Moradores de Coronel João Sá lamentam perdas: 'A água veio e levou tudo'

Mesmo sem mortes, a sensação de tristeza entre os moradores é evidente

Publicado em 13 de julho de 2019 às 06:16

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Evandro Veiga/CORREIO

A parede que separava o quarto de dona Maria José Praxedes de Jesus da sala da casa, na rua de entrada da cidade de Coronel João Sá, divisa da Bahia com Sergipe, tinha quase dois palmos de espessura. Era a parte mais antiga da casa onde ela vive com parte da família. Mas a força da água foi tamanha que a estrutura foi abaixo logo que a Barragem do Quati, no povoado vizinho de mesmo nome, se rompeu, anteontem de manhã. Quati fica na cidade de Pedro Alexandre 

“Olha a largura dessa parede. É antiga, foi meu avô que levantou há muitos anos. Mas nem ela ficou de pé”, apontou o agente de endemias Euler Jesus dos Santos, 23, um dos filhos de dona Maria José.

Ontem, foi dia  de contar os prejuízos. Além da parede, o sofá, camas, armários, guarda-roupas, mesa e eletrodomésticos. Não deu para ninguém dormir em casa, todo mundo buscou abrigo num ponto mais alto da cidade. Coronel João Sá fica a cerca de 30 quilômetros da barragem do Quati. Mas, lá, os estragos são palpáveis.“Eu tentava tirar a água e ela subia borbulhando, voltava pelos canos, nunca vi um negócio desses aqui”, lembrou Euler. “Graças a Deus  ninguém se feriu, mas o prejuízo é de quase 90% da casa  que foi embora. Este ano não está sendo bom pra gente, tá com dois meses que perdi meu pai, agora minha mãe perde a casa”, lamentou. Euler Jesus dos Santos (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Mesmo sem mortes, a sensação de tristeza entre os moradores é evidente. “A gente agradece a Deus que não morreu ninguém, mas a sensação é de morte. A gente tá vendo os amigos, os vizinhos que perderam tudo, gente que perdeu até comida. Dia 28 é aniversário da cidade, mas não tem nem clima, a festa foi cancelada”, contou a cabeleireira Lidiane dos Santos, de 29 anos.

A tia dela, que mora na Rua Velha, a que tem as residências mais antigas do município, perdeu tudo. No mesmo lugar, José Alex, 34, dono de um carro-pipa, tirava a água do quintal da auxiliar de serviços gerais Elenice da Silva Amorim, 55, com a ajuda de uma bomba. Ele foi contratado pela prefeitura para fazer o serviço nas residências.“Já tá com três horas que eu tô puxando água só dessa casa aqui”, disse. Dona Elenice, dona da casa, acrescentou que até tentou salvar móveis e eletrodomésticos. “Suspendi tudo, fogão, geladeira, sofá. Mas aí, quando a água veio, saiu derrubando tudo”, contou ela, que divide a casa com mais seis pessoas.Cheias são comuns  Quem mora nas imediações da chamada Rua Velha, no bairro da Barroquinha, está acostumado a ver a água do Rio do Peixe subir. O rio passa paralelo à via onde está sendo construída a praça central da cidade. Talvez isso explique o porquê de muita gente não ter “acreditado” que a situação era séria, quando o prefeito Carlos Sobral mandou alertar a população sobre o risco de rompimento da barragem no povoado vizinho.

“A água aqui sempre sobe, mas nunca desse jeito. Juntou a cheia do rio com a água da barragem, foi água por cima de água”, declarou o lavrador Manuel Pereira da Silva, 65. (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Outro agravante na região é a estrutura das construções. “Essas são as primeiras casas daqui, são feitas com tijolo de adobo (sem cozimento). Ele molha e derrete. É igual a água com açúcar, não suporta o peso”, explicou o professor Erivaldo Ferreira da Silva, também morador da cidade.

