Luiza Brunet comenta caso de médica que caiu de prédio em Armação; veja

'A gente não sabe se ela vai sobreviver pra contar'; atriz, modelo e ativista conversou com o CORREIO no Segundou

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  • Naiana Ribeiro

Publicado em 27 de julho de 2020 às 21:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Reprodução/Instagram

No país em que quatro meninas de até 13 anos são estupradas por hora; uma mulher é agredida a cada quatro minutos; e uma morta a cada oito horas, a militância de personalidades como a atriz e modelo Luiza Brunet, 58 anos, têm extrema importância para que as mulheres consigam se conscientizar sobre o que é uma relação abusiva. Seu trabalho em prol dos direitos das mulheres foi reafirmado na noite desta segunda-feira (27), durante entrevista ao publicitário Joca Guanaes, na live do projeto Segundou, no Instagram do CORREIO.

Na pandemia, a voz de Brunet precisa soar ainda mais alta: os casos de feminicídio cresceram 22,2% entre março e abril em relação ao mesmo período do ano passado. Mal sabia a ‘caipira do Mato Grosso do Sul, que trabalhou como empregada doméstica’ - como ela mesma se definiu - que depois de sofrer diversos abusos na infância, assédio ao longo da carreira de supermodelo e de ter sido vítima de violência doméstica, seria ativista dos direitos da mulher. Luiza em seu começo de carreira (Foto: Reprodução) "As duas maiores pandemias da hoje são a violência contra mulher e a fome. A sociedade precisa se envolver. Precisa abrir os olhos e ouvidos e se posicionar. Como é que você pode estar bem, em casa, sabendo que pessoas estão morrendo de fome? Sabendo que mulheres são mortas a todo momento? Se a sociedade civil não se posicionar, não vamos evoluir. As pessoas precisam se olhar com mais amor e cuidado para o próximo e se posicionar", afirmou Luiza.

Desde 2016, quando denunciou o ex-marido, Lírio Parisotto, por agressão física, ela está engajada na questão. "Eu senti que naquele momento eu precisava falar. Eu não queria ser estatística. Nós sabemos que se a mulher deixar o pior acontece. O que me impulsionou ainda de fazer o que eu faço foi a quantidade de mulheres que foram contra a minha atitude de denunciar. Quando você apoia uma mulher, você está salvando outras mulheres. Ter sido julgada por algumas, que me colocaram qualidades que eu nunca tive, como vagabunda, mentirosa, golpista. Na época, isso me feriu demais. Eu fiquei doente. Hoje eu agradeço as mulheres por tudo que elas me deram: força. Eu tenho honra, sou honesta e preciso ser respeitada. Eu já tive casos de mulheres que me agrediram e me pediram ajuda. E eu não vou deixar de ajudar porque ela me agrediu. Porque a violência doméstica é 'democrática'. O agressor age igual em todos os lugares do mundo e o desejo da mulher é sair desse cárcere privado através da autoestima, através da minha história. Eu preciso contar para elas para que elas vejam que têm saída. E, a partir daí, elas têm que buscar dentro delas qual é a capacidade extraordinária que têm", afirmou. Foto: Reprodução A modelo, que destacou a importância das redes sociais no processo de libertação das mulheres que sofrem violência, pontuou o alto índice de subnotificação de casos e o pequeno número de denúncias - apenas 10% das mulheres prestam queixas das violências que sofrem - e também deu orientações para quem está precisando de ajuda nesta pandemia.

"O que fez a violência aumentar nesse período foi o maior consumo de álcool e o desemprego. Mas eu sempre acho que homem agressor apenas saiu pra fora o que ele já é. No 180 a pessoa pode fazer a denúncia e também pode fazer um Boletim de Ocorrência online. Tem ainda a campanha do sinal vermelho, que basta você ir nas farmácias e pedir ajuda. O que eu diria pras mulheres é que não suportem a violência por muito tempo. Começa com a verbal, emocional e psicológica. Depois vem a patrimonial e física e depois pode vir o feminicidio. Faça a denúncia e uma vez que tenha feito não retire. Porque a violência é patológica, é algo reincidente. Busque ajuda. Existem grupos vários. Se você é próximo de alguém violentada, encoragem a pessoa a fazer a denúncia. Não suportem violações contra vocês - seja lá qual for", indicou.

Mas a própria ativista tem a consciência do quanto esse processo é complicado. Ela mesma ficou mais de 40 anos calada. "Eu sofri um assédio sexual aos 13 anos de idade em um trabalho. Era uma pessoa que eu conhecia, que eu confiava e convivia. Aquilo me constrangeu, mas eu não conseguia falar com minha patroa e meu patrão sobre isso. Fiquei constrangida. Eu voltei pra casa porque não aguentei ficar lá. Comecei a ter diarreia, medo, ansiedade. Sintomas que hoje eu vejo que são de um quadro pós-traumático de uma violação. A violação contra a criança pode ser um apalpamento, o tocar, até introduzir. Eu fiquei sem falar sobre isso durante 40 anos. Eu só falei sobre esse fato quando sofri violência doméstica", lembrou Luiza.

