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Hilza Cordeiro
Publicado em 22 de outubro de 2019 às 18:44
- Atualizado há 2 anos
Imagine que você é criança e a tarefa do dia é pintar uma vaca. O que parece possível só na fantasia aconteceu de verdade para cerca de 30 crianças e adolescentes da comunidade do Solar do Unhão. Nesta terça-feira (22), a última vaquinha em branco do projeto CowParade Brasil, que tem colorido as ruas de Salvador desde o início do mês, ganhou vida nas mãos criativas da meninada da localidade. >
Usando caneta posca, Jade Duarte, de 11 anos, fez peixinhos e estrelas nas pernas do ‘animal’, que na realidade é uma estátua de fibra de vidro. A ação de pintura aconteceu em duas sessões, uma às 8h e outra às 15h, para que todo mundo pudesse participar. Assim, quem estava no colégio pela manhã, poderia brincar de artista à tarde e vice-versa. >
A pequena Gita Gaya, 6, achou tão legal que arrumou tempo para estar nas duas. “Eu nunca pintei com spray, achei muito bom e queria fazer mais, mas acabou”, disse ela, já no finalzinho da tarde, quando a obra ficou pronta. Com alergia ao spray, Vinícius Sapucaia, 17, disse que estava lá ‘de ousado’. >
Enquanto os adultos presentes reclamavam do calor, a criançada nem ligava e quando já não havia mais espaço para decorar a vaca, paredes, chão e cadeiras também viraram telas. A galerinha pintou as mãos de tinta e saiu carimbando. Tava tudo liberado. “Antes de pintarmos, fizemos uma brincadeira primeiro na parede para eles ficarem mais à vontade e soltarem a mão. Essa já é a segunda geração de crianças do bairro que vemos crescer”, conta o orientador Júlio Costa.>
A atividade foi coordenada pelos artistas do coletivo Museu de Street Art de Salvador (Musas), os grafiteiros Bigod, Júlio Costa e Marcos Prisk. Há 10 anos o Musas atua no Solar do Unhão. Inclusive, o contato de Jade Duarte com a arte veio justamente através deste projeto, que levou cor à comunidade onde ela mora. >
“Desde pequena tenho aulas com o Júlio, aprendi um pouco de grafite e acho que o trabalho do Musas mudou muito nosso bairro. Aqui era muito acabado e deu mais alegria”, conta ela. Foi também através do projeto que Vinícius Sapucaia aprendeu fotografia e já até expôs no Museu de Arte Moderna (MAM), que fica do lado da comunidade. Ele já se prepara para seguir essa carreira profissionalmente.>
Retrato da comunidade>
É importante ressaltar o currículo destes pequenos artistas, já que a obra de arte produzida por eles irá a leilão junto com outras 59 vacas estilizadas, assinadas por talentos de Salvador. Feita com materiais como caneta posca, spray, tinta acrílica e stencil, a escultura das crianças foi batizada de “Baía de Todos os Santos” e retrata o local em que elas vivem. >
“Como eles vivem de frente para o mar da baía, a gente pensou em fazer a comunidade deles na vaca, representada por eles. Demos a orientação da ideia de mar, do pôr do sol maravilhoso que eles têm todo dia e adicionamos as fitas coloridas do Bonfim, só que com o nome do Solar do Unhão”, descreve o arte-educador Marcos Prisk. >
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De acordo com Ricardo Cavalcanti, produtor de arte da CowParade — mostra que já acontece há mais de 20 anos ao redor do mundo —, não só a diversidade de linguagem está sendo priorizada, mas também a pluralidade geográfica da exposição. As vaquinhas coloridas estão ocupando 53 pontos da cidade, entre ruas, praças e outros espaços públicos e privados, desde Mussurunga até Humaitá. >
“Nós não estamos com obras só em lugares conhecidos de Salvador. A recepção tem sido positivíssima e temos máximo respeito pelos bairros populares, que estão se sentindo contemplados”, comentou.>
O grafiteiro Bigod, ativista do Musas, foi um dos escolhidos e criou a vaca “Muuuqueca”. Além dele, assinam obras na mostra artistas como Alberto Pitta, Bel Borba, Menelaw Sete, Kátia Cunha, Pedrinho da Rocha, Denissena, Eder Muniz, entre outros. >
Leilão>
As 60 obras ficarão em exposição nas ruas até o dia 8 de novembro e já estão sendo leiloadas virtualmente. O lance inicial para cada obra é de R$ 6 mil e o acesso à plataforma de leilão pode ser feito por meio do site cowparade.com.br. >
No dia 21 de novembro haverá um leilão presencial em Salvador, simultâneo ao online. Todo o valor arrecadado com o arremate das obras será doado às Obras Sociais Irmã Dulce, ao Hospital Martagão Gesteira, e às Associações Fábrica Cultural e Pracatum. Ainda não está confirmado, mas é possível que a comunidade do Solar do Unhão ganhe a vaca que as crianças pintaram. "O meu desejo é que a obra fique aqui alguns dias e depois vá para leilão porque existe uma causa", defende Júlio Costa.>
O leilão foi iniciado neste sábado (18) e três vaquinhas já receberam lances: a Roney George (Vaca para um céu Estrelado de um Sertanejo), localizada no Largo da Mariquita; a Menelaw Sete (Sob o sol de Salvador), exposta na Cruz Caída da Praça da Sé; e a de Pedrinho da Rocha (Cowpoeira), no Shopping da Bahia. >
A CowParade já percorreu, no Brasil, cidades como São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Goiânia e Belém do Pará e passou também por diversos países ao longo de 20 anos. Ao redor do mundo, mais de 10 mil artistas já participaram da intervenção e estima-se que mais de 500 milhões de pessoas tenham visto uma das esculturas. No total, mais de US$ 35 milhões foram levantados para entidades beneficentes através do leilão das peças.>