O major Ramon Diego, do Corpo de Bombeiros, confirma. Segundo ele, 76 bombeiros trabalharam ontem visitando as casas e isolando as que estavam em risco. Pelo menos seis foram isoladas. O major acrescentou que o perigo era de, com mais chuva, as estruturas entrarem em colapso. “É nesse tipo de evento que ocorrem  tragédias, porque a população passa no local sem saber do risco e pode  se afogar”.

Visita do governador Depois do governo do estado negar o rompimento da barragem do Quati, em Coronel João Sá,  Rui Costa chegou à cidade no fim da tarde de ontem para ver de perto os estragos causados pela enxurrada. Ele afirmou que a prioridade do governo nesse momento “não pode ser outra senão preservar vidas humanas”. “Providências em relação às estradas, casas e outros prejuízos serão avaliadas apenas quando a chuva parar”, disse o governador.

Acompanhado do secretário de Infraestrutura do estado, Marcus Cavalcanti, e do secretário de Saúde, Fábio Vilas Boas, Rui Costa visitou as ruas afetadas, conversou com o comandante-geral do Corpo de Bombeiros, coronel Francisco Teles, e se reuniu com o prefeito de Coronel João Sá, Carlos Sobral.

“Todas as outras questões nós vamos ver depois da chuva parar. Aí vamos ver o que fazer de estrada, de recuperação de casas, ver as pessoas desabrigadas, tentar ajudar as pessoas a comprar seu mobiliário. Mas de imediato não podemos desviar o foco, de imediato é monitorar tudo que tá acontecendo aqui em Pedro Alexandre, na região, para evitar acidente com as pessoas”, disse Rui. (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Cemitério destruído Além das casas, o Cemitério Municipal Bebedouro, em Coronel João Sá amanheceu fechado, mas era possível ver os sinais da força da água do lado de fora. Cruzes caíram no chão e foram arrastadas. Covas mais recentes estavam reviradas. Morador da mesma rua do cemitério, o guarda municipal José Sabino Santos, 41, perdeu tudo - móveis, eletrodomésticos e roupas. 

“A geladeira ficou boiando, a televisão está cheia de água, o fogão também encheu de água, nem sei se vai ligar mais, nem o micro-ondas. Tudo que eu tinha tá aí do lado de fora da casa. Não tive nem cabeça ainda pra calcular o prejuízo”, disse ele, que dormiu na casa de uma vizinha.

Resgate e solidariedade Enquanto uns perderam tudo, a solidariedade fez a diferença. Vizinhos e amigos bateram de porta em porta  para ajudar a levar os pertences dos moradores das áreas de risco. Além disso, 79 bombeiros militares da Bahia estão em Coronel João Sá e Pedro Alexandre para fazer resgate de desalojados e desabrigados. Mergulhadores fazem buscas nas áreas atingidas, por  precaução. Cinco caminhonetes 4x4, um micro-ônibus, botes, boias, coletes, roupas de neoprene e cordas fazem parte do material levado para os locais atingidos.  O Corpo de Bombeiros  mantém outros militares de prontidão para agir em caso de necessidade. “Estamos atuando com força total. Ficaremos com efetivo reforçado na região por tempo indeterminado”, diz o coronel Francisco Telles. (Foto: GOVBA) Prefeito oferece ajuda O prefeito de Salvador, ACM Neto, se solidarizou com os moradores de Pedro Alexandre e Coronel João Sá e colocou a Defesa Civil da capital à disposição das duas prefeituras do interior. “Independentemente de questões políticas ou partidárias, nesse momento todos têm que se unir e ajudar. A Defesa Civil de Salvador está à disposição para oferecer suporte técnico, caso isso seja desejado. Eu fiquei de coração partido e todos precisam estar juntos para que a população das duas cidades supere esse gravíssimo episódio”, declarou. ACM Neto lembrou ainda que foi representante dos dois municípios quando era deputado federal, e frisou que, já como prefeito, sabe “o que é viver e sofrer com as chuvas, pois Salvador também sofre com isso, pois existem áreas de risco na cidade”. 

*A repórter e o fótografo Evandro Veiga estão em Coronel João Sá.*Colaboraram Gabriel Amorim e Marina Hortélio, da Redação