Médica que caiu do 5º andar de um prédio na Armação Na live, a atriz também falou sobre o caso da médica baiana Sáttia Lorena Aleixo, que caiu do 5º andar de um prédio no bairro de Armação, em Salvador. "Ela pediu socorro e não ajudaram. Ela sobreviveu e está no hospital. Ele foi preso. Contratou o melhor criminalista da Bahia e hoje saiu da cadeia. Como a mulher caiu do 5º andar, está em coma. O suposto agressor já se armou com a defesa. Esse tipo de coisa me dá mais força pra trabalhar contra violência doméstica. A gente não sabe se ela vai sobreviver pra contar. Mas são centenas de casos assim todos os dias", disse. 

Para ajudar mulheres, Brunet já viajou para diversos lugares do mundo e para cidades do interior do país na luta pelo fim da violência contra a mulher.

"Foi a coisa mais enriquecedora que eu fiz na minha vida. Sempre fui voluntária, mas poder viajar pelos sertões foi diferente. No sertão de Pernambuco, por exemplo, fiquei impressionada de ter contato com mulheres que não têm mais sonhos. O sonho delas é ter um poço de água. Fiquei impressionada com a falta de tudo. A falta de amor próprio, de respeito, etc. Existe um desnível social tão grande no Brasil. Essas pessoas não têm oportunidade de educação, que é precária. Isso poderia ter sanado se houvesse políticas públicas mais potentes. Quando uma pessoa tem educação ela vai poder ter dignidade, ter um emprego. A gente tinha que ter políticas públicas mais potentes. A fome corrompe. Não tem como não se corromper quando você vê sua família passando fome". lembrou a ativista.

Infância simples Muitas das suas causas se cruzam com sua trajetória. Hoje acostumada com os holofotes, ela nasceu em uma choupana de sapê, em Itaporã no MS. Seu pai trabalhava em uma fazenda de café e sua mãe cozinhava para os lavradores.

Crescer no meio do mato e com poucos recursos permitiu a Luiza e seus seis irmãos brincar com o que a natureza oferecia. Aos 9 anos, ela se mudou para o Rio de Janeiro com a família. Lá teve que trabalhar desde os 12 anos para ajudar nas contas de casa. Ela, ainda adolescente, foi babá, empregada doméstica, empacotadora em um supermercado e vendedora em uma loja de roupas.

"Eu nasci na roça mesmo. Meu pai começou como lavrador e minha mãe cozinhava. Eu vivia uma vida muito orgânica. Naquela época era natural. (...) Meu pai não se adequou a cidade e começou a beber regularmente. Ele foi vitima do alcolismo por conta de uma condição social. Era um subemprego. Ele era presente, amoroso, mas perdia isso quando se frustrava e bebia. A gente não percebia porque era o estrutural. Minha mãe foi uma grande inspiração por isso", contou. A jovem Luiza Brunet (Foto: Reprodução) De acordo com Brunet, o pai foi muito violento por muito tempo e sua mãe conseguiu escapar disso depois de muito sofrimento. "Ele usava a arma, atirava na parede. Tinha buraco de bala na parede da casa que a gente morava. Ele matou alguns bichos de estimação que a gente tinha. A gente não tinha noção das coisas (...). Até hoje eu não gosto de Natal porque ele bebia muito e isso potencializava a agressão. Um dia ela teve um start, botou todos os filhos no ônibus. Ela não tinha apoio de família, de amigos. Foi um instinto de sobrevivência", continuou."Minha mãe sofreu várias formas de violência. Ela não podia falar com ninguém, tinha que usar só a roupa que ela gostava. Minha mãe começou a viver novamente quando se separou, aos 40 e poucos. Ela era completamente dominada pelos ciúmes, que é uma coisa que a gente vê muitas mulheres passando hoje" Luiza e sua mãe, Alzira (Foto: Reprodução) Xuxa e Monique Evans  No bate-papo com Joca Guanaes, Brunet falou ainda sobre a quebra de paradigma que ela, Xuxa e Monique Evans - ícones da moda e da beleza - representaram para a geração dos anos 1980. "A gente quebrou um grande paradigma, porque as modelos tinham um padrão europeu. Eram altas, magras, não tomavam sol. Aí aparece pessoas com corpo brunzeado, curvelíneas. Mas não foi a gente que fez isso. Foi a época. A gente fez uma ocupação (...). Inclusive fazendo coisas que não cabem mais hoje em dia". (Fotos: Reprodução) Questionada sobre seu estado civil, ela respondeu que está sim solteira. "Eu estou muito feliz. A mulher não precisa ter um homem pra estar feliz. Eu pretendo conhecer alguém muito especial. Eu preciso. Até agora eu fiquei muito dedicada às ações. Estou sempre estudando. Mas daqui a pouquinho vou começar. Não sou contra os homens. Aliás, eu gosto muito. (...) um baiano eu vou adorar (risos). Eu adoro o jornal CORREIO. Já fui entrevistada várias vezes por vocês. Adoro a comida e a generosidade do baiano", acrescentou. Foto: Reprodução Na conversa, a atriz modelo e ativista falou ainda sobre o legado que quer deixar para o mundo e afirmou que não tem pretenções políticas. "Minha independência é importante agora. Eu preciso falar com todos. Eu preciso ter uma voz mais ampliada. Onde tiver um projeto bom eu vou estar. Como ativista voluntária, não ser ligada a nenhum partido é muito valoroso. Essa bandeira foi hasteada e precisa sacolejar em todas as áreas", pontuou.

Perdeu o Segundou? Reveja a live abaixo. A grade da temporada de agosto  do projeto será divulgada em breve.