Lideranças do Centro Histórico querem mais participação em projetos públicos

Em debate virtual, moradores da região defendem mais valorização da mão de obra local

  • Foto do(a) author(a) Wendel de Novais
  • Wendel de Novais

Publicado em 9 de setembro de 2021 às 21:07

- Atualizado há um ano

. Crédito: Reprodução

Políticas públicas que viabilizem a moradia digna de quem reside no Centro Histórico de Salvador, segurança, saúde e educação para a região e um diálogo permanente entre quem pensa projetos para o local e quem está lá para realizá-los. Esses foram os principais pedidos feitos ontem no evento virtual Uma Conversa com a Comunidade, que aconteceu nesta quinta (9) e discutiu os desafios da ocupação urbana e da moradia na região. Promovido pelo Instituto ACM e pela Associação do Centro Histórico Empreendedor (ACHE), o encontro reuniu lideranças comunitárias e terá outras três edições nos dias 16, 23 e 30 de setembro.

No primeiro dia de conversa, ficou claro os anseios das lideranças por políticas que pensem o Pelourinho e entorno sem descuidar dos seus moradores. A jornalista Viviam Caroline, atual assessora especial na Secretaria de Políticas para as Mulheres e uma das fundadoras da banda e projeto social Didá, destacou a necessidade de que os passos para o futuro do Centro sejam dados com quem mora lá como prioridade.

"O Centro Histórico foi mantido à custa da vida, do suor e da criatividade das pessoas pretas que ficaram. Porque com o crescimento da cidade, o êxodo de famílias para outras regiões e o abandono da região, quem ficou foi uma população que trabalhou e lutou pela vida aqui. E são essas pessoas que vivem hoje sem política pública, sem a atenção devida”, refletiu. Debate pôs em pauta problemas enfrentados por moradores do Centro Histórico (Foto: Reprodução) Moradia garantida

Além de Viviam, outras três lideranças da comunidade participaram do debate: Jussara Santana, coordenadora da Associação Cultural Aspiral do Reggae; Maura Cristina, militante do movimento de mulheres negras da Bahia, integrante da Articulação Centro Antigo Salvador e coordenadora estadual do Movimento Sem Teto da Bahia (MSTB); e Pró Gecilda, educadora e presidente da Associação de Moradores (Amac). 

Entre elas, um pleito em comum: a garantia de permanência dos moradores que lá vivem e convivem com o medo de ter que deixar suas casas do dia para a noite, como explica Maura Cristina.  "As pessoas não podem viver em sua casa com medo que um oficial de justiça apareça, a qualquer momento, para a retirada. Não dá pra dialogar sem pensar na permanência dos moradores. Estamos falando de moradia, mas também de uma história e uma ligação de um povo que pertence a esse território", disse.

Ainda segundo Maura, há a necessidade evitar a gentrificação da região. "A gente precisa olhar para esse 'revitalizar' que gentrifica. Como revitalizar onde já existe gente? Precisamos rever isso. Quem vai morar? Sempre ouvimos que é para funcionário público, pra quem ganha R$ 4 mil. Isso é uma afronta a essas famílias que aqui vivem", declarou, acrescentando que a região precisa de mais assistência em segurança, educação e saúde. 

Jussara Santana concordou e disse ainda, que, em um lugar movido à cultura, o processo de revitalização e valorização deveria ser pensado com a inserção da mão de obra que mais o conhece. "Aqui é o lugar que tem mais artista, das danças às artes plásticas. Gente que já levou essa arte pra fora. E por que continuamos da forma que estamos? Não temos independência financeira e não há um investimento na mão de obra que tem aqui. Nunca acham que aqui tem uma publicitária, um produtor, uns artistas", disse.  

Solução caseira

A falta de crença na mão de obra criada e formada na região incomoda as lideranças. "Queremos que a luta seja reconhecida. Que os nossos projetos sejam continuados e feitos. Fizemos cursos de capacitação no Senac, temos um centro tecnológico, tudo isso para permanecer aqui e ter mais oportunidades”, contou Pró Gecilda.

A educadora ainda afirmou que está cansada de ver a conversa não se transformar em mudanças reais para a comunidade, que já foi alvo de muitos estudos. "O produto dessa conversa vai ser só mais um livro? Outra pesquisa? Queremos que os nossos anseios sejam ouvidos em um diálogo permanente e que tudo saia do projeto para uma realidade", disse.

Viviam reforçou que quem vive no Centro Histórico tem a capacidade necessária para fazer parte de projetos que otimizem a região, principalmente na questão cultural. "Cansamos de ser fonte, a gente não quer ser fonte de pesquisa. Somos uma comunidade altamente habilitada, academicamente ou não, para fazer a gestão, isso precisa ser dito. Não precisamos de técnicos, nós buscamos as ferramentas e sempre a tivemos”, afirmou.  Viviam garantiu que comunidade está preparada para participar de projetos para o CHS (Foto: Reprodução) Projeto participativo

Quem apoia a inserção da comunidade dentro dos projetos de revitalização e fomento à cultura no CHS é Tânia Scofield,  presidente da Fundação Mário Leal Ferreira (FMLF). Ela assina a coordenação técnica do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) do Município do Salvador /2016. "Como princípio, eu não entendo fazer nenhum projeto para cidade que não seja discutido com a comunidade. Se o projeto é para uma comunidade específica, tem que ser discutido com ela. Porque quem vive, conhece, mora e trabalha tem ciência do cotidiano dali. O projeto precisa unir saber técnico e o saber da vivência", disse.

Para Tânia, essa colaboração precisa estar em todos os âmbitos. "No meu entendimento, isso é fundamental. E, quando falo de participação e construção coletiva, quero dizer uma participação em todas as etapas para que moradores estejam presentes, discutam, entendam, opinem e contribuam para o projeto", concluiu.  Os encontros virtuais como o Uma Conversa com a Comunidade fazem parte do projeto Centro Histórico em Ação – Diálogos. 

*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo