'Não é vingança, é justiça', diz mãe que dedica vida a cuidar da filha que ficou tetraplégica

Paloma, 25 anos, confirmou em audiência que ex-namorado a jogou de carro em movimento em 2012

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  • Bruno Wendel

Publicado em 4 de maio de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO
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Além do laço de mãe e filha, duas mulheres estão ainda mais ligadas pelos sentimentos de amor e dor. No segundo domingo de maio de 2012, a então auxiliar administrativa Sara Ribeiro de Souza, 47 anos, aguardava ansiosamente a chegada da filha, a estudante Paloma de Souza Ventura, 25, e da neta de 1  ano e dois meses para celebrarem o Dia das Mães. Mas, no lugar de longos abraços, Sara recebeu uma ligação: Paloma havia sofrido um acidente de carro em Amargosa.

Paloma sofreu traumatismo craniano, ficou tetraplégica e com sequelas como disfagia (dificuldade de deglutição), alterações esfincterianas (dificuldade de controle urinário e intestinal) e convulsões. Ela, que havia acabado de passar no vestibular para Administração, hoje vive graças à dedicação exclusiva da mãe. A  filha fica aos cuidados da avó paterna.

“Foi duro aquele Dia das Mães. Mas, hoje, a minha vida é a minha filha. A dor fortaleceu ainda mais o meu amor por ela. Queria muito que minha filha estivesse numa outra condição. Qual mãe não quer isso? Mas dou graças a Deus que ela sobreviveu a essa tragédia”, disse Sara.

Na última terça-feira (30), sobre a cama de seu quarto, Paloma participou de uma audiência do Tribunal de Justiça (TJ-BA), por videoconferência. Ela respondeu positivamente ao ser questionadase o ex-namorado tentou matá-la, jogando-a para fora de carro em movimento naquele Dia das Mães,  em 2012. O empresário Cícero Leandro Silva Barreto responde pelo crime em liberdade.

Segundo dados do TJ-BA, somente nos dois primeiros meses deste ano, 722 processos relacionados a agressões contra a mulher tramitavam em 58 comarcas do estado. No mesmo período, foram 644 medidas protetivas.

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Acidente Paloma e Cícero, dono de dois supermercados em Amargosa, se conheceram no final de 2011. “Ele era muito possessivo. Minha filha passava mais tempo na casa dele lá, em Amargosa, do que comigo, aqui, em Tancredo Neves. Se ela esquecesse o celular desligado, ligava aqui para casa de madrugada. Quando me via, não me encarava nos olhos”, relatou Sara. 

Naquele 12 de maio de 2012, apesar da programação para o Dia das Mães, Cícero chamou Paloma para uma festa. Ela aceitou e deixou a filha, fruto de outro relacionamento, com a irmã. Horas depois, veio o suposto acidente.

À época, os médicos disseram que o quadro era grave e Paloma foi transferida para o Hospital Geral do Estado, onde fez cirurgias e passou 60 dias em coma.“No dia do acidente, Cícero sumiu. Soubemos que ele ligou para um amigo e disse que houve uma discussão e que Paloma se jogou do carro em movimento. Depois de três dias, ele se apresentou com advogado na delegacia”, contou Sara.A mãe de Paloma disse ainda que, na tentativa de se livrar de provas, Cícero vendeu o carro. Em depoimento, o comprador disse que, mesmo o carro tendo sido lavado, ele encontrou vestígios de sangue, além de um defeito na porta do carona. Cícero é acompanhado pela Defensoria Pública do Estado, que não respondeu ao CORREIO.

Rotina Esta semana, quando recebu a reportagem, Sara marcou a entrevista para as 9h. Mesmo assim, estava de pé desde as 5h para dar os medicamentos na hora certa à filha – um anticonvulsivante e um remédio para proteger o estômago dos efeitos da medicação: “Também dei banho nela e o café. Os alimentos são liquidificados, peneirados e depois administrados através de uma sonda. Essa é a minha rotina de todas as manhãs”.

Nas segundas, quartas e quintas, recebe em casa uma fonoaudióloga e uma fisioterapeuta através de um programa do governo - um processo de desospitalização, por força de uma liminar.

Entre 14h e 23h, Paloma toma mais dois anticonvulsivantes, faz refeições e, ainda, um antidepressivo. “A depressão de Paloma se deu pela situação na qual se encontra. Ela tem consciência de tudo, sabe de tudo que está ao seu redor”, explicou Sara.

Quando recebeu a notícia de que a filha estava tetraplégica, Sara não reagiu diferente. “Entrei em pânico como qualquer outra pessoa estaria. Acreditava que a vida de minha filha tinha sido ceifada. Só pensava: Paloma ia ter uma vida vegetativa. Na ocasião, ela passou por uma cirurgia e, quando saiu da UTI e foi para a enfermaria, foi  aí que ficha caiu”, contou.

