'Mau tempo' foi determinante para acidente Cavalo Marinho, dizem advogados de empresa

Empresa, dono e engenheiro responsável pelo barco foram condenados; veja a íntegra da decisão da Marinha

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  • Marcela Vilar

Publicado em 4 de setembro de 2020 às 14:42

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arrison MArinho/CORREIO

Pela primeira vez após mais de três anos do acidente da embarcação Cavalo Marinho I, a empresa CL Empreendimentos, proprietária do barco, se pronunciou por meio dos advogados de defesa, numa coletiva de imprensa na manhã desta sexta-feira (4). Segundo os representantes, a causa determinante para o naufrágio que matou 19 pessoas e deixou 59 feridos em Mar Grande foi a condição climática que estava adversa naquele 24 de agosto de 2017 e não os “problemas construtivos” da embarcação, como concluiu o julgamento do Tribunal Marítimo da Marinha, finalizado em 21 de agosto. (Vejas todos os argumentos da defesa em um vídeo apresentado por eles na coletiva no final desta matéria, assim como o acórdão da Marinha, na íntegra).   A investigação da Marinha apontou a empresa CL Empreendimentos, o proprietário da embarcação, Lívio Galvão, e o engenheiro Henrique Caribé Ribeiro, que era o responsável técnico pelo barco, como culpados pela tragédia. A Corte proibiu o engenheiro de exercer a função de responsável técnico em qualquer Capitania de Portos por cinco anos. Ao sócio da CL Empreendimentos, Lívio Galvão, foi aplicada uma multa de 10.860 UFIR (Unidades Fiscais de Referência) - a ser corrigida pelo setor de execução da corte - e a empresa não poderá mais construir barcos, pois teve o registro de armador cancelado pela Marinha.

O principal problema que teria causado o acidente, segundo o engenheiro naval Vanderley Bernardo, foi que três ondas, de tamanho muito maior do que é normalmente visto naquela área da Baía de Todos os Santos - classificada de Área 1 - atingiram a Cavalo Marinho e, por isso, ela teria naufragado. Como o barco não tinha sido construído para suportar ondas daquele tamanho (de 3,8m, segundo os advogados), não teria como ela aguentar o impacto. “Três ondas que não deveriam existir numa Área 1 tiraram a embarcação do seu curso e emborcaram a embarcação. Mesmo estável, ela não resistiria, porque ela não era uma embarcação para aquele tipo de mar”, defendeu o engenheiro. O engenheiro naval e advogado especialista em casos marítimos Castro Freire ratificou essa informação e ainda se baseou em outra justificativa para explicar a violência das ondas: a causa da morte de duas pessoas foi por traumatismo craniano e não por afogamento. Antes de fazer a argumentação, ele pediu desculpas às vítimas do acidente.

“Pelo menos dois mortos não foram mortos por afogamento, mas por traumatismo craniano. A violência da onda foi tão grande que a cabeça dessas pessoas, me perdoem, foi esmagada contra o casco do navio. Foi uma violência tamanha que elas não morreram afogadas, mas pela pancada na cabeça”, disse o advogado.

Segundo os peritos que foram à embarcação, a primeira onda teria sido “muito forte”, o que fez a embarcação desviar do seu rumo. Já a segunda causou uma inclinação de 70 graus e a terceira deixou o barco numa inclinação de 90 graus. 

Quem deveria ter avisado sobre o mau tempo? A defesa alegou ainda que “alguém” deveria ter impedido a embarcação de fazer a travessia Mar Grande à Salvador, por conta do mau tempo. Segundo os advogados, também não foi emitido o aviso de previsão do tempo no dia anterior. 

“O evento, imprevisível, não teve como causa culpa da empresa. Se tem algum responsável por fazer alguma coisa não somos nós que vamos dizer, a nossa obrigação aqui é esclarecer que nós é que não temos essa responsabilidade”, esclareceu o advogado Manoel Pinto, que representa as partes na área cível. 

A Marinha informou que essa competência é emitida pelo Centro de Hidrografia da instituição. “Os avisos de mau tempo são emitidos pelo Centro de Hidrografia da Marinha, que inclusive os disponibiliza aos navegantes em sua página da internet".

