Assine

Mercado de eventos da Bahia reage à crise com a campanha “Não cancele, adie!”


 

Ganha força na internet movimento com pedidos para que os consumidores não cancelem eventos, como casamentos e formaturas, e sim remarquem

  • Georgina Maynart

Publicado em 28/03/2020 às 13:00:00
Atualizado em 21/04/2023 às 00:43:07
. Crédito: Acervo pessoal

Adiar, remarcar, transferir, prorrogar. Só não pense em cancelar. Esta tem sido a mensagem dos empresários que foram surpreendidos com os efeitos do coronavírus no agendamento de eventos e cerimônias que estavam pré-agendados para este período. 

O objetivo é convencer o consumidor a adiar o serviço, manter os contratos e reduzir os danos econômicos decorrentes da pandemia. A tentativa abrange eventos de qualquer natureza. Desde viagens de turismo, congressos, casamentos, batizados e até os antes inadiáveis aniversários. 

A campanha “Não cancele, adie” começou nas redes sociais com os segmentos ligados aos pacotes de viagem. Mas agora vem ganhando a adesão de pessoas de todas as áreas e nas mais diversas circunstâncias.

Casamento

Casar no religioso sempre foi o sonho da vendedora Jaci Franco, que já estava com tudo pronto para a cerimônia marcada para este sábado (28/03) num espaço evangélico de Salvador. Vestido ajustado, maquiagem planejada, convites entregues, cerimonial revisado, sistema de som, buffet pago para receber cerca de 120 convidados. Até que a pandemia da Covid interferiu nos planos dela e do noivo Alexssandro.

Faz quinze dias que os eventos com mais de 50 pessoas estão proibidos na capital baiana. Por isso, não houve dúvida. Os noivos correram para suspender toda a cerimônia, mas mantiveram os contratos comerciais assinados com todos os prestadores de serviço. 

“Nós negociamos. A gente tem que pensar nas outras pessoas. Elas vivem da realização destes eventos. Não podemos ser egoístas neste momento. É importante pregar mais generosidade e mais amor, e deixar as desavenças de lado. Ninguém é prioridade e estamos no mesmo barco”, afirma Jaci.

O sonho foi postergado, mas o casamento não. Os dois oficializaram a união no cartório civil, e agora aguardam o fim do período de restrições, imposto por decreto municipal, para realizar a tão sonhada cerimônia religiosa.

“Tudo para o bem de todos. Preferimos nos resguardar, além de proteger os convidados, principalmente os idosos, que não poderiam participar neste momento. Faremos a cerimônia em uma data futura, que só será definida quando tudo isso passar”, conclui. 

Aniversário

Adiar um aniversário de criança pode não ser tão fácil, principalmente quando já foram investidos mais de dez mil reais nos preparativos. Decoração, salão de festa, animação, buffet, balões, fotógrafo, lembrancinhas. Mas a contadora Daiane Soledade, mãe de Noah, não pensou duas vezes, adiou tudo o que estava marcado.

“Já estava tudo pago, mas nós suspendemos a realização por causa do coronavírus. Negociamos com os prestadores de serviço e não cancelamos, apenas transferimos para o ano que vem quando ele completar três anos”, afirma Daiane. Buffet de aniversário de Noah já está pago, mas as palmas ficaram para o próximo ano. (Foto: acervo pessoal) Foi a mesma decisão tomada pela esteticista Fátima Dias, avó de Maria Julia, que vai completar um ano de idade. A primeira festa de aniversário da neta, que seria realizada na última semana, foi suspensa por tempo indeterminado, mas com manutenção dos contratos. 

“Nós decidimos negociar e esperar uma data melhor para remarcar. O importante é ter vida, saúde e ficar em casa. O restante a gente resolve depois. É preciso ter paciência e compressão”, afirma a esteticista.

Confiança

Para os empresários, a confiança e a credibilidade já conquistadas no mercado, tem sido fatores cruciais para convencer os consumidores a não cancelarem os contratos. 

Dona de um buffet de festas há 12 anos, Úrsula Almeida, tinha dezenas de eventos previstos para realizar nas próximas duas semanas. Todos estão sendo adiados. Mas dos 22 eventos previstos para este período, 20 clientes aceitaram manter os contratos, assim como os valores já pagos. 

