MP investiga traçado que corta em 70% área de preservação ambiental no Capão

Inquérito vai apurar levantamento topográfico que beneficiaria posseiros e grileiros após denúncia do CORREIO

  • Foto do(a) author(a) Fernanda Santana
  • Fernanda Santana

Publicado em 25 de julho de 2020 às 06:59

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação/Polícia Militar

O Ministério Público da Bahia (MP) abriu um novo inquérito, na última semana, para investigar o traçado que reduz em 70% a área de preservação ambiental do Parque Municipal do Boqueirão, no Vale do Capão, distrito de Palmeiras, Chapada Diamantina. A investigação foi aberta depois que o CORREIO denunciou a elaboração do novo mapa que corta do espaço o equivalente a 100 campos de futebol, passando de 153 para 52 hectares. O Boqueirão é protagonista da maior disputa fundiária da história recente da região.

A Justiça Regional Especializada em Meio Ambiente do Alto do Paraguaçu, sediada em Lençóis, analisará, por exemplo, as condições da contratação da empresa que fez o novo levantamento topográfico e quem são os possíveis beneficiados. No Parque, há suspeita de grilagem e venda de lotes da área pública como mostrou o CORREIO em setembro do ano passado. 

A empresa Mais Ambiente afirmou, oficialmente, ter sido contratada pela gestão municipal para elaborar o traçado. A Prefeitura de Palmeiras nega e, após ter sido interpelada pelo MP, disse que o estudo foi apenas apresentado à gestão e não feito a pedido dela.

“Analisaremos as circunstâncias descritas para checar os possíveis movimentos contrários ao Termo de Ajuste de Conduta (TAC)”, afirmou o promotor Augusto César. 

Grileiros e posseiros

O TAC, firmado em junho de 2019, previa expulsão de “grileiros e posseiros da terra” do Boqueirão, transformado em área de proteção em 2015. Uma mulher identificada como Adaíldes Neves, prima de José Mariano Batista de Souza, questiona na Justiça a legalidade do Parque. 

Mariano mora dentro do Boqueirão e é acusado de ocupar, ilegalmente, o local. Em abril de 2015, um mês antes do decreto do Parque, ele doou 56 hectares de terra dentro do Boqueirão para a prima. Como justificativa, garantiu que era herança familiar de sua mãe, que estaria morta. Ela, no entanto, está viva. 

O nativo também não chegou a apresentar documentação de posse. A nova investigação, como contou o promotor, também irá apurar a emissão de escrituras de posse emitidas pelo cartório de Palmeiras mesmo depois da criação da unidade de conservação. 

A reportagem tentou contato com o cartório de Palmeiras para conseguir cópias dos documentos públicos emitidos. Os pedidos nunca foram atendidos.  

“O que existe hoje, naquela região, é um grupo organizado que tem interesse de fazer negócio com as terras do Boqueirão, o que inclui grileiros e outros tipos de profissionais”, continuou o promotor Augusto.  Parque do Boqueirão é vizinho à maior nascente do Riachinho (Foto: Arquivo CORREIO) Leia mais: Grilagem no Vale do Capão: nativo cerca área pública e ameaça vizinhança

Judicialização

O novo cálculo foi concluído e entregue à prefeitura no dia 19 de junho. A tentativa, suspeitam fontes ouvidas pela reportagem e envolvidas na questão, é invalidar o decreto do Parque. Isso poderia ser feito a partir da elaboração e aprovação de um Projeto de Lei (PL). Judicialmente, a primeira tentativa de derrubar o decreto foi feita em 2017, na Vara de Iraquara, também na Chapada Diamantina. A autora da ação foi Adaildes Neves, prima de Mariano.

Ele, que ocupa uma casa a oeste do Parque, é acusado de cercar a área pública para comprovar posse, ameaçar a vizinhança - chegou a cortar o abastecimento de água em uma comunidade chamada Campina -, promover incêndio, ser multado por crime ambiental e não comprovar, efetivamente, ser dono da propriedade. 

A defesa de Mariano nega que ele tenha solicitado a recontagem. O advogado de sua prima, para quem ele “doou” 56 hectares de terra dentro do Parque um mês antes do decreto de criação da área de preservação, alegando ser herança familiar, não atendeu aos telefonemas. O decreto do Parque, no entanto, continua válido, como ressaltou o promotor. Se for comprovada a posse, a única medida será a indenização dos respectivos donos. “O Parque continua sendo área de conservação e agora vamos aferir em que circunstâncias grileiros e posseiros atuaram para forçar uma nova medição”, explicou o promotor.Desde 2015, o Parque do Boqueirão é alvo de operações. No dia 19 de abril do ano passado, a construção irregular de uma casa dentro da área pública foi embargada em uma ação entre a prefeitura, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Companhia Independente de Polícia de Proteção Ambiental e a Guarda Municipal.

A disputa que envolve a área do Parque, vizinha à maior nascente do Riachinho, é caracterizada pelo promotor como o “maior problema de regularização fundiária e de tentativa de ocupação de toda a Chapada”. Mariano é acusado de ter loteado e vendido parte da terra. As acusações são negadas. 

O CORREIO tenta, desde o ano passado e por ocasião das últimas publicações, entrevistar o nativo, mas nunca conseguiu. O advogado dele, Alexandro Souza, disse que o cliente é “vítima de perseguição” e o Parque favorece “ricos e brancos que querem criar um Capão elitizado”.