A Capitania dos Portos não quis comentar a alegação porque “as questões sobre o processo estão na esfera da justiça”. A Capitania ainda disse que “os questionamentos das partes arroladas no processo devem ser submetidos e analisados pelo Tribunal Marítimo”. 

Estudo de estabilidade Os advogados disseram ainda que a embarcação tinha sim sido submetida a um estudo de inclinação e estabilidade. Aos jornalistas, eles apresentaram um documento de 18 de abril de 2016. O Tribunal Marítimo, no entanto, argumentou em sua decisão que o barco tinha passado por reformas após essa data, o que comprometeu sua estabilidade.   Porém, os defensores disseram que nenhuma alteração significativa foi feita no barco após abril de 2016 - um ano e meio antes da tragédia - somente serviços básicos de manutenção. Além disso, a Capitania dos Portos da Bahia teria dispensado o barco de um novo estudo de estabilidade. Castro Freire, um dos advogados dos condenados, disse que a Cavalo Marinho I fez 1.703 viagens neste período e que, portanto, era segura e estável.

“Em 18 de abril de 2016 foi emitido o Certificado de Segurança da navegação. Se esse documento [do estudo de estabilidade] não fizesse parte, com certeza esse certificado não seria emitido. Nenhuma embarcação possui certificado de segurança sem todos os documentos na Capitania. Se a Capitania emite um certificado de segurança da navegação sem o total dos documentos, isso é um problema dela”, defendeu Vanderley Bernardo. 

Além disso, os defensores disseram que o Tribunal Marítimo contrariou uma das normas do Código Naval, que prevê que, mesmo atendendo os critérios de estabilidade, as embarcações não estão imunes a emborcamentos.

“O Tribunal Marítimo falou, no acórdão, uma porção de coisas que contrariam a norma. O juiz disse que a embarcação deveria ter resistido a qualquer onda. A norma diz no item 0639: ‘o atendimento aos critérios de estabilidade não dão imunidade da embarcação contra o emborcamento’. Então o juiz contrariou o que está na norma. Talvez ele pense isso, mas ele não conhece a norma”, denunciou Bernardo. 

Lastro solto Segundo a defesa, o lastro solto, que consta no julgamento da Marinha como uma das causas que influenciou o barco a pender para a esquerda, não teria contribuído para o acidente. Uma das explicações apresentadas foi o peso do lastro, que só tinha 300kg. De acordo com a lei, não é necessário pedir qualquer autorização para instalar ou mover equipamentos que tenham até 2% do peso do barco, que tinha 40 toneladas. 

Documentos da Marinha divergem entre si, segundo defesa Outro argumento utilizado para contestar a decisão do Tribunal Marítimo é que as perícias realizadas pela Marinha na embarcação divergem entre si e que existem ao menos 10 erros nos relatórios. Foram pelo menos três engenheiros que a examinaram por parte do Tribunal Marítimo, e dois engenheiros navais utilizados pela defesa, além de um capitão formado em meteorologia. Ao todo, foram quatro documentos de perícia no processo - três da Marinha e um da defesa. 

“Eles conflitaram entre si do lado deles [da Marinha], entre o perito inicial e o perito contratado pelo juiz. Quer dizer, a dúvida continua, porque nem eles mesmo se entenderam”, afirmou Castro Freire. 

Por que só o comandante do barco foi inocentado? Dentre as quatro partes no processo da Marinha - a empresa, o dono do barco, o engenheiro e o comandante - somente o comandante da Cavalo Marinho I, Osvaldo Coelho Barreto, foi o inocentado. Segundo o advogado Castro Freire, o Tribunal chegou à conclusão que o acidente foi “irresistível, inevitável e imprevisível” e, por isso, o Osvaldo Barreto foi considerado inocente. 

“Ficou provado na nossa defesa junto ao Tribunal que o acidente era inevitável, irresistível e imprevisível. Porque que era imprevisível? A Marinha emitiu o aviso de mau tempo? Não. Inevitável porque o comandante não recebeu nenhuma informação dos comandantes que já estavam navegando que ele não deveria navegar, tanto é que saiu uma embarcação minutos antes e voltou uma embarcação minutos depois do emborcamento. E irresistível porque a embarcação não foi construída para encarar aquelas ondas”, pontuou Freire. 

