Livros com história da Casa Pia são restaurados e retornam à instituição

Três livros passaram por processo de restauração que durou cerca de seis meses

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 27 de julho de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/ CORREIO

Folhas rasgadas e corroídas, atacadas por fungos e cupins. Era assim que estavam os três livros que integram o acervo da Casa Pia antes de serem devolvidos, nesta segunda-feira (26), após passarem por um processo de restauração que durou cerca de seis meses. O material traz registro de atas das reuniões e também de saída dos órfãos que pertenceram ao antigo orfanato. Os livros devem ser disponibilizados para visitação a partir de setembro. Eles também foram digitalizados e transcritos e poderão ser acessados, já na próxima semana, através do site da Memória & Arte, empresa responsável pela restauração. 

Localizada em frente à Feira de São Joaquim, na Avenida Jequitaia, a Casa Pia carrega uma história de mais de 200 anos. Após funcionar como noviciado de jesuítas e orfanato, hoje abriga uma escola gratuita, em parceria com a prefeitura, para 200 crianças de dois a cinco anos. O casarão, que é Patrimônio Material do Brasil, possui 42 quadros, 10 pianos e cerca de 500 livros. 

Em junho, seis telas foram recuperadas e retornaram ao acervo. As iniciativas de reparo fazem parte do projeto de abertura do local para visitação pública, prevista para setembro deste ano. “Queremos recuperar mais quadros e livros. O objetivo é abrir o equipamento, devolvê-lo para a sociedade para que as pessoas possam conhecer a história da Casa Pia, que faz parte da história da cidade”, diz o Diretor-Geral da instituição, João Gomes.  Atas da mesa administrativa (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Os três livros, escritos à mão em português antigo, foram recuperados através de um projeto da Fundação Pedro Calmon, por meio da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc. O mais antigo deles, que reúne registros de reuniões de 1826 a 1855 é também o primeiro livro de atas do orfanato, fundado em 1825. Ele é assinado pelo escrivão Domingos José Antônio Rebello.

O outro livro de atas traz registro de 1887 a 1909 e é rubricado pelo provedor José Augusto de Figueiredo. Já o terceiro livro, com cobertura de 1869 a 1901, registra a saída dos órfãos em virtude dos despachos da Mesa Administrativa e estatuto da instituição. Em geral, as crianças saíam com empregos ou sob os cuidados de alguém, que se responsabilizava pelo seu sustento. 

A restauradora, Vanilda Salignac Mazzoni, conta que o principal desafio foi o estado de conversação dos livros, bastante degradados. “Eles estavam em avançado estado de degradação, com folhas partidas e já em processo avançado de corrosão, é o que a gente chama de biodegradação material. Eles já tinham sido atacados por fungos e cupins, por exemplo, então já estavam com bastante umidade e cheiro forte e desagradável”, conta. 

O estado dos códices, costurados em formato de livro, foi bastante prejudicado, principalmente, por conta da tinta original utilizada, que provocou a corrosão das páginas. “A tinta é a metaloácida, uma tinta negra bastante utilizada na época. Ela contém ferro, então, com o tempo, oxida e provoca a corrosão do papel”, explica Vanilda. 

A restauradora afirma que o objetivo é realizar a recuperação com o mínimo possível de intervenção no material.“É um ofício muito trabalhoso, bastante delicado, que envolve uma grande responsabilidade e seriedade. Você está cuidando de um manuscrito original de uma instituição, então envolve também muita ética. Mas tudo foi feito com muito amor ao patrimônio baiano”, ressalta. Vanilda é também responsável técnica da Memória & Arte, empresa que recebeu a missão de restauro. A Memória & Arte é especializada em gestão cultural, acervos especiais, conservação e restauro, e realizou também a transcrição e digitalização dos três livros, que poderão ser acessados através do site da empresa a partir da próxima semana.

A responsável pelo arquivo da Casa Pia, Nélia Rodrigues, de 47 anos, trabalha no local há cerca de cinco anos e ressalta a importância do ofício que realiza. “São livros históricos, que retratam os acontecimentos da Casa Pia desde a sua fundação, ajudando a contar a história de todas aquelas crianças e adolescentes e também da cidade de Salvador como um todo. Temos aqui os registros das atas das reuniões, dos gastos financeiros e da entrada e saída dos órfãos, por exemplo. Também tem um livro de registro de visitas, que traz dedicatórias dos antigos órfãos que voltavam para visitar o local”, coloca Nélia. 

Projetos 

O Diretor-Geral da Casa Pia, João Gomes, explica que o local nunca esteve aberto ao público, mas isso deve acontecer a partir de setembro deste ano. A principal dificuldade é conseguir recursos financeiros, já que se trata de uma instituição filantrópica sem fins lucrativos.“Ainda temos muitos quadros e livros para serem restaurados. É uma retomada gradativa. Queremos desenvolver um projeto de recuperação de patrimônio juntamente com o Iphan. Temos uma área enorme, com muita coisa e muitos detalhes que merecem cuidados”, destaca. Um projeto de museologia está em curso para que parte do acervo possa ser exposta para visitação guiada. Os eventos que aconteciam no local, interrompidos há cerca de 13 anos, também devem ser retomados a partir de setembro. “Temos aqui um espaço com auditórios, salões e a igreja. Será uma retomada importante porque os eventos representam uma fonte importante de recursos financeiros”, finaliza Gomes.  Livro de termos de saída dos órfãos (Foto: Arisson Marinho/CORREIO)  A Casa Pia também está construindo novas salas, com cozinha escola e outros espaços interativos para as 200 crianças que estudam na instituição. A expectativa é de que as obras sejam concluídas ainda esse ano. Depois que a nova estrutura entrar em funcionamento as salas do prédio antigo serão transformadas em espaços de capacitação com cursos profissionalizantes. Está previsto também o plantio de 300 mudas no terreno ao lado.

Homenagem a São Joaquim e aos avós

Nesta segunda-feira (26), além da recepção dos três livros, também foi celebrada uma missa na Capela de São Joaquim, abrigada pela Casa Pia, em homenagem ao dia de São Joaquim, pai de Maria, e a todos os avós baianos. A missa foi celebrada pelo Cardeal Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil Dom Sergio da Rocha, auxiliado pelo Padres Manoel de Oliveira Filho e Thadeu Xavier. 

Durante a cerimônia, reservada para convidados por conta das restrições impostas pela pandemia, Dom Sergio da Rocha deixou uma mensagem de fé aos mais jovens. “Devemos muito aos avós e às pessoas idosas pelos seus testemunhos de vida e sabedoria e pelas suas ações generosas nas nossas famílias. Costumamos dizer que o avô é pai duas vezes e a avó é mãe duas vezes. Nós recorremos a São Joaquim e à Sant’Ana pela importância deles na história do amor que Deus tem por nós. Joaquim e Ana, com certeza, têm papel fundamental no ‘sim’ que Maria disse ao Senhor”. 

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro