Mãe passa mal ao ver acusado de matar filha em julgamento

Sessão especial ocorre dois anos após o crime. Vítima foi morta a tiros, na varanda da casa do suspeito, no bairro de Itapuã

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  • Bruno Wendel

Publicado em 19 de julho de 2019 às 10:40

- Atualizado há um ano

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Ao ficar de frente com o acusado de matar de matar a filha, Andreza Victória Paixão, 15 anos, em abril de 2017, a mãe dela, Lívia Tito passou mal e foi retirada do salão do júri do Fórum Ruy Barbosa. Ela saiu em uma cadeira de rodas pouco depois do ex-namorado da filha, Adriel Montenegro dos Santos, hoje com 23 anos, sentar no banco dos réus.  

A sessão especial tinha acabado de ser iniciada, por volta das 9h, quando Lívia começou a chorar compulsivamente ao ficar cara a cara com Adriel - a mãe estava em uma das primeiras cadeiras do salão. Ela foi chamada pelo juiz como testemunha, momento em que passou mal e foi acudida pelos policiais que lá estavam. 

Lívia foi para uma sala nos fundo do salão e depois levada numa cadeira de rodas para o serviço médico do Fórum. Um primo de Andreza também passou mal e precisou ser acudido por parentes. 

O julgamento foi retomado 40 minutos depois, dando continuidade aos depoimentos de testemunhas de acusação. Nesse momento, o pai de Andreza é interrogado pelos advogados do acusado.

Relembre o caso Andreza Victória foi morta com um tiro na nuca, na casa de Adriel, localizada no bairro de Itapuã, em Salvador, no dia 17 de abril de 2017. Antes,o suspeito, na época com 21 anos, encontrou com a garota no Colégio Rotary, também em Itapuã, onde ela estudava. De lá, os dois seguiram caminhando para a casa dele, que fica no mesmo bairro. Ao chegar na varanda do imóvel, a vítima foi baleada na nuca. Ex-namorado é suspeito de matar adolescente de 15 anos por não aceitar fim do relacionamento (Fotos: Reprodução) Segundo algumas colegas de escola da garota – estudantes do Colégio Rotary, no Abaeté – Victória havia ido à aula nesta segunda e Adriel foi de carro buscá-la na saída, por volta de 17h30. “Ele vivia chamando ela para conversar e ela dizia que não queria mais. Eu nunca vou entender o que levou ela a encontrar ele”, contou uma amiga.

No mesmo dia, a adolescente foi socorrida pelo pai de Adriel, que é policial militar, para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do bairro de Itapuã e, em seguida, transferida ao Hospital Geral do Estado (HGE). Apesar do socorro, ela não resistiu. Logo após o crime, Adriel desapareceu do bairro. A jovem foi enterrada no dia 18 de abril, no Cemitério Bosque da Paz.

Adriel está preso desde setembro de 2017, quando se apresentou à polícia, após passar cinco meses foragido. Em outubro do mesmo ano, o jovem, que chegou a ser incluído no Baralho do Crime da SSP, teve a prisão preventiva, sem prazo para expirar, decretada. Adriel Montenegro dos Santos foi incluído no Baralho do Crime da SSP-BA pois ficou foragido por cinco meses (Foto: Divulgação/SSP BA) O rapaz foi denunciado pelo Ministério Público pelo crime de homicídio, com motivo torpe, sem possibilitar a defesa da vítima e prática de feminicídio, além de porte ilegal de arma.

Cerca de oito dias após o crime, a Polícia Civil divulgou que a arma usada para matar Andreza foi uma pistola .40, arma de fogo de uso restrito das polícias Civil e Militar. Posteriormente, no entanto, a polícia corrigiu a informação e disse que a arma usada no crime foi um revólver calibre 38. Segundo a polícia, a arma do pai de Adriel foi periciada após o crime e, na análise, foi descartada a hipótese dela teria sido usada para matar Andreza. Adriel disse que comprou a arma do crime na Feira do Rolo, centro de comércio a céu aberto localizado na Baixa do Fiscal, em Salvador.

Após ser preso, Adriel disse, em depoimento, que o tiro que atingiu a jovem foi acidental, ocorrido depois que ele tentou tirar o revólver das mãos de Andreza que, segundo o rapaz, estava o ameaçando com a arma. O rapaz disse que ela não aceitava o fim do relacionamento, que ele gostava da garota e que não teve intenção de matar a vítima.

A polícia disse, na época, no entanto, que não acreditava na versão do suspeito e que os laudos sobre o crime apontam que Adriel teve a intenção de matar a ex-namorada.

