Kimbundu: conheça o idioma angolano que deu origem a palavras como samba e moleque

Baiano Niyi Monanzambi é um dos únicos fluentes do idioma no Brasil e conta detalhes sobre a história da língua

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 19 de setembro de 2022 às 06:30

. Crédito: Foto: Divulgação

Setembro é mês de dar e receber caruru. Essa é a palavrinha mais falada Bahia afora durante esses trinta dias. Uma coisa sobre o caruru que pouca gente sabe é que sua origem está no kimbundu,  língua falada em Angola e que é muito importante para o repertório linguístico do Brasil.

Professor falante de 13 línguas e fundador da escola Kalunga Idiomas e Experiências, Niyi Monanzambi foi o responsável pela tradução do português para o kimbundu  na minissérie Independências, do  diretor  Luiz Fernando Carvalho. 

A obra, lançada pela TV Cultura,  nasce com a ideia central de reivindicar a participação de um enorme conjunto de saberes, culturas, subjetividades e personagens que foram postos à margem ou que, violentamente, foram apagados pela história contada sobre a luta pela emancipação brasileira.

O kimbundu foi fundamental para a construção dessas narrativas pretas ao redor e dentro da história da Independência do Brasil. Monanzambi conta que o idioma é um dos que foram proibidas pelos portugueses de serem falados em Angola, mais especificamente na região de Luanda, Catete, Malanje e as áreas de fronteira no Norte.“É uma língua muito pouco explorada até por conta do fato de ser uma língua da capital de Angola. Aquela região, a Centro-Norte, é a porta de entrada do país e onde Portugal proibiu as línguas africanas de serem faladas. A língua da capital, portanto, foi muito reprimida”, explica. 

Monanzambi conta que ainda há muita gente que fala kimbundu, mas de uma maneira velada porque é uma língua muito estigmatizada. “Quem fala kimbundu é visto como quem não é escolarizado, não tem modos, não tem educação formal, quem não fala a língua portuguesa. É automaticamente colocado como um matumbo,  pessoa do mato. É muito complicado por lá e isso também dificulta o acesso à informação”, diz.

O fato de falar 13 línguas com fluência foi um facilitador para Monanzambi se aprofundar no kimbundu, idioma que conheceu há oito anos, graças a amigos angolanos. O contato se deu após estudar outras línguas africanas, como o iorubá, durante sua graduação em Letras com Chinês na USP (Universidade de São Paulo).“Um deles me abriu os olhos em relação ao fato que a gente dá muita visibilidade ao iorubá, mas tem outras línguas mais importantes para a história do Brasil como um todo. Aí, parei pra pensar um pouco mais nisso e enveredei por esse caminho de maneira mais formal”, lembra.Os anos de estudo fizeram com que o professor entendesse o quanto da identidade brasileira é forjada pelo kimbundu, idioma que dá nome a um dos nossos maiores patrimônios: o samba. 

Por histórias como essa é que ele comemora tanto o fato do cinema se interessar por falar dessa importante origem linguística de nossa história. Em Independências, o kimbundu é como se fosse uma língua de narração da série.

“Foi um trabalho de universos distintos. A língua portuguesa é europeia. Como que fala dendê em português? É difícil traduzir isso, um vegetal que é endêmico da África. Quando trazemos dendê, quiabo, maxixe pro Brasil, trazemos essas plantas africanas com suas línguas”, explica.  Ele conta que, por várias vezes, empacava em como traduzir uma palavra ou mesmo um pensamento por não existirem produções textuais que dessem conta do que aquele verbete significa em português. A palavra estupro, por exemplo.“São estruturas, pensamentos que não existem em kimbundu e eu precisava saber como fazer. Para traduzir estupro para o kimbundu foi muito suor para forjar uma coisa que passe a informação e mesmo assim te digo que, com certeza, uma senhora do campo lá de Angola, que não fala português, não vai entender do que se trata porque não é próprio daquela cultura. Foi um trabalho hercúleo, mas gratificante para meu crescimento como profissional da área”, diz.Autor dos livros Kimbundu 1 (2020) e Kimbundu 2 (2021), pela editora Segundo Selo, atualmente, Niyi está escrevendo o terceiro livro da série, que é o suporte didático para o curso oferecido pelo Núcleo Permanente de Extensão em Letras da Universidade Federal da Bahia – Nupel/Ufba, do qual faz parte da coordenação. 

O criador da Kalunga Idiomas e Experiências, que oferece cursos de kimbundu em formato online e atualmente atende alunos de várias partes do mundo, coleciona uma vasta experiência em docência e pesquisa em línguas africanas, que envolvem universidades nacionais e internacionais, participação em congressos e vivências em terreiros de candomblé.