Mãe de siamesas pensou que ia morrer por omissão de socorro; leia relato

Ela conta que hospitais em Gandu e Teolândia recusaram atendimento

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 20 de agosto de 2019 às 19:31

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação/HMI

Em relato exclusivo ao CORREIO, a auxiliar de limpeza Liliane Silva dos Santos, 36 anos, mãe das gêmeas siamesas Laura e Laís, que nasceram unidas pelo abdômen dia 15 de agosto, em Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo da Bahia, disse que ficou com medo da morte pelo fato de não ter sido atendida antes nos hospitais municipais das cidades de Gandu e Teolândia, ambas no sul baiano.

As gêmeas nasceram no Hospital Maternidade Luiz Argolo, mantido pela Santa Casa de Misericórdia. Para Liliane, houve “omissão de socorro” por parte das unidades hospitalares de Gandu e Teolândia.

A reportagem tentou contato com a Prefeitura e Hospital Municipal de Teolândia na tarde desta terça-feira (20), mas ninguém atendeu às ligações. No hospital de Gandu, uma secretária informou que não havia ninguém da direção da unidade que pudesse comentar o assunto. A Prefeitura de Gandu não deu retorno.

Liliane procurou os hospitais de Gandu e Teolândia após a bolsa dela se romper durante uma viagem que fazia de Piraí do Norte, no sul da Bahia, onde mora, para Salvador. Ela vinha sendo acompanhada pela maternidade do Hospital Roberto Santos, na capital, e teria consulta no dia 16. Com a bolsa rompida e as contrações, buscou as unidades mais próximas para ter o parto, mas não foi atendida.

A mãe das gêmeas, que nasceram com 36 meses de gestação, se queixa ainda da Secretaria de Transportes de Piraí do Norte, a quem, segundo ela, foi pedida uma ambulância para que a levasse até Salvador, mas isso foi também negado. A viagem a capital estava sendo realizada em veículo de passeio particular, cedido por um vizinho. A Prefeitura de Piraí do Norte não respondeu ao CORREIO. (Foto: Acervo Pessoal) Laura e Laís, desde a madrugada de sexta-feira passada, estão internadas no Hospital Estadual Materno-Infantil Dr. Jurandir do Nascimento (HMI), em Goiânia. A unidade é referência nacional em cirurgias de separação de bebês siameses. Elas estão sendo acompanhadas pela tia, Lina Soares dos Santos, uma merendeira escolar de 44 anos que fazia a viagem com a irmã Liliane.

O nascimento de gêmeos siameses é um evento raro em todo o mundo. No Brasil, se registra um caso para cada 150 mil nascidos vivos. De acordo com o Ministério da Saúde, em 2018 houve 43 nascimentos de gêmeos siameses. A Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) diz que não sabe quantos nascimentos do tipo ocorreram no estado.

Leia o relato de Liliane:

Sobre meu parto, não vou dizer que foi tranquilo. Estava indo para a consulta em Salvador, quando no meio do caminho, na estrada, a bolsa estourou e começaram as contrações.

Em Gandu, fui informada que não poderia ser atendida lá, [disseram] que precisavam pedir a ambulância de Piraí do Norte para eles me levarem. Só que, como eu estava sentindo muita contração, eu e minha irmã Lina resolvemos não esperar, e aí pediram que a gente fosse para Teolândia.

Fomos e lá demorou uma hora no hospital, eu esperando socorro; veio o Corpo de Bombeiros, que falou que não poderia levar a gente, pois ao chegar em Santo Antônio de Jesus eles não iam aceitar pelo fato de o Corpo de Bombeiros ter levado. Resolvemos seguir caminho, mas antes de sair de Teolândia a moça fez o toque e a dilatação [da vagina para ocorrer o parto] estava em 4 centímetros, dava para chegar a Santo Antônio, mas na ida as contrações aumentaram.

Em Santo Antônio, fui atendida pelo médico, que disse que tinha fazer o parto ali mesmo, pois as meninas já estavam nascendo, tinha um braço e uma perna já vindo. Na banca de cirurgia, as meninas nasceram, foi rápido, as vi rapidinho.

A médica me mostrou [as meninas]. Pelo fato de uma estar chorando e a outra não, levaram para outra sala, mas logo em seguida veio a enfermeira informar que estavam as duas bem.

Na hora do parto, passava em minha cabeça só que eu ia morrer. Por ter omissão de socorro em Gandu e Teolândia, eu achei que não ia ser recebida também em Santo Antônio de Jesus.

Me receberam muito bem, fizeram minha cirurgia sem botar conforme [sem objeção] nenhum. Só tenho a agradecer a todos por terem me ajudado, se não fosse eles eu poderia não estar aqui.

A viagem [para Salvador] foi conturbada, não fomos em ambulância, fomos com motorista particular, até porque o secretário de Transporte daqui não nos cedeu o carro, o vizinho cedeu pra gente, foi o que salvou a minha vida.

Em relação a ir pra Goiânia, o médico me disse que posso ir em 30 dias, e recebi a notícia de que se as meninas conseguirem pegar a mamadeira pra tomar o leite, por esses 30 dias, elas vêm embora, têm de fazer isso pra serem liberadas.

E pelo que tenho notícia da minha irmã, estão indo muito bem, já começaram a tomar leite de mamadeira ontem. Se elas não conseguirem, assim que eu me recuperar eu vou ver as minhas filhas.

O parto das gêmeas foi por meio de cirurgia cesárea, e logo em seguida Liliane foi submetida a uma histerectomia – cirurgia para retirada do útero, que teve de ser realizada devido a uma hemorragia, agravada pela falta de contração uterina.

O HMI informou nesta terça-feira que Laura e Laís seguem internadas na Unidade de Cuidados Intermediários Neonatal (Ucin), em observação. O estado de saúde delas é regular, estável, estão respirando em ar ambiente (sem aparelho) e se alimentando por sonda, diz o comunicado da unidade.

Unidas pelo abdômen, as irmãs compartilham a bexiga, a bacia, os intestinos delgado e grosso, e o sistema urinário. Elas estão sendo avaliadas para cirurgia de separação, que só deve acontecer daqui a um ano, quando tiverem mais peso. Não há previsão de alta.