Mais de 60% da população indígena da Bahia já tomou a segunda dose

Cerca de 17 mil indígenas, das 26,8 mil pessoas aldeadas na Bahia, já tomaram a segunda dose; transporte das vacinas ainda é um problema

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  • Hilza Cordeiro

Publicado em 19 de abril de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação/Cimi-Regional Leste e Instagram

Considerados prioridade na vacinação contra a covid-19, os povos indígenas da Bahia já estão mais da metade imunizados com as duas doses. Das mais de 26,8 mil pessoas aldeadas, 17.094 já receberam a segunda dose (63%) e 18.883 a primeira (70%), segundo dados do painel Vacinômetro, da Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab). Recém-eleito como coordenador-geral do Movimento Unido dos Povos Indígenas da Bahia (Mupoiba), Agnaldo Francisco Santos, Agnaldo Pataxó Hã-hã-hãe, disse que tem sido gratificante ver os povos sendo vacinados, mas que a imunização poderia ser mais rápida.

A vacinação na Bahia começou em janeiro e completa três meses nesta segunda-feira (19), “Dia dos Povos Indígenas”. A enfermeira Deisiane Tuxá, de 31 anos, natural do município de Rodelas, no Norte do estado, foi a primeira indígena a ser imunizada. O atual líder do Mupoiba explica que a logística tem funcionado da seguinte maneira: a Sesab envia as doses para o município mais próximo das terras indígenas, a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) — que é uma entidade federal — pega estas doses na cidade e leva até a população aldeada. 

“Essa parte da Sesab é interessante, facilita, mas a Sesai, às vezes, não atende às nossas necessidades, e isso acontece principalmente em relação ao transporte. Falta combustível para colocar nos carros para levar as doses e fazer a vacinação”, detalha ele.

O coordenador-geral do Mupoiba diz que os números da instituição federal estão defasados e pode haver de 7 mil a 10 mil indígenas aldeados a mais, podendo chegar então a uma população de 33 a 46 mil vivendo em terras indígenas na Bahia. Considerando os que vivem nas cidades, o Mupoiba contabiliza mais de 50 mil indígenas, que ficaram de fora da prioridade. O movimento discorda da exclusão dos que vivem em meio urbano e Agnaldo Pataxó conta que o Mupoiba entrou na justiça, junto a outras entidades, pedindo a inclusão deles na prioridade.

“A gente compreende que a vacina é uma necessidade, um direito de todos. Os nossos parentes que vivem nas cidades não têm culpa de estarem nas cidades. Embora esses parentes não vivam nas aldeias, todos têm relação com a terra indígena de origem, laços de parentesco. Se você vacina só uma parte, o risco continua”, diz. 

O líder Hã-hã-hãe argumenta ainda que indígenas que estão em meios urbanos não vivem nos grandes centros, e sim nas favelas, seguindo em situação de vulnerabilidade social. Ele alerta ainda que o vírus representa ameaça à existência da raça. Com essas justificativas, recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a inclusão e aguardam parecer. 

Foi registrada na Bahia uma recusa por parte de indígenas em tomar a vacina nas aldeias em cidades como Santa Cruz Cabrália, Porto Seguro e Pau Brasil, todas no Sul. Líderes e autoridades das regiões informaram que fake news têm atrapalhado o processo.

Agnaldo Pataxó conta que terras onde a religião protestante chegou são os locais de convencimento mais difícil, como Coroa Vermelha, entre Porto Seguro e Cabrália, que sofrem influência da cidade e da exploração turística. O movimento diz que esses casos são mais raros e tem feito campanhas para dialogar a fim de reduzir a resistência.

De acordo com o próprio plano nacional de imunização do Ministério da Saúde, os povos indígenas são tidos como mais vulneráveis ao coronavírus porque doenças infecciosas nestes grupos tendem a se espalhar rapidamente e atingir grande parte da população por causa do modo de vida coletivo, comunitário, além da questão da disposição geográfica de aldeias, já que muitas delas ficam longe dos centros urbanos, onde há melhor infraestrutura médica e hospitalar. 

Ainda segundo o documento, indígenas precisam percorrer longas distâncias para acessar cuidados de saúde, podendo levar mais de um dia para chegar a um serviço de atenção especializada à saúde, a depender de sua localização.