“Eles estão deixando para decidir depois quando irão realizar os eventos. Até agora apenas dois efetivamente cancelaram, alegando que vão ficar desempregados e vão precisar dos recursos”, afirma a empresária. Não cancele, confie! é um dos lemas da empresária de buffet Úrsula Almeida para enfrentar os efeitos da pandemia que afeta o setor de eventos. (Foto: acervo pessoal/ divulgação) A empresária mantem uma equipe de 45 pessoas, como garçons, seguranças, recepcionistas, equipes de apoio. Cada evento cancelado significaria um prejuízo de cerca de 6 mil reais no faturamento. O adiamento ou suspensão temporária do evento tem sido a solução viável para evitar um prejuízo de quase 50 mil reais. 

“Já contávamos com os recursos que tinham sido pagos antecipadamente, inclusive para adquirir parte dos ingredientes. Por enquanto eles estão confiantes, abraçando a ideia de adiar. Eu não sei como será no futuro, mas estou lembrando para eles que os sonhos foram adiados, não cancelados”, afirma a empresária.

Formaturas

Adiar os eventos também tem sido a principal tarefa da empresária Renata Rossi, dona da Prisma Eventos, uma empresa especializada na realização de formaturas. Nos últimos quinze dias, 13 formaturas foram suspensas ou reagendadas. A empresa chegou a contratar uma advogada para responder as perguntas dos clientes através de uma live na internet, uma estratégia de fidelização que vem dando certo.

“É uma forma de prestar um serviço e estar mais próximo de todos que também tiveram que refazer os planos. Os eventos suspensos, em cima da hora, já estavam 95% pagos, organizados e prontos. Do sistema de iluminação aos fotógrafos. Mas os clientes têm compreendido que estamos todos juntos nesta situação. Eles estão remarcando”, afirma Renata. Renata Rossi teve que adiar 15 formaturas nos últimos 15 dias. Ela espera contar com a compreensão dos clientes para manter os negócios. (Foto: acervo pessoal/divulgação) A empresa mantem 14 funcionários fixos e gera cerca de 180 empregos indiretos. São centenas de pessoas, dos trabalhadores que atuam nas gráficas para emissão de convites até os profissionais de apoio nas solenidades. 

“Nós somos brasileiros, não desistimos nunca e vamos sair dessa. Mas neste setor quem tem capital de giro conseguirá se manter por no máximo dois meses. Sem evento e faturamento ficará difícil. Antes da pandemia, acreditávamos que este seria um ano de expansão. Mas agora estamos orando para, pelo menos, poder pagar as contas e não fechar as portas”, conclui. 

Os eventos vinham sendo planejados a mais de um ano. Cada formando investiu entre 2 a 4 mil reais para participar da cerimônia. Muitos fazem questão de realizar o evento, seja lá em que época for.

É o caso da formanda em fonoaudiologia Laila Damasceno. A formatura dela, e de outras 13 estudantes, estava prevista para sábado passado, mas foi suspensa e não cancelada.

“Nós estamos com tudo pago, todas as parcelas quitadas. Vestidos prontos, espaços alugados. A formatura é muito importante para toda a família, um momento de celebração e que simboliza muitas conquistas. Mas entendemos que o adiamento não é culpa de ninguém e faremos a festa depois”, afirma a fonoaudióloga, que já pode exercer a profissão pois a colação de grau já havia sido realizada. Laila Damasceno e outras 13 formandas adiaram a formatura sem cancelar os contratos já pagos. (Foto: acervo pessoal/ divulgação) Telereabilitação

No primeiro momento pode até parecer estranho, mas a tendência de manutenção dos contratos vem ocorrendo também em alguns serviços específicos de saúde em domicílio.

Fisioterapeutas que atendem pessoas com sequelas provocadas por lesões neurológicas, e que precisam de atendimento domiciliar, estão conseguindo manter as sessões mesmo em período de pandemia. 

“Nós fizemos ajustes no atendimento, e nos preparamos para este cenário do coronavírus. Implantamos por exemplo, a telereabilitação, que é o monitoramento pela internet”, conta o fisioterapeuta neurofuncional Marcus Fonseca, dono da Neurotrat, clínica de fisioterapia domiciliar.

