'Não é possível ter neutralidade nesse momento', diz Eliane Brum

Na Flica, jornalista participou de bate-papo com a baiana Catarina Guedes sobre o olhar feminino na comunicação

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  • Naiana Ribeiro

Publicado em 13 de outubro de 2018 às 11:19

- Atualizado há um ano

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O sábado (13), terceiro dia de Festa Internacional Literária de Cachoeira (Flica), começou com três mulheres poderosas e de renome para a comunicação baiana e nacional: as jornalistas Eliane Brum e Catarina Guedes participam de um bate-papo mediado pela colunista do CORREIO e professora da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Malu Fontes, sobre o poder das mulheres na comunicação.

Intitulada de Um Olhar Feminino sobre a Arte de Sujar Sapatos, a mesa literária teve um tom fortemente político. Eliane e Catarina falaram sobre o ofício de jornalista, contaram causos de suas carreiras e também defenderam que a palavra, seja na escrita, na comunicação, na literatura e até oralmente, é uma ferramenta de resistência. 

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"É uma alegria estar em Cachoeira, que é um grande centro de resistência do Brasil. Estamos em um momento em que a gente precisa de resistência. Não é possível ter neutralidade nesse momento. A omissão é uma ação. Nós todos precisamos lutar contra o autoritarismo até o último momento", afirmou Eliane Brum, que é colunista do El País e colaboradora do jornal britânico The Guardian, ao iniciar sua fala. Malu Fontes mediou debate (Foto: Ricardo Prado/Divulgação) Ela ressaltou ainda que a literatura é essencial em momentos de violência. "A arte subverte. Ela é transgressora e acessa o que a gente não consegue acessar por outros lugares", pontuou. Enquanto jornalista, Brum disse que não dá voz para ninguém "porque as pessoas têm suas próprias vozes". "O que faço é ampliá-las com o jornalismo", explicou. 

Entre as vozes que estão ecoando cada vez mais no país, ela ressalta a das minorias políticas, principalmente de mulheres e negros. "Em todos lugares que vou tem uma grande força de mulheres. É o caso das eleições", exemplificou. Para ela, ao invés de somente construirem, as mulheres tecem caminhos e lideram ambientes: "Isso é muito poderoso. E eu faço questão de emprestar o meu corpo para essas vozes". 

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A baiana Catarina também contou que convive com mulheres fortes, que tecem caminhos e movem os locais por onde passam. "Faz parte do meu trabalho não-literário ouvir essas histórias e entender o quanto elas são responsáveis pela manutenção de uma ordem. Fico muito feliz de ver que a gente está se levantando e ganhando essa posição", ressaltou.

Como parte da profissão e na sua própria rotina, elas contaram também que dão muita importância à escuta e buscam estar sempre atentas às simples atitudes das pessoas. "A escuta é o melhor atributo da reportagem. As pessoas não param de dizer quando param de falar. O cheiro, o silêncio, os gestos... Tudo isso precisa ser analisado. Essa escuta me protege da arrogância. Por saber que sou um ser falho, faço essa escuta com todos os sentidos na vida e na reportagem", contou Brum.

A jornalista, escritora e documentarista já lançou cinco livros de não-ficção: "Coluna Prestes, o avesso da lenda" (1994, Prêmio Açorianos de autora-revelação) , "A Vida Que Ninguém Vê" (Prêmio Jabuti de 2007), "O Olho da Rua" (2008, reeditado em 2017), "A Menina Quebrada" (2013, Prêmio Açorianos de melhor livro do ano) e "Meus desacontecimentos" (2014). Também publicou o romance "Uma Duas" (2011, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura e do Prêmio Portugal Telecom de Literatura).

Para ela, o jornalismo não deve pairar acima da sociedade. "Como jornalista, eu sei que sou um ser histórico e tenho os dois pés no chão. Quando o jornalismo não faz o seu papel, cria-se uma realidade paralela. A gente está sentindo os efeitos disso agora", afirmou.

Entre as principais consequências disso estão as notícias falsas. "Fake news é muito mais do que fofoca. É guerrilha para todos os lados e é destruição mesmo. Eu tenho horror a grupo de WhatsApp", contou Catarina. A baiana está lançando na Flica o livro "Sobre poeira e sol e uma certa calça floral”, segundo volume da série Isadora e a BR.

Resistência Ambas autoras reafirmaram que o jornalismo e as palavras são sinônimo de resistência. "Pra mim, fazer jornalismo sempre foi um ato de resistência. Eu sempre fiz guerrilha na imprensa tradicional. Perdendo muito, mas ganhando também. A imprensa é muito importante, mas também tem o que se chamam de jornalismo independente, que está cheio de produtos bacanas. Fazer bom jornalismo será sempre fundamental. Não tem outra narrativa que susbtitui a da nossa área", defendeu Eliane. 

A jornalista acredita que o principal instrumento de resistência da população em tempos de preconceito e ódio é a alegria. "A gente tem que rir de desaforo. Porque a primeira batalha que a opressão ganha é quando tira as pequenas coisas da gente. Resistam, lutem, mas com alegria - mesmo que seja só por desaforo", finalizou.Catarina completou: "Como já aconteceu antes, a gente vai ter que usar dos momentos de tristeza para fazer coisas belas". Assista ao bate-papo completo abaixo.

A Flica tem o patrocínio do BNDES e Governo do Estado, apoio da Prefeitura Municipal de Cachoeira e Caixa, e realização Cali, Icontent, Ministério da Cultura e Governo Federal.