Não é ONG: entenda como um negócio social pode lucrar

O tema foi discutido no Fórum Agenda Bahia 2018

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  • Thais Borges

Publicado em 13 de agosto de 2018 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Rogério Oliveira apresentou os negócios sociais (Foto: Marina Silva/CORREIO)

À primeira vista, para quem não conhece o tema, o conceito de negócio social pode ser confuso. Pode até parecer ser a mesma coisa que uma organização não-governamental (ONG). Mas o diretor da Yunus Brasil Negócios Sociais, Rogério Oliveira, garante que não é nada disso. 

A diferença é que, ainda que um negócio social seja criado com o objetivo de erradicar um problema social ou ambiental, ele funciona como um negócio tradicional. 

“Tem que ter um produto ou um serviço e, através dessa receita, você é capaz de cobrir custos, expandir e replicar. O dinheiro é o meio, não é o fim”, explicou Oliveira, durante sua palestra no seminário Sustentabilidade do Agora, no Fórum Agenda Bahia, que aconteceu na quarta-feira (8), na sede da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (FIeb), no Stiep. 

No fim, como ele mesmo diz, não tem nada a ver com “virar Madre Teresa de Calcutá” para ajudar o mundo. Alguém que investe em um negócio social pode ter uma vida confortável e trabalhar em um escritório agradável. No entanto, essas empresas fazem uma reflexão sobre o acúmulo desnecessário. “A gente acredita que o sistema que a gente vive é extremamente abundante, até mesmo de recursos financeiros. Só que começa a gerar escassez quando a gente começa a acumular mais do que o necessário, quando indivíduos começam a estocar  de forma individual”. Com lucro

No entanto, como ele mesmo faz questão de destacar, negócios sociais podem ter lucro. É o caso da Grameen Shakti, criada em 1996 como negócio social e que se tornou a maior empresa de painéis solares de Bangladesh. Em poucos anos, ela se tornou a terceira maior do mundo. 

“A gente tem a tendência de olhar para o negócio social como ‘aquele pessoalzinho’ (no diminutivo). Mas a gente está falando de uma nova indústria. É para ser grande. Algumas coisas podem parecer pequenas, mas é só o começo”, explicou. 

O Brasil já tem alguns expoentes entre os negócios sociais com lucro. Só em termos de comparação, o projeto VerBem existe no mundo todo através da tecnologia OneDollarGlasses, que oferece óculos de custo acessível e de qualidade a comunidades carentes. Em todo o mundo, o projeto funciona como uma ONG. Aqui, foi implantado como negócio social. 

“Hoje, o projeto no Brasil é responsável por um terço da meta global de entrega de óculos. Isso tudo porque, enquanto negócio social, eles conseguiram montar um sistema de renda e distribuição”, explicou Oliveira.

Justamente por não ser uma ONG, um negócio social não pode ter os mesmos ‘benefícios’ que uma ONG - a exemplo da isenção de tributos. “Nós somos uma limitada como qualquer outra. Somos uma empresa normal e a gente quer provar o nosso valor de mercado”, defendeu. Para ele, se for criada uma ‘cláusula’ especial para os negócios sociais, seria como criar uma nova área. Porém, não é nisso que eles acreditam. “A gente não é uma categoria especial. Só estamos fazendo isso antes dos outros (negócios). No Brasil, o que tem de empresa que virou ONG para se beneficiar fiscalmente é absurdo, mas a gente não quer se beneficiar desse desvio de rota”.  Rogério Oliveira respondeu perguntas da plateia e da jornalista Flávia Oliveira após sua palestra Cidades podem se transformar em negócio social

Até mesmo cidades inteiras podem se transformar em negócios sociais. É o que acontece quando o negócio social vira política pública - e já tem metrópoles se beneficiando disso, como é o caso de Barcelona (Espanha). 

Por enquanto, o projeto ainda é uma ‘candidatura’, porque ainda está em fase de implantação. No entanto, segundo Rogério Oliveira, a cidade já assumiu uma série de compromissos. “Nessa lista constam coisas como criar mecanismos para que as corporações passem a destinar parte do seu lucro para negócios sociais ou parte do que elas já gastam com responsabilidade social”, explicou, referindo-se ao chamado ‘capital semente’. 

A partir dessa verba, nasceria um novo negócio e a empresa já não precisaria aportar nele. Esse mesmo valor, no ano seguinte, poderia ser aportado em um novo negócio. 

Vocações 

No Brasil, ainda não existe esse programa. No entanto, para Oliveira, o país tem vocação para negócios sociais ligados ao turismo, assim como Salvador. 

“No Vale do Silício, você pode viajar para visitar uma prisão. Os caras conseguiram transformar isso num baita negócio que gera emprego, renda. Aqui, a gente ainda tem tanta coisa para explorar no turismo”. 

Ainda de acordo com ele, o negócio social nas cidades vai além da discussão sobre privatizar ou estatizar. “O negócio social resolve esse problema porque ele traz a eficiência supostamente do mundo privado, com metas e etc, mas, por definição, garante que o foco no social está preservado”. 

Assim, depois que são implantados, os projetos ganham sustentabilidade. “A gente fica acostumado a achar que negócio está sempre atrelado a uma coisa gananciosa e não é. É um mecanismo maravilhoso, só que estava incompleto, e é possível usá-lo para fazer um impacto para a cidade”, defendeu Oliveira. Oficina mostrou método da Yunus para criação de negócios sociais *Oficina apontou soluções sociais

Em Bangladesh, segundo a Unicef, 30% da população e 56% das crianças com idade inferior a 5 anos sofrem de desnutrição moderada. Uma das formas de minimizar a tragédia veio de uma empresa privada.

Em 2006, a gigante Danone criou um negócio social: um iogurte enriquecido com vitaminas e minerais que ingerido duas vezes por semana ao longo de um ano conseguia tirar a pessoa da desnutrição. Tendo esse case como exemplo maior, a Yunus Negócios Sociais montou a oficina A Transformação das Cidades pelos Negócios.

Ministrada por Tulio Notini, a oficina colocou em prática o método da Yunus, que a partir de tabelas, organogramas e desenhos simples desenvolve um exercício em que empresas fictícias buscam soluções para as cidades. Cada uma das dezenas de 'empresas' formadas por grupos diferentes e heterogêneos da plateia identificou problemas nas comunidades em que atuam.

Desenvolvido em sete etapas, o método parte de um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Cada grupo escolhia um dos ODS e pensava em soluções. Diversas proposta foram apontadas pelas empresas (veja um exemplo abaixo).  

“Negócios são excelentes formas de resolver problemas”, disse Tulio. 

Case apontou solução para lixo de empresa:

>>Empresa - Montadora de veículo >>ODS escolhida - meio ambiente e controle das mudanças climáticas>>Problema identificado - produção excessiva de lixo e gases tóxicos para a comunidade pela própria empresa >>Solução apontada - recolher o lixo e dar um destino sustentável para o ferro velho, as peças, os pneus e o óleo produzido na montadora 

O Fórum Agenda Bahia 2018 é uma realização do CORREIO, com patrocínio da Revita e Oi, e apoio institucional da Prefeitura de Salvador, Federação das Indústrias da Bahia (Fieb), Fundação Rockefeller e Rede Bahia.

*Colaborou Alexandre Lyrio