Moradores acusam PMs de executarem jovem a caminho do trabalho na Santa Cruz

Rafael estava fardado quando foi baleado por trás; policiais teriam forjado confronto

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  • Bruno Wendel

Publicado em 27 de janeiro de 2020 às 15:12

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

Colado nas portas fechadas o cartaz: "Em luto por um inocente". O aviso estampado nos quatro estabelecimentos de uma família no bairro da Santa Cruz, em Salvador, era não só justificativa para o não funcionamento das lojas.

Era também uma forma de demonstrar revolta pela morte de um dos seus funcionários, Rafael Mota dos Santos, 26 anos, durante uma ação policial no início da manhã deste domingo (26). Moradores disseram que o rapaz estava a caminho do trabalho, ainda fardado, quando foi baleado por PMs.  "Em luto por um inocente" diz cartaz em estabelecimento onde jovem trabalhava (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Rafael foi enterrado na manhã desta segunda-feira (27), na cidade de Maragogipe, no Recôncavo baiano, onde nasceu. Ele era afilhado e funcionário dos donos de quatro estabelecimentos - três mercadinhos e uma loja de polpa de frutas - na Santa Cruz, que compõe o Complexo do Nordeste de Amaralina.

Por telefone, o CORREIO falou com um dos tios do rapaz. Bastante abalado, ele preferiu não dar detalhes do assunto. 

A morte de Rafael aconteceu no momento em que a Secretaria da Segurança Pública (SSP) passou a monitorar, desde sábado (25), o Complexo do Nordeste de Amaralina, após informações sobre uma guerra entre traficantes rivais nos bairros da região. Para a SSP, foi morto um suspeito. Rafael Mota dos Santos, 26 anos, trabalhava em mercadinho de bairro (Foto: Reprodução) Tiros Moradores de Santa Cruz contaram ao CORREIO que Rafael foi baleado por volta das 6h30. Ele tinha acabado de sair de casa para abrir o Mercadinho de Frios, situado no final de linha da Santa Cruz.

“Ele descia uma escadaria quando escutou os tiros. Com medo, ele voltou correndo, em direção à casa. Foi o momento em que ele foi baleado por trás”, contou um morador que preferiu não revelar o nome. “Ele estava no chão sangrando e foi arrastado pela farda na escadaria até a parte de baixo por policiais que deram mais tiros nele. Em seguida, um policial colocou na mão dele uma pistola e usou o próprio dedo de Rafael para efetuar o disparo, para dizer que houve confronto. Ainda puseram droga nele e os PMs fizeram isso na frente de todo mundo”, detalhou sobre o que teria ocorrido com Rafael.Outro morador relatou que uma outra equipe de policiais, que tinha acabado de chegar ao local, ficou indignada com a morte de Rafael. “Eles viram que o rapaz estava fardado, que era um trabalhador. Eles ficaram sem acreditar na merda que os outros PMs fizeram, mas não podiam fazer nada, pois não iam bater de frente com os colegas”, declarou a segunda fonte. 

Rafael trabalhava no mercadinho há cerca de 10 anos, o mesmo tempo que o estabelecimento passou a funcionar na Santa Cruz. “A dona, que é madrinha dele, veio de Maragogipe junto com a família e abriu alguns comércios aqui, e Rafael veio junto. Ele fazia de tudo. Era caixa, motorista, estoquista, vez e outra assumiu a loja. Era um faz-tudo e muito querido pelos donos, funcionários e pela comunidade. Ele não foi morto em confronto. Foi assassinado pela polícia”, disse um terceiro morador. 

Entre 9h30 e 10h30 desta segunda-feira (27), o CORREIO circulou pelos bairros da Santa Cruz, Nordeste de Amaralina e Chapada do Rio Vermelho e não encontrou uma viatura sequer. Já no Vale das Pedrinhas, havia uma equipe policial em uma viatura na entrada do bairro, mas sem os policiais à vista.

Procurada pelo CORREIO para se posicionar sobre a denúncia dos moradores quanto a atuação da PM, a corporação informou, por meio de nota, que os moradores devem procurar a Ouvidoria. Segundo a PM, o contato pode ser via telefone, pelo 0800 284 0011. Eles ressaltam que a identidade do denunciante é preservada. "Caso a pessoa queira fazer a denúncia presencial na Corregedoria da PM, a sede fica localizada na Rua Amazonas, nº 13, Pituba", informa a nota. 

Bairro ocupado Segundo a assessoria da pasta, até a manhã desse domingo não havia sido detectada nenhuma anormalidade na região. A atenção com a região e o monitoramento começou após relatos de que vários homens armados estavam nas ruas, com principal concentração na Chapada do Rio Vermelho.

Segundo a pasta, no sábado, um patrulhamento tático da Rondesp Atlântico terminou com troca de tiros entre policiais e bandidos, além de arma, drogas e estojos de fuzis apreendidos. 

Segundo a SSP, os objetos estavam com integrantes de uma quadrilha envolvida com tráfico, homicídios, corrupção de menores e roubos na região. A situação ocorreu quando PMs passavam pela região do Areal, na Santa Cruz, e perceberam um grupo armado. 

“Os criminosos atiraram e, após confronto, um deles acabou ferido. Ele chegou a ser socorrido para o Hospital Geral do Estado, mas não resistiu”, diz nota da SSP, que afirma que durante a ação, um suspeito acabou morto.