Mais um poeta na praça: Moraes Moreira será homenageado com palco na Castro Alves

Apaixonado pela praça, o artista morreu na última segunda (13) e queria tocar na inauguração da obra do espaço

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  • Da Redação

Publicado em 15 de abril de 2020 às 22:59

- Atualizado há um ano

. Crédito: Betto Jr./CORREIO

Ao saber do projeto da prefeitura de Salvador de agregar os achados arqueológicos do Teatro São João à reforma da Praça Castro Alves, Moraes Moreira disse que queria se apresentar na inauguração do novo espaço - independente do que local viesse a ser. Na última segunda-feira (13), morreu o cantor e compositor aos 72 anos. O desejo de tocar no evento não se concretizou, mas o artista será representado no espaço cultural que é construído na praça. O palco da concha acústica que vai ser erguida no local vai se chamar Moraes Moreira.

“Eu mandei as fotos do teatro para ele e ele ficou super curioso. Moraes achou a descoberta incrível e falou ‘eu que vou fazer esse show de inauguração, seja lá o que for’. No último sábado antes dele morrer, eu conversei com ele e ele mencionou a obra. Moraes estava preocupado com o coronavírus e disse que as pessoas vão precisar de música, poesia e arte quando tudo isso passar. Ele queria fazer um show para as pessoas e disse ‘quem sabe o show na praça’”, contou o Valdir Andrade, produtor dos Novos Baianos e de shows de Moraes Moreira e amigo do artista, com quem Moraes dividiu o sonho.

A relação do artista com a Praça Castro Alves é antiga e precedeu a sua carreira com os Novos Baianos. Moraes Moreira trabalhou em um banco na Rua Chile e almoçava em um restaurante no prédio que hoje é o Fera Palace Hotel, que fica a poucos metros da praça.“Ele passava sempre por lá. Ele tinha uma relação de pertencimento com a Praça Castro Alves, era como se ele fosse o síndico de lá”, relembrou Valdir.Depois de trabalhar no banco, o baiano se tornou o artista Moraes Moreira, o integrante dos novos baianos. Em 1976, já em carreira solo, ele pegou um microfone simples sem uma grande amplificação de som e deu voz ao Trio Elétrico Dodô & Osmar com o disco Jubileu de Prata. O feito lhe rendeu o posto de primeiro cantor de trio elétrico.

No Carnaval de Salvador que pulamos atualmente, cantar no trio é lei. Se tudo acontece desta forma, é porquê Moraes Moreira foi um dos impulsionadores da folia com ela é até hoje. “Moraes é o próprio Carnaval. Ele levou uns tempos reclamando da festa, mas se encontrou nos últimos anos porque tinha o sonho de ver a Castro Alves revitalizada. Ela foi palco dos primeiros encontros de trio elétrico, feitos por Dodô e Osmar. Os encontros na praça começam com eles e o trio dos Novos Baianos”, comentou Paulinho Boca de Cantor, um dos fundadores dos Novos Baianos. Obra na Praça Castro Alves descobriu achados arqueológicos (Jefferson Peixoto/Secom) O idealizador da homenagem, Fernando Guerreiro, presidente da Fundação Gregório de Mattos (FGM), acredita que Moraes Moreira é a Praça Castro Alves. Era lá que ele sempre gostava de tocar e foi lá que o artista fez parte do movimento que mudou o Carnaval de Salvador. “A praça virou o grande point do carnaval a partir da década de 70 muito em função de Novos Baianos, Armandinho, Dodô e Osmar. Moraes Moreira tinha uma relação de paixão com a Praça”, afirmou Guerreiro.

Desde que começou a balançar o chão da praça, Moraes Moreira foi responsável por hits que até hoje marcam os Carnaval de Salvador e que todo o baiano sabe de có e salteado. “As músicas de Moraes são poesias e, hoje em dia, nas músicas de Carnaval não se vê mais tanta poesia. O povo canta poesia bem elaborada com as músicas dele. Vassourinha e Chame Gente são pérolas que foram para a boca do povo”, disse Paulinho Boca de Cantor.