No dia que ele se entregou, no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), na Pituba, em setembro de 2017, os familiares de Andreza se concentraram na recepção do DHPP e hostilizaram o suspeito. A mãe da adolescente desmaiou e foram necessários dois homens para segurar o pai da jovem. Adriel deixou o prédio aos gritos de "Assassino!", "Mostro" e pedidos de "Justiça".

"Esses últimos dias se tornam escuros. As noites se tornaram longas. Os dias passaram de 24h para 48h. A vida perdeu o brilho, o sentido. A metade da gente foi enterrada dia 17 de abril. A gente vive porque não pode se matar, porque esse é o pior pecado que existe, mas dizer que eu tenho vontade de viver é uma coisa que não tenho. Quando enterramos um filho por uma doença é uma coisa, mas enterrar um filho porque alguém lhe tirou a vida é uma dor muito ainda maior", afirmou o comerciante Márcio da Paixão ao CORREIO, na época. Márcio (camisa preta) na sede do DHPP, em 2017 (Foto: Gil Santos/Arquivo CORREIO) Márcio soube da morte da filha por vizinhos, quando voltava de uma caminhada. O pai da menina criava a primogênita desde que se separou da mãe dela, há 15 anos.“Ele é um rapaz de má índole. Sequestrou, se apossou, se achou dono e matou minha filha, uma moça linda”, disse, durante o enterro, acrescentando que não desconfiava do relacionamento da garota.  Amigos fizeram camisetas homenageando a jovem (Foto: Hilza Cordeiro/Arquivo CORREIO) Tanto o pai quanto a mãe de Andreza disseram que nada que ele dissesse poderia aliviar a dor que estavam sentindo. "Espero que a Justiça haja com mão de ferro. Se ele (Adriel) tivesse o poder de me levar e trazer minha filha de volta eu me conformaria, mas, agora, o que ele vai me dizer: me perdoe, me desculpe, ou foi sem querer? Não adianta nada. A gente convivia todos os dias. Ela era minha menina, que eu troquei as fraudas, que tinha uma relação muito aberta comigo. Hoje, se a gente vê uma foto dela a gente chora, se lembrar chora, se ver uma coisa que ela gostava a gente chora. Nossos dias tem sido assim", afirmou Márcio.

FeminicídioAndreza integra a vasta lista de feminicídios que ocorreram em 2017 no estado. Até 18 de dezembro daquele ano, foram pelo menos 39 casos – um levantamento feito pelo CORREIO identificou 33 dessas vítimas. Em comum, todas histórias com o mesmo nível de crueldade e que despertaram a mesma revolta. 

Naquele ano, Luiza Nagib Eluf, ex-procuradora do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e advogada criminalista referência em violência contra a mulher, conversou com o CORREIO sobre feminicídio. Segundo ela, esse é o ato de matar uma mulher por se achar superior à ela, em razão das condições de ser mulher no Brasil, país marcado pela desigualdade de gênero. “No Brasil, as mulheres apanham, são estupradas e assassinadas por serem mulheres. Ou seja, o sujeito acha que, porque ele é homem, tem o direito de vida ou morte sobre a mulher com a qual ele se relaciona ou com quem teve um relacionamento anterior”, explicou.

O crime de feminicídio foi definido legalmente em 2015, com a lei 13.104, que o inclui como uma circunstância qualificadora do homicídio. A pena para este crime é reclusão de 12 a 30 anos. Na prática, segundo a advogada, é o machismo enraizado em nossa cultura patriarcal que leva ao feminicídio. 

Para ela, o caso da adolescente é mais um exemplo disso e o fato de a jovem ter aceitado um encontro com o ex-namorado, com o qual não desejava mais namorar, não justifica seu assassinato. “Ela foi ver o ex porque ele estava sofrendo com o fim do relacionamento. A intenção dela era aliviar a dor dele, não voltar para ele”, afirmou. 

Ainda segundo a especialista, a jovem “morreu porque não queria reatar. É uma espécie de loucura que acomete o homem ciumento”, disse. E, segundo a especialista, esse crime, em geral, costuma acontecer de forma premeditada, pegando a vítima numa emboscada. 

Luiza argumentou que resta à sociedade entender que tanto homens e mulheres têm direitos iguais – inclusive sexuais – e que a vontade da mulher precisa ser respeitada. “A mulher namora quem ela quer, casa com quem ela quer e se separa também no momento em que o relacionamento não lhe interessa mais. E nem por isso ela pode ficar sujeita ao assassinato”, insiste. “Precisamos mudar a nossa cultura para que não aconteça mais crimes absurdos como espancamento, morte, estupro”, finalizou.