Mais de 50% dos artigos vendidos aos turistas não são feitos na Bahia

Se encantou por uma peça de artesanato que viu exposta no Mercado Modelo ou no Pelourinho? Se você gostou, compre, mas é bom saber que boa parte do que é vendido nesses locais nada tem de baiano

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  • Da Redação

Publicado em 26 de fevereiro de 2013 às 07:38

- Atualizado há um ano

Thais [email protected] se o mais baiano dos baianos não fosse tão baiano assim? Não existe um instrumento que possa medir quem pertence mais ou menos à Boa Terra, mas o Pelourinho e o Mercado Modelo são dois dos maiores símbolos do estado. Quem vai lá quer levar um pedacinho do lugar para casa. Daí o sucesso do artesanato da Bahia. Ops...da Indonésia. Se você já comprou artesanato no Centro Histórico achando que é um trabalho essencialmente baiano não fique surpreso se descobrir que são  produtos ‘made in’ Índia ou Indonésia. Também não é raro encontrar itens produzidos no Ceará, São Paulo ou Tocantins. Segundo o secretário municipal do Desenvolvimento, Turismo e Cultura, Guilherme Bellintani, um levantamento realizado  pela Empresa Salvador Turismo (Saltur) revelou que mais da metade do artesanato vendido por aqui não é produzido na Bahia. ÁsiaQuem passa pela loja Pau Brasilis, no Terreiro de Jesus, é recebido por três ‘moços’ esguios, vestidos com as camisas da Seleção Brasileira, do Bahia e do Vitória. Mas os rostos arredondados e os olhos puxados revelam traços incomuns entre os baianos. É que os bonecos são feitos na Indonésia e até o Brasil da seleção canarinho é grafado com Z. Pelo nome da loja, o turista pode se surpreender ao saber que 75% dos produtos expostos vêm de fora, principalmente do sudeste asiático. Segundo a gerente Luciana Alves, a importação inclui pulseiras, bolsas e colares, além de caixas de madeira com pinturas de orixás e réplicas de máscaras africanas. “Alguns dos itens são desenhados pela dona da loja, que é artista plástica, mas encomendados na Indonésia”, contou. Além disso, a loja também vende esculturas de Papua-Nova Guiné, na Oceania, e colares de decoração da Guiné, na África, feitos com búzios e conchas. A etiqueta deixa claro que a túnica veio do outro lado do mundo, assim como os colares de cores variadas e os jogadores de futebol ‘brasileiros’ com olhos puxados e feições asiáticasLuciana diz que, aos clientes, não esconde a origem de nenhum produto. “A maioria pergunta e nós não temos problema em dizer. Eles também não se importam, porque estão em busca de algo que tenha sido comprado numa viagem pela Bahia, não que tenha sido feito aqui”, observou. O vendedor Robson Azevedo, 30, que trabalha na loja Terreiro Tropical, também no Pelourinho, reforça que os turistas não se importam muito com a origem do artesanato. “O que eles querem é que tenha a foto e o nome da Bahia em algum lugar”. A loja vende roupas de renda e estátuas de homens negros dançando, esculpidas em cerâmica, feitas no Ceará. O cliente ainda tem a opção de comprar bolsas bordadas no Peru e cangas da Indonésia, tudo com o nome de Salvador. “A mão de obra lá é mais barata. No atacado, vendemos uma canga dessas, pintadas à mão, por R$ 11. Se fosse feita no Brasil, sairia por R$ 20”, diz Robson. Na Galeria Walter Almeida, no Mercado Modelo, a situação não é muito diferente. A vendedora Carina Cunha, 34 anos, estima que metade dos produtos vendidos não é feita no estado. Outros estadosAlém de peças como caminhos de mesa e toalhas com bordados, vindas de estados como Ceará e Pernambuco, a loja ainda tem túnicas e cangas indianas. “Deixamos as etiquetas, para que o cliente saiba de onde é. Assim, só compra quem quer”, conta Carina.  