Próximas etapas A defesa vai recorrer da decisão do Tribunal Marítimo, que tem somente efeitos administrativos, já que o Tribunal funciona apenas como assessor do Poder Judiciário. O processo criminal ainda tramita na Justiça e está em fase de alegações finais, ou seja, reunindo os documentos de defesa para então ser julgado pelo juiz. 

Os condenados pelo Tribunal Marítimo - o dono do barco e proprietário da empresa Lívio Galvão e  o engenheiro Henrique Caribé Ribeiro - não comparecem à coletiva da manhã de hoje. 

O Tribunal Marítimo enviou uma nota ao CORREIO. Confira:

Rio de Janeiro, 04 de setembro de 2020.

    Em atendimento a vossa solicitação, a respeito do Processo nº 32.241/2018,  envolvendo a embarcação “Cavalo Marinho I”, participo o seguinte:

    O Tribunal Marítimo, com jurisdição em todo o território nacional, órgão autônomo, auxiliar do Poder Judiciário, esclarece que para cumprir a missão de julgar os acidentes e fatos da navegação marítima, fluvial e lacustre, é composto por um Colegiado de sete juízes, com conhecimento especializado e multidisciplinar, necessário para avaliar todos os detalhes e complexidades que envolvem o julgamento de um acidente da navegação. Vale mencionar que os Juízes do Tribunal possuem décadas de experiência em suas áreas de atuação (previstas no art. 2º, da Lei nº 2.180/54) além de cursos de doutorado e mestrado, possuindo, portanto, notório saber em seus respectivos campos do conhecimento.          De acordo com o Acórdão do julgamento do processo nº 32.241/2018, relativo ao acidente com a embarcação “Cavalo Marinho I”, a decisão dos Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimidade, foi: Julgar o acidente da navegação capitulado no art. 14, alínea “a”, da Lei 2.180/54 como decorrente do dolo eventual do segundo, do terceiro e da quarta representada, respectivamente Henrique José Caribé Ribeiro, Lívio Garcia Galvão Júnior e CL Empreendimentos EIRELLI-EPP, condenando-os às penas máximas previstas na Lei 2.180/54, cabendo ao segundo representado a pena de interdição para o exercício da função de responsável técnico perante todas as Capitanias dos Portos pelo período de cinco anos, ao terceiro representado pena de multa máxima no valor de 10.860 UFIR (dez mil oitocentos e sessenta Unidades Fiscais de Referência) a ser corrigido pelo setor de execução do Tribunal Marítimo e a quarta representada pena de cancelamento do registro de armador. Custas processuais e honorários periciais a serem divididos entre os três condenados em partes iguais. Penas com fulcro no art. 121, incs. III, VI e VII, §§ 3º e 5º, c/c art. 123, inc. I, 124, incs. V e IX e §1º, 127, §2º e art. 135, incs. II e VII, todos artigos da Lei 2.180/54. Exculpar o primeiro representado, o MAC Osvaldo Coelho Barreto. As referidas penas serão executadas conforme competência legal do TM.      Deve ser destacado que no Processo nº 32.241/2018 foi observado o Devido Processo Legal, o Contraditório e a Ampla Defesa. Nesse sentido, as partes tiveram ampla oportunidades de produzir provas, arrolar testemunhas, apresentar documentos e se manifestar nos autos. Nesse caso em questão foi, inclusive, produzida prova pericial.      Assim, após o transcurso de todas as fases processuais previstas na Lei nº 2.180/54, o Colegiado Técnico Multidisciplinar da Corte do Mar prolatou o Acórdão, definindo a natureza do acidente, determinando sua causa e indicando os seus responsáveis com base em todo conjunto probatório existente nos autos e em critérios técnicos.      Nada obstante eventualmente serem suscitadas discordâncias em relação ao teor dos julgados, é imperioso mencionar que não cabe ao Tribunal Marítimo, órgão administrativo-judicante, se manifestar sobre o mérito da questão fora dos autos. Além disso, a Lei nº 2.180/54 estabelece recursos que podem ser interpostos para questionamento das decisões prolatadas.         Atenciosamente,

Assessoria de Comunicação Social Tribunal MarítimoVeja a íntegra da decisão do Tribunal Marítimo abaixo:

*Sob orientação da subeditora Clarissa Pacheco