Já no tratamento domiciliar presencial, eles restringiram o número de profissionais que atendem os pacientes, reduziram a rotação dentro dos domicílios e implantaram protocolos rigorosos para garantir a proteção do paciente e da família.

Deu certo. Até agora ninguém cancelou definitivamente o atendimento. Os 20 fisioterapeutas da clínica estão se revezando para dar assistência a 90 pacientes. As sessões de reabiltação presencial custam em média R$ 150 reais. Já o monitormento pela internet´é de graça. 

“Nossa intenção principal é manter a assistência aos pacientes, para que no retorno ao ritmo normal eles não voltem tão debilitados, ou que não tenham regredido no tratamento. Mas, obviamente, atrelado a isso a gente percebe que o paciente se sente acolhido e certamente voltará a fazer o tratamento conosco depois que tudo isso passar”, afirma Fonseca.  Marcus Fonseca e outros 19 fisioterapeutas da equipe estão fazendo a Telereabilitação para manter a assistência aos pacientes em tempos de pandemia. ( Foto: acervo pessoal/divulgação) Exposições

A onda do “Não cancele, adie” também atinge grandes eventos agropecuários que fazem parte do calendário anual do setor. Exposições de vários municípios foram remarcadas ou suspensas com promessa de realização quando tudo voltar ao normal.

No Oeste da Bahia, um dos principais eventos suspensos foi a Bahia Farm Show, a maior feira de Tecnologia Agrícola do Norte e Nordeste. A decisão de adiar, e não cancelar, contou com o apoio de várias empresas que participariam do evento, e que já tinham contratos fechados com os organizadores. 

“Chegamos a um consenso. Adiar e não cancelar. Não vimos a necessidade de impor dificuldade, vamos esperar que tudo se acalme. A pandemia está aí, mas vai passar. E quando isso acontecer, virão novas safras, novos plantios e mais oportunidades de negócios neste setor que é essencial para gerar alimentos”, afirma Maicon Crestani, presidente da Associação dos Revendedores e Representantes de Máquinas e Implementos Agrícolas do Oeste da Bahia (Assomiba).

Esta foi a segunda vez que a Bahia Farm é adiada. A primeira foi em 2018 durante a greve dos caminhoneiros, quando o evento foi realizado uma semana depois do previsto. Desta vez os organizares ainda não definiram uma nova data. O evento movimenta quase R$ 2 bilhões de reais a cada edição.

“Vamos trabalhar uma nova data que esteja em consonância com as recomendações dos órgãos de saúde. Seguiremos atentos ao desenrolar da pandemia, com a serenidade e a transparência exigidas pelas circunstâncias”, afirmou Rose Cerrato, coordenadora da Bahia Farm Show.

Turismo

O setor de turismo foi um dos primeiros a levantar a bandeira do adiamento e da remarcação. Representantes do setor em todo o país ocuparam as redes sociais nos últimos dias para apelar ao consumidor para não cancelar as viagens e pacotes previamente pagos. 

De acordo com a Associação Brasileira das Agências de Viagens (ABAV) o percentual de cancelamento dos pacotes internacionais chegou a 90% nas últimas semanas. 

Antes das restrições provocadas pela Covid-19 ganhar força, o turismo do estado já vinha amargando números negativos. Segundo o IBGE, os serviços ligados ao turismo na Bahia registraram queda de 0,4% em janeiro deste ano, em comparação com dezembro de 2019. Um movimento que seguiu a tendência nacional de retração no Brasil.

A Associação Brasileira de Resorts (Resorts Brasil) calcula que o prejuízo do setor ultrapasse os R$ 3,5 bilhões de reais até o fim do mês de março.

*O Salvador Unida é uma iniciativa do Jornal CORREIO em parceria com o Sebrae, apoio institucional da Prefeitura de Salvador e apoio do Fecomércio, Sotero Ambiental, Acomac, Salvador Bahia Airport, Fieb, Hapvida, Ademi, Viltalmed, Intermarítima, Claro, Hapvida e Hospital da Bahia.