Inicialmente, ela tentou conciliar os cuidados com Paloma e o trabalho, mas não deu certo. Acabou demitida. Para os cuidados com a filha, ela conta apenas com um salário mínimo do Benefício de Prestação Continuada. Paloma também não tem plano. O jeito é contar com ajuda de amigos e familiares.

Sonhos “O meu maior desejo é ver minha filha andar. O restante vou ajeitando, entrego a Deus. Inicialmente rezava para que ela falasse. Cinco anos depois do acidente, ela me surpreendeu e falou: ‘minha mãe’. Foi muita emoção. Aquilo para mim foi um sonho realizado”, contou Sara.

Há dois anos, o quadro clínico vem progredindo. “Antes, ela tinha um olhar parado. Hoje, ela já consegue pronunciar as palavras ‘sim’ e ‘não’. Consegue movimentar a cabeça e mexer os olhos, graças às sessões constantes de fisioterapia e fonoaudiologia”, explicou Sara.

Audiência Na última terça-feira (30), quase sete anos após a tragédia, Paloma Ventura participou de uma audiência no Fórum Criminal de Sussuarana. Mas ela não esteve no local. Através do Skype, ela, de casa, respondeu às perguntas de um juiz, um promotor, do assistente de acusação e da defesa do ex-namorado Cícero Leandro Silva Barreto, acusado de tê-la jogado do carro em movimento no dia 12 de maio de 2012.

A mãe de Paloma, Sara Ribeiro, que acompanhou toda a audiência, contou que, através de gestos, movimentando a cabeça e o polegar, Paloma respondeu a todas as perguntas.“O juiz perguntou se ela tinha consciência dos fatos que aconteceram, ela balançou a cabeça dizendo que ‘sim’. Perguntou se ela foi agredida dentro do carro e ela balançou a cabeça afirmando. Ele perguntou se ela tinha se jogado e ela disse que ‘não’. Perguntou se tinha sido empurrada, ela disse ‘sim’”, relatou a mãe.Mas foi na pergunta do advogado de defesa que Paloma não hesitou. “Ele perguntou: ‘Cícero tentou te matar?’. Mal ele terminou de completar a frase, ela balançava a cabeça num ‘sim’ e levantou o polegar sinalizando positivamente”, contou Sara.

Agora, a defesa de Paloma aguarda a reconstituição do caso. “O juiz já deferiu o pedido. Falta só marcar a data”, disse o advogado Messias de Oliveira. “Não é vingança. É Justiça. Que esse homem vá para a cadeia. Não vai pagar o que ela vai ter para a vida dela, mas no mínimo vai impedi-lo de agir da mesma forma com outras mulheres”, disse Sara.

Veja onde buscar ajuda: Cedap Rua Comendador José Alves Ferreira, 240 – Fazenda Garcia, 3116-8888. 

Cedeca Rua Gregório de Matos, 51 – Pelourinho, 3321-1543/5196. 

Cras 3115-9917 (estadual) e 3202-2300 (municipal).

Creas  3115-1568 (estadual) e 3176-4754 (municipal). 

Centro de Referência Loreta Valadares  Praça Alm. Coelho Neto, 1 - Barris, 3235-4268.

Deam  Rua Padre José Filgueiras, s/n – Eng. V. Brotas, 3116-7000 / Rua Doutor José de Almeida, Praça do Sol, s/n – Periperi, 3117-8217.

Derca  Rua Agripino Dórea, 26 - Brotas, 3116-2153.

Fundação Cidade Mãe  Rua Prof. Aloísio de Carvalho – Engenho Velho de Brotas. 

Gedem (Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher do Ministério Público do Estado da Bahia) Avenida Joana Angélica, 1.312, Nazaré,  3103-6407/6406/6424. 

Iperba  Maternidade referência no serviço de aborto legal - Rua Teixeira Barros, 72 – Brotas, 3116-5215/5216. 

Casa da Defensoria de Direitos Humanos Rua Arquimedes Gonçalves, 482, Jardim Baiano, 3324-1579. 

Secretaria Estadual de Políticas para Mulheres  Alameda dos Eucaliptos, 137, Caminho das Árvores, 3117-2815/2816. 

SPM (Superintendência Especial de Políticas para as Mulheres de Salvador)  Avenida Sete de Setembro, Edifício Adolpho Basbaum, 202, Lad. São Bento, 2108-7300. 

Serviço Viver  Atenção a pessoas em situação de violência sexual, Avenida Centenário, s/n, térreo do prédio do  Instituto Médico Legal, 3117-6700.