O último show de Carnaval de Moraes Moreira também foi na Castro Alves, em fevereiro de 2020. Responsável pela produção da apresentação na folia, Valdir contou que o artista ficou maravilhado ao ver o trio parado na praça para a sua apresentação de Carnaval. Desde de 2018, o cantor e compositor se apresentava no mesmo lugar. “Para ele, o Carnaval se tornou o show na Castro Alves. Lá, os olhos dele brilhavam. Aquela foi uma despedida e a gente não sabia”, afirmou o produtor.

Quarteirão das Artes Na música Monumento Vivo, o artista homenageia a Castro Alves. Moraes menciona o monumento dedicado ao poeta Castro Alves na canção. Com a homenagem, ele também poderá ser representado em uma estátua no logradouro. “O palco não poderia ter outro nome. Estamos pensando a possibilidade de fazer uma escultura dele o palco. Com essa homenagem, ele ficará no mesmo espaço sagrado que já acolhe outros artistas”, ressaltou Guerreiro. 

Além de Gregório de Matos, Castro Alves, Dodô e Osmar, Moraes Moreira será mais um grande poeta baiano imortalizado no Quarteirão das Artes. Todos os entrevistados concordam que esta é uma bela homenagem para o artista. “Qualquer homenagem que seja feita para ele que tenha Carnaval no meio é muito bem vinda”, disse Paulinho Boca de Cantor.

De acordo com Fernando Guerreiro, o prefeito ACM Neto acolheu a decisão. “Eu fiz a sugestão ao prefeito e ele adorou a ideia. Nada aconteceria se ele não tivesse assinado embaixo”, disse.

Na última segunda, o prefeito ACM Neto lamentou a morte de Moraes Moreira, que ele acredita ser um dos mais brilhantes e completos artistas baianos. "Com sua presença marcante na história do Carnaval da Bahia, ele projetou com elegância a maior festa popular do planeta para cada esquina do Brasil e do mundo”.

ACM Neto disse também que Moraes Moreira deixa uma obra que serve de referência para todas as gerações. “A Bahia perdeu um artista que sempre será sempre lembrado não somente pelo que fez para a projeção do nosso Carnaval, mas, sobretudo, pela consistência de seu trabalho autoral", concluiu o prefeito.

Obra A obra da Praça Castro Alves está avaliada em R$ 1,8 milhão e tem conclusão prevista para Carnaval de 2021. Em 2019, durante escavações para reforma da Praça Castro Alves, foram encontrados achados arqueológicos do Teatro São João. A partir daí, a Fundação Mário Leal Ferreira (FMLF) engendrou uma ampla e aprofundada pesquisa com arquitetos, arqueólogos, historiadores e engenheiros para elaborar um projeto que agregasse a requalificação da praça do povo com as ruínas reveladas e carregadas de história e memória.

Para a Fundação Gregório de Mattos (FGM), órgão convidado para compor a equipe multidisciplinar na elaboração do projeto, a ideia é criar um espaço que utilize a estrutura da fonte encontrada nas escavações do final do ano passado, como um palco para atividades culturais de pequeno porte, com capacidade para receber um público de até duzentas pessoas. Além disso, um sítio arqueológico com as ruínas da fachada do São João, farão parte do mesmo ambiente e estariam ali, abertas para interatividade com o público.

Dentro da proposta para esse espaço cultural, Fernando Guerreiro, presidente da FGM, batiza o palco da concha acústica que será erguida no local, como Palco Moraes Moreira. Para Guerreiro, “prestar essa homenagem na Praça Castro Alves, ao artista que transformou aquele espaço num palco de grandes carnavais é fazer jus não só ao cantor, como ao poeta, cordelista, letrista de inesquecíveis sucessos da MPB, o eterno Novo Baiano e a pessoa eletrizante que foi e sempre será, Moraes ‘Carnaval’ Moreira.”

*Com orientação de Fernanda Varela