O artesão Jorge Kanalan, 45, dono da Galeria Marte, também no Mercado Modelo, não vê problema em vender quadros de artistas de outros estados. Porém, ele afirma que, dos “mais de 100” que têm seus quadros expostos em sua loja, somente dois não são da Bahia. Um deles é o pernambucano Alberto Silva, que trabalha com releituras do conterrâneo Romero Britto. O outro é o carioca Wagner dos Santos, que, do Rio, pinta cenários do Pelourinho e as igrejas da Bahia. “Não vejo nada demais, porque, antes de ser cultura da Bahia, é cultura do Brasil”. ClientesHá quem compre conscientemente as lembranças importadas, mas também há quem tente evitar, como a funcionária pública gaúcha Maria do Carmo Carneiro. “Se eu gostar de algo que não seja daqui antes de ver que não é, tudo bem. Mas eu sempre procuro levar algo que seja feito no lugar”, contou, logo depois de comprar um pau- de-chuva e chinelos de couro. Já a turista alemã Katharina Linder, 30, é mais radical. “Prefiro não comprar nada, porque posso estar comprando algo que seja da China. E em todos os lugares eu vou encontrar coisas da China”. Para ela, as lembranças importadas não têm o mesmo valor. Por isso, desde que chegou ao Brasil, na semana passada, ela só comprou um par de havaianas que, ao menos no slogan, são as legítimas.‘A mercadoria chega em contêineres’, afirma artesãQuem conhece artesanato e está interessado num presente com a cara da Bahia não se interessa por produtos importados. Esta é a avaliação da presidente da  Associação de Cultura e Arte (Cultuarte), Verônica Lemos. “Mas a maioria dos compradores só quer levar a lembrancinha e não liga para a qualidade”, diz. Ela afirma que a concorrência com os produtos estrangeiros é desleal. “Tem peças que a gente passa até seis dias fazendo. Não dá para cobrar qualquer coisa. Enquanto isso, eles vendem muito barato e a qualidade é quase descartável. Quem acaba sofrendo mais são os artesãos inicantes”. Segundo Verônica, o Pelourinho e o Mercado Modelo são os campeões da importação. “Eles não têm nenhuma preocupação (com a originalidade). A gente vê a mercadoria chegando em contêineres”, contou.  Já Rose Aguiar, gerente de produção de eventos do Instituto Mauá, entidade do governo do estado que incentiva a produção de artesanato, vê a concorrência de outra forma. “No Mercado Modelo, as pessoas sabem que vão encontrar produtos de fora. Quem compra os nossos produtos vem atrás da identidade baiana”. A gestora do instituto não acredita que os artigos importados sejam válidos como lembranças da Bahia. “Claro que o turista tem liberdade para comprar o que quer, mas a partir do momento que está em um país, a lógica é que vá comprar o que é do país”, defendeu.Secretaria quer aproximar produtores do comércioPara o secretário municipal de Desenvolvimento, Cultura e Turismo, Guilherme Bellintani, as lembranças da Bahia ‘made in Mundo’ não representam a cultura local. “São elementos de consumo do produto turístico que estão desalinhados com o valor da cidade. A gente está mais preocupado em consumir símbolos do que o elemento real do destino”, diz. Entretanto, Bellintani avalia que a responsabilidade não é dos comerciantes. “Temos uma lacuna de políticas públicas que fortaleçam a relação entre os produtores artesanais da Bahia e quem comercializa”. Apesar de acreditar que a venda dos artigos importados pode desqualificar a identidade cultural do estado, Bellintani diz que proibir não é o ideal. “Não adianta bloquear a venda se não trouxermos alternativas reais da cultura local para o comerciante”. Segundo o secretário, a Saltur está fazendo um mapeamento dos artesãos e dos artistas, que deve ser finalizado em abril. “A partir daí, vamos começar a aproximação deles com os pontos de venda”. Além do levantamento, o secretário informou que o projeto de reestruturação do Mercado Modelo já foi reiniciado, com previsão de melhorias físicas. “Vamos fazer um diagnóstico de alternativas para uso do subsolo, além de melhorar os serviços”, garante o secretário, que pretende incentivar a venda da produção local no espaço.