Laboratórios de fabricação digital incentivam o empreendedorismo

Em São Paulo há 12 Fab Labs que conectam o cidadão com o futuro 4.0

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  • Andreia Santana

Publicado em 15 de julho de 2018 às 05:54

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação/SMIT

A ex-diarista Amélia de Souza Pereira nunca imaginou que tinha um lado inventora até precisar substituir os movimentos de sua mão esquerda, perdidos após um acidente de trânsito. A mão humana tem 27 ossos. O utensílio criado por ela para substituir o membro paralisado, uma boleira, tinha 64 peças e levou 12 horas para ser impresso em 3D e montado. 

O objetivo da engenhoca, criada em 2016, era fixar uma vasilha enquanto Amélia usava a mão boa para despejar a massa do bolo na fôrma. Depois dessa primeira experiência, ela passou a criar outros objetos para facilitar sua vida e a de outras pessoas com dificuldades de mobilidade manual. 

Fez tudo no Fab Lab CEU Três Pontes, no Jardim Romano, em São Paulo. O local é um dos laboratórios digitais da rede municipal Fab Lab Livre, implantada pela Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia da Prefeitura de São Paulo (SMIT/PMSP) e gerenciada pelo ITS Brasil - Instituto de Tecnologia Social. 

Ao todo, são 12 espaços semelhantes, onde a inclusão digital já está na era 4.0. Os laboratórios, explica Rita Wu, diretora de Fabricação Digital da SMIT, permitem que pessoas comuns como Amélia, com ou sem experiência prévia, trabalhem para criar projetos e invenções que mudam suas vidas e a própria cara da cidade.

“O uso da internet no Brasil ainda é básico, para leitura de portais, acesso a redes sociais. Muitas pessoas não usam todo o potencial.  Para mim, inclusão digital é desde o acesso facilitado, wi-fi público e terminais, até os Fab Labs, onde além de softwares, se trabalha com hardwares, prototipagem, desenho, corte a laser e impressão 3D”, enumera Rita, que cita ainda que existem 120 pontos de conexão de wi-fi e 134 telecentros em São Paulo para atender ao uso básico do cidadão. Amélia criou uma boleira para suprir paralisia da mão esquerda em um dos Fab Labs Livres de São Paulo (Amanda Perobelli/Estadão Conteúdo) Origem nos EUA

Rita conta que já foram criados ao menos 800 projetos nos 12 Fab Labs paulistas. A rede é a única no país que integra uma política pública municipal e uma das poucas no mundo de uso aberto à população. “Existem alguns laboratórios públicos em Barcelona e Paris, mas a maioria dos laboratórios no mundo são privados”, acrescenta.

O conceito dos Laboratórios de Fabricação nasceu em 2001, nos Estados Unidos, no Massachusetts Institute of Technology (MIT), durante um curso do físico e professor Neil Gershenfeld. A ideia era que os alunos experimentassem máquinas de fabricação digital para criar invenções. Com o sucesso das aulas, criou-se uma rede internacional de Fab Labs. São mais de 500 em todo o mundo, com bases em vários países como África do Sul, Espanha, Holanda, Japão, Peru, França e Austrália.

Segundo a diretora de Fabricação Digital, no Brasil os laboratórios chegaram em 2011 e o primeiro do país foi implantado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). “Existem três modelos de Fab Labs: os privados, de empresas; os acadêmicos, como o da USP, e os públicos, gratuitos e abertos a qualquer pessoa”, define Rita. Curso de corte a laser em um dos Fab Labs (Divulgação/SMIT) Faça você mesmo

Os Fab Labs têm forte conexão com o Movimento Maker, proposta de aprendizado prático usando a tecnologia. Em São Paulo, a maioria dos usuários dos 12 espaços disponíveis tem nos locais o seu primeiro contato com ferramentas de fabricação digital. Por isso, por lá também ocorrem cursos de capacitação. Já foram oferecidos 50, entre corte a laser, modelagem, marcenaria, escaneamento e robótica. “O mais interessante é que são espaços de criação coletiva de projetos. Funciona como um ‘coworking maker’, onde além de ser capacitados no potencial das ferramentas, os frequentadores estabelecem conexões, formam um networking de inventores”, (Rita Wu)Luiz Otávio Miranda, coordenador dos Fab Labs pelo ITS Brasil, acrescenta que nos 12  laboratórios públicos de São Paulo, o cidadão pode desenvolver protótipos inovadores, compartilhar saberes e aprender gratuitamente. O ITS Brasil operacionaliza a rede de laboratórios mediante um convênio com a Prefeitura de São Paulo. 

Segundo ele, nos primeiros 34 meses de execução do projeto 112 mil pessoas foram atendidas, em uma média de 3.290 por mês. Uma nova etapa, de mais 24 meses, acaba de ser contratada. 

SAIBA MAIS SOBRE OS FAB LABS LIVRES SP

Entre os públicos atendidos, cita Luiz Otávio, estão alunos das escolas públicas municipais, estaduais e Instituições de ensino superior públicas ou privadas, professores das redes municipais e estaduais de ensino, trabalhadores autônomos, empreendedores e membros de cooperativas; além de qualquer morador de São Paulo que demonstre interesse pelas tecnologias de fabricação digital e por prototipagem rápida.“A democratização do acesso a tecnologia, ou seja, fazer com que as tecnologias de fabricação digital (impressão 3D, corte a laser, fresa CNC, eletrônica, prototipagem, programação, etc.) sejam realmente acessíveis a todas as pessoas é um dos objetivos mais importantes do Fab Lab Livre SP enquanto política pública” (Luiz Otavio Miranda)Outro objetivo dos Fab Labs é sensibilizar professores e alunos sobre as potencialidades da fabricação digital e da filosofia do faça você mesmo aplicadas à educação. “O aprendizado principal, neste caso, surge principalmente da experimentação, mas também de oficinas e workshops para que se compreendam as possibilidades de criação que cada um tem ao aplicar as tecnologias disponíveis”, acrescenta o coordenador do ITS Brasil, que é estudioso da fabricação digital, políticas públicas e tecnologia social. Estudantes da redes municipal paulista visitam um dos laboratórios (Divulgaçã/SMIT) Os vários projetos desenvolvidos nos espaços ficam registrados em uma plataforma virtual que serve para registrar e divulgar conhecimento e valorizar as criações e inovações que foram feitas nos Fab Labs. No entorno dos laboratórios, criam-se comunidades que permitem o reconhecimento de pessoas de muito potencial, que normalmente ficariam à margem da era tecnológica. 

O universo maker dos laboratórios agrega também pessoas com diferentes histórias e perfis socioeconômicos, dinamizando o potencial criativo e técnicos dos espaços em um sistema de colaboração, explica Luiz Otávio Miranda.

“Empoderamento tecnológico é uma das bases da democratização do acesso à tecnologia, uma vez que esse acesso se dá de forma a gerar criadores e usuários ativos desses recursos e não somente consumidores passivos. A percepção das próprias potencialidades de criar usando as máquinas e ferramentas disponíveis é ponto chave para que as pessoas realmente tenham acesso à tecnologia. Ter uma máquina disponível para uso é somente metade do caminho para que ela seja usada. O conhecimento de como se usa é essencial”, opina o coordenador.