dos três condomínios que margeiam o Horto da Mata Escura denunciou que funcionários do Ibama não querem ser transferidos para o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), vizinho ao local. “A fama daqui já chegou nas unidades do Ibama”, relatou. O CORREIO conversou por telefone com um funcionário do Cetas, que confirmou a situação.

“A segurança é muito precária e por isso funcionários de outras unidades do Ibama não querem vir. A área é muito perigosa. Recentemente, há dois meses, soubemos da morte de três pessoas e foi um período de todo mundo chegando e saindo do trabalho com muito medo. Me sinto inseguro. Com a tamanha violência aqui no entorno, não existe uma sensação de segurança”, relatou. O Cetas abriga animais recolhidos pelo Ibama por serem mantidos de forma ilegal.

Ainda de acordo com a fonte, o Cetas tem segurança patrimonial, mas “são poucos que só atendem às demandas internas”.  Também por medo, ele preferiu não revelar o nome.

Além da insegurança para os funcionários, moradores contam que um macaco da espécie Bugio teria sido baleado durante uma troca de tiros entre traficantes rivais.  O animal ficava na copa das árvores, ainda dentro da área do Cetas, e teria sido atingido por uma bala. “Todo mundo sabe. Era um casal. Um dos animais foi atingido e nunca mais foi visto. Eles (traficantes) invadiram a área e pegaram o animal para não chamar a atenção das autoridades”, disse o denunciante.   Os traficantes também estariam pegando animais da mata para vender ou fazê-los de mira. “Quando não capturam os micos para vender na Feira de São Joaquim, matam eles fazendo tiro ao alvo. Além disso, chegam ao cúmulo de comerem como aperitivo nos churrascos répteis como camaleão, teiú, jiboia e outros”, relatou o denunciante.   O CORREIO checou essas informações com funcionários do Cetas. Em relação aos macacos, os funcionários disseram que sempre existiu apenas um único Bugio e que ele se encontra no centro. Já sobre os outros animais, disseram que não é possível ter o controle, já que eles estão fora da área de delimitação do Cetas. Chacina do Cabula aconteceu na Vila Moisés, vizinha aos condomínios (Foto: Evandro Veiga/Arquivo CORREIO) STJ ainda analisa federalização do caso Cabula Este ano, a Chacina do Cabula foi marcada por uma reviravolta. A Primeira Turma da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia anulou o julgamento que inocentou, em julho de 2015, os policiais militares envolvidos na morte de 12 pessoas na comunidade da Vila Moisés, no Cabula, em fevereiro daquele ano.

No dia 4 de setembro, os desembargadores acataram um pedido feito pelo Ministério Público Estadual (MP-BA) para recorrer da decisão da juíza Marivalda Almeida Moutinho, que livrou dez PMs – até um que não era investigado.

A juíza usou como base para a decisão um inquérito do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, que concluiu que houve confronto e que os PMs agiram em legítima defesa. 

Em junho de 2016, o  então procurador-geral da República Rodrigo Janot pediu a federalização do caso. Segundo o Ministério Público Federal, o pedido continuará tramitando no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Foram denunciados pelo MP-BA o subtenente Júlio César Lopes Pitta, os soldados Robemar Campos de Oliveira, Antônio Correia Mendes, Sandoval Soares Silva, Marcelo Pereira dos Santos, Lázaro Alexandre Pereira de Andrade, Isac Eber Costa Carvalho de Jesus e Lucio Ferreira de Jesus e o sargento Dick Rocha de Jesus. 

Na ação, morreram Adriano de Souza Guimarães, Jeferson Pereira dos Santos, João Luís Pereira Rodrigues, Bruno Pires do Nascimento, Vitor Amorim de Araújo, Tiago Gomes das Virgens, Caique Bastos dos Santos, Evson Pereira dos Santos, Agenor Vitalino dos Santos Neto, Natanael de Jesus Costa, Ricardo Vilas Boas Silva e Rodrigo Martins Oliveira.