Na Bahia, existe uma população indígena com aproximadamente 26.889 índios cadastrados no Sistema de Informação de Saúde Indígena (Siasi), espalhados por 104 aldeias e com 14 etnias predominantes localizadas em 25 municípios, com maior concentração populacional nas regiões Sul e Extremo Sul. Os grupos étnicos predominantes são os Atikum, Kaimbé, Kantaruré, Kirirí, Pankaré, Pankarú, Pankararé, Pataxó, Pataxó Hã-Hã-Hãe, Tumbalalá, Tuxá, Tupinambá, Truká e Xucuru-Kariri.

A região Sul, onde estão concentradas boa parte das terras indígenas, é a que tem menor percentual de população vacinada em relação às doses disponíveis para 2ª aplicação, com 53%. A liderança está com a região Oeste, com 73%, seguida de Norte e Centro-Norte, empatadas com 72%, conforme números do painel Vacinômetro. 

O Mupoiba diz que a vacinação já chegou a todas as terras indígenas, exceto aldeias que ainda não foram identificadas, como a do Monte dos Lagos, em Itambé, porque o território não foi demarcado.

Uhitwe Pataxó, conselheira de saúde indígena do polo-base de Porto Seguro, explica que, até a semana passada, 91% da população indígena tinha sido vacinada na cidade que possui 14 aldeias. Segundo ela, dificuldades a distância das aldeias do centro da cidade é uma dificuldade para a imunização, o que complica a logística de transporte do imunizante, e o fato da quantidade de vacinas enviadas ser conforme o número de índios cadastrados. 

"Como nem todos estão com cadastros, a população indígena é maior. Mas acredito que a gente vai conseguir avançar e chegar aos 100% de imunização em nossas aldeias", diz ela. Em Santa Cruz Cabrália, 97% da população indígena já tinha sido vacinada até a semana passada.

De acordo com a assessoria da Prefeitura de Porto Seguro, mais de 2,5 mil indígenas tomaram a primeira dose e mais de 1,8 mil tomaram a segunda até sábado (17). Não foi informado o total população no município. A Secretaria de Saúde de Santa Cruz Cabrália não informou nenhum dos dados. Procurada através do telefone do plantão para detalhar o orçamento destinado à segurança dos povos, a Fundação Nacional do Índio (Funai) não respondeu aos questionamentos até esta publicação.

O boletim epidemiológico estadual da doença aponta que 22 indígenas tinham morrido no estado até este sábado (17). Desde o começo da pandemia, foram registrados 2.200 casos de infecção entre essa raça e, entre os infectados, 122 eram profissionais de saúde de etnia indígena. Dados da Sesai contabilizam 78 infectados e 24 casos suspeitos atualmente.

Morte de um grande líder Gerson Pataxó no Palácio do Planalto, em Brasília, em 2003 (Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil) Em outubro do ano passado, quando a vacinação no Brasil ainda não tinha iniciado, o povo indígena baiano perdeu um de seus maiores líderes, o Cacique Gerson Pataxó (Gerson Souza Melo), de 57 anos, da terra indígena Caramuru Paraguassu, entre os municípios de Camacan, Itaju do Colônia e Pau Brasil, no Sul da Bahia. 

Na ocasião, a antropóloga Jurema Machado, professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e presidente da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí), disse que ele foi grande incentivador de que o seu povo se tornassem cientistas, professores, médicos e historiadores. Gerson foi vereador de Pau Brasil pelo PT por quatro mandatos. Selma, esposa do cacique, também morreu vítima de complicações da covid-19. Eles deixaram quatro filhos. O secretário estadual de Educação, Jerônimo Rodrigues, determinou a mudança de nome de uma escola de Pau Brasil para homenagear o indígena, passando a se chamar Colégio Estadual Gerson Pataxó.

Agnaldo Pataxó conta que aldeias mais afastadas dos centros urbanos conseguiram se prevenir melhor, principalmente com a imposição de barreiras sanitárias no Sul da Bahia. As medidas de autoproteção contra fluxo de turistas foram colocadas em estradas que ligavam a ao menos cinco aldeias da Terra Indígena Comexatibá, em Prado, e Tupinambá de Olivença, em Ilhéus, o que resultou em conflito com os poderes municipais.