‘Meus pacientes precisam de mim’, disse médico antes de morrer por covid-19

Com mãe manicure e pai vidraceiro, Danilo nasceu e cresceu em uma casa de palafita e conseguiu realizar o sonho de fazer medicina

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  • Da Redação

Publicado em 13 de maio de 2020 às 08:28

- Atualizado há um ano

. Crédito: Reprodução

A preocupação do médico Danilo David Santos, até seus últimos dias de vida, foi com a saúde de seus pacientes. Internado com coronavírus, que adquiriu exercendo a profissão, ele só pensava em voltar ao trabalho o mais rápido possível para continuar ajudando as pessoas.

“Meus pacientes precisam de mim, logo na semana que vem já tenho que ir salvar pessoas. Fico olhando aqui desse lado e só penso que eu poderia estar do outro lado ajudando”, disse ele em uma mensagem, obtida pelo G1, enviada ao celular de uma amiga.

Um dia após o texto, Danilo, foi entubado no Hospital Escola de Valença, onde trabalhava no interior do Rio de Janeiro, e a família não o viu mais. O psiquiatra morreu, aos 33 anos, no último domingo (10).

“Lutou, lutou, lutou. Morreu na profissão, se contaminou na profissão, morreu trabalhando”, contou ao G1 a mãe, Francisca das Chagas dos Santos, de 61 anos, que disse que o filho, de quase dois metros de altura, tinha diabetes e pressão alta.

Danilo nasceu e cresceu em uma casa de palafita em Belém, no Pará, que ficava com água até o meio da perna quando a tradicional chuva paraense insistia em ser ainda mais forte. A mãe, manicure e diarista, e o pai, vidraceiro, juntavam a maior parte da renda para que o garoto conseguisse cursar um colégio melhor. Aos 16 anos, passou em três faculdades, Enfermagem, Ciências Biológicas e Engenharia Ambiental.

Danilo começou a cursar Enfermagem, mas o sonho era Medicina. Dois anos depois, resolveu prestar vestibular mais uma vez na Universidade Estadual do Pará (UEPA). Como ele não tinha internet, foi uma vizinha que viu o nome dele na lista de aprovados e foi contar a novidade.

O primeiro médico da família foi fazer residência em psiquiatria no Rio de Janeiro. Na capital fluminense, foi onde também conheceu o marido, Gilberto Amaral, em 2015. Com apenas um mês de namoro, Danilo escondeu uma aliança em um brigadeiro e o pediu em casamento.

Além de ensinar Gilberto a comer “o verdadeiro açaí”, Danilo o convenceu de que ele também era capaz de cursar Medicina, curso que hoje estuda. Quando o marido acabasse a faculdade, o casal planejava adotar um casal de crianças, que já tinham até nome. Antes de ser entubado, Danilo deixou um recado com o enfermeiro: “fala com o Gilberto que eu já volto, e quando voltar vamos antecipar a Liz e o Gabriel’.

Danilo também já passou por episódios de racismo na profissão, como em 2017 quando um paciente recusou-se a ser atendido por um "crioulo". O médico realizou mesmo assim o atendimento e só depois prestou queixa na delegacia. O psiquiatra chegou a ir no programa Encontro com Fátima Bernardes para falar sobre os episódios de intolerância na profissão.

“O que temos que mostrar, independente da cor da pele, é que estamos onde nós estamos porque somos capazes. Nós temos que cada dia mais nos acostumar com negros em altos cargos, com negros sendo chefes de equipe, com negros tendo um papel social muito mais relevante”, disse Danilo na época.