Mais de 2,3 mil bolsistas do CNPq podem não receber bolsa a partir deste mês

A maioria dos pesquisadores baianos afetados é ligada à Ufba

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  • Thais Borges

Publicado em 2 de setembro de 2019 às 16:29

- Atualizado há um ano

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Mais de 2,3 mil pesquisadores baianos podem ficar sem receber suas bolsas a partir deste mês. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão responsável pelo financiamento, informou na semana passada que só tem dinheiro para o pagamento dos mais de 84 mil bolsistas em todo o Brasil até agosto – esse dinheiro deve ser depositado até sexta-feira (6). 

A situação de uma das principais agências de fomento da pesquisa científica brasileira foi diretamente afetada pelas restrições orçamentárias do governo federal. O CNPq sofre com um déficit de R$ 330 milhões do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (Mctic), ao qual é subordinado. 

Este ano, tanto o CNPq quanto a Capes, agência subordinada ao Ministério da Educação (MEC), já tinham anunciado que não concederiam novas bolsas. O CNPq chegou a suspender editais. Só que, agora, é a primeira vez que bolsas já existentes são ameaçadas.

Na Bahia, a maior parte dos pesquisadores está vinculada à Universidade Federal da Bahia (Ufba). De acordo com o Mapa de Investimentos do CNPq, pelo menos 1.218 bolsistas da instituição podem ficar sem receber. 

As bolsas são de diferentes valores e modalidades: vão da Iniciação Científica Júnior (R$ 100), destinada a estudantes de ensino médio, até as mais conhecidas, como as de mestrado e doutorado (R$ 1,5 mil e R$ 2,2 mil, respectivamente). “Essas bolsas vão desde o pesquisador sênior, aquele reconhecido internacionalmente, com seus laboratórios, até os meninos de Ensino Médio, que estão aprendendo a pesquisar e tendo um estímulo para a carreira de pesquisador. Tem os de mestrado e doutorado, que precisa disso para fazer seus trabalhos de dissertação e tese e sobreviver. Todos os níveis estão sendo atingidos”, enfatizou a vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Fernanda Sobral. Um terço Hoje, o CNPq é a principal agência de fomento de estudos científicos no país. Sozinho, financia um terço da pesquisa nacional. Em entrevista ao Fantástico, na noite do último domingo (1º), o ministro Marcos Pontes, titular do Mctic, chegou a afirmar que, até o fim de semana, não sabia como faria o pagamento das bolsas a partir deste mês. "Eu gostaria que eu tivesse uma resposta um pouco mais precisa. Eu conseguiria dormir melhor, vamos dizer assim. Mas ainda estamos tendo essas conversas do nosso setor técnico de finanças e orçamentos com o Ministério da Economia", afirmou Pontes. Ao contrário do contingenciamento que atingiu o Ministério da Educação (MEC), em maio, o problema no CNPq não foi uma surpresa: desde o ano passado, entidades acadêmicas e de pesquisa já diziam que o previsto para o órgão, em 2019, não seria suficiente para manter os pagamentos até o fim deste ano. 

Por isso, em junho, o Congresso Nacional aprovou um projeto que autorizava um crédito extra de R$ 248,9 bilhões para o governo federal, obtidos através da emissão de títulos do Tesouro Nacional. Uma das condições que deputados e senadores impuseram para a aprovação da medida foi justamente que o governo se comprometesse a liberar R$ 330 milhões para bolsas do CNPq.

O problema é que, até agora, o governo não cumpriu o acordo. "A discussão é sempre em torno disso. O que é prioridade ou o que não é, e isso está sempre a cargo do pessoal técnico da Economia. Temos falado com eles há algum tempo, falado também com (o ministro) Paulo Guedes e sempre existe essa questão: vou tirar daonde (sic)?”, completou Marcos Pontes, na entrevista ao Fantástico. 

Fonte de renda Na Ufba, o impacto maior deve ser na pós-graduação, na opinião do coordenador de Ensino de Pós-Graduação da universidade, o professor Sérgio Ferreira. Os pesquisadores que recebem auxílio no mestrado e doutorado, em geral, não têm nenhuma outra forma de renda.“Será o caos. No instituto em que eu trabalho (Química), temos muitos estudantes de fora de Salvador que vivem dessa bolsa. Normalmente, eles alugam apartamentos que viram repúblicas porque não tem condições de viver sozinhos. Todos se organizam em função dessa bolsa”, disse o professor. Mesmo na iniciação científica, cujas bolsas são de R$ 400, há estudantes que dependem do recurso para viver. Só na Ufba, são mais de 600 bolsistas dessa modalidade. “Eles já não vivem bem porque a bolsa, porque pelo tempo que não sofre um aumento, já é uma situação difícil”, completou. 

Câmara Em agosto, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) lançou um abaixo-assinado em defesa do CNPq. Com mais de 60 outras entidades científicas e acadêmicas, a SBPC já alertava para o déficit orçamentário na agência com riscos para setembro. No texto defendiam o repasse de recursos e se manifestavam de forma contrária à extinção. Até esta segunda-feira (2), mais de 900 mil pessoas tinham assinado a petição. “Isso é um horror. Somos muito medidos pelo impacto científico das nossas publicações. Se não houver recurso no futuro, vai impactar negativamente a produção brasileira”, disse a vice-presidente do órgão, Fernanda Sobral, que é professora da Universidade de Brasília (UnB). O abaixo-assinado foi entregue ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM).  Nesta segunda-feira, inclusive, o jornal O Estado de S. Paulo revelou que a Câmara quer usar parte do dinheiro recuperado pela Operação Lava Jato para pagar as bolsas do CNPq. 

Um pedido foi enviado ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para que R$ 250 milhões de um fundo de R$ 2,5 bilhões da Petrobras seja destinado aos pesquisadores. Na semana passada, Rodrigo Maia já tinha pedido que R$ 1 bilhão desse total fosse utilizado no combate a queimadas. 

Em nota, o Mctic informou que "tem se empenhado junto ao Ministério da Economia e a Casa Civil para resolver a situação orçamentária do CNPq". O órgão reforçou que não houve contingenciamento e que repassou integralmente ao CNPq os recursos previstos na Lei Orçamentária para o ano de 2019.

"O valor de R$ 330 milhões é que falta para cobrir os custos das bolsas até o fim do ano, situação que já estava prevista na aprovação da LOA em 2018. Portanto, é necessária a aprovação de crédito suplementar para recompor o orçamento do CNPq", completaram.

O CNPq foi procurado pela reportagem, mas ainda não emitiu posicionamento.