'Não sei como vai ser agora sem ele', diz filha de argentino morto em Itapuã

Filha do argentino disse que o pai estava feliz em realizar o sonho de conhecer Salvador

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  • Tailane Muniz

Publicado em 22 de fevereiro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Almiro Lopes/CORREIO

A sonhada viagem à "ilha do entardecer bonito", como Salvador era carinhosamente tratada pelos Barizone, estava planejada há meses. Depois de conhecer mais de cinco estados do Brasil, frequentado por eles há 12 anos, a família argentina decidiu que era a vez da Bahia.

Na última quinta-feira (14), quando desembarcaram na capital, a urgência era comer acarajé e ver o pôr do sol. E viram: nas praias de Stella Maris e também em Piatã, onde se hospedaram. Cinco dias depois, no entanto, o desejo era de um pôr específico: aos pés do Farol de Itapuã, que tanto ouviram falar em Córdoba, de onde são naturais.

Assim que o sol se despediu, por triste ironia, afirma a filha, o professor de Educação Física Luiz Daniel Barizone, 65 anos, foi morto por golpes de faca. Estudante de Psicologia, Daniela Barizone, 25, contou à reportagem que a luz solar era a única iluminação do local no início da noite de terça-feira (19), quando tudo aconteceu."Não havia qualquer claridade. Meu pai  sabia que a gente devia voltar antes de escurecer, fomos alertados sobre isso ainda na Argentina. Já estávamos prontos para sair da faixa de areia quando chegaram (os bandidos). Um deles disse algo e, em seguida,  já golpeou as costas. Vi meu pai caído e sangrando muito", afirmou Daniela. Luiz foi morto durante assalto em Itapuã (Foto: Arquivo Pessoal) Para ela, a escuridão facilitou a ação dos bandidos, que foram presos e apresentados pela Polícia Civil na manhã dessa quinta-feira (21). Eles foram identificados como Danilo dos Santos Lima, o Novato, 18, e Lucas Amâncio de Souza, o Chuck, 22. A dupla confessou o crime. Segundo Lucas, responsável pelos golpes que mataram o turista, "a ideia era só pegar o dinheiro".

A Prefeitura de Salvador informou que não há iluminação na faixa de areia por exigência do órgão de fiscalização ambiental, Ibama, e que "todo projeto passa por análise, aprovação do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade, acrescido da verificação e análise do Projeto Tamar, visando a proteção das espécies de tartarugas que utilizam a região para procriação". 

'Não me importa o que disseram' Daniela e a mãe permanecem em Salvador até o próximo domingo (24), quando embarcam para Foz do Iguaçu, no Paraná.

Em seguida, seguem, de carro, até Córdoba. O corpo do patriarca, que aguarda no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR), no entanto, só deixa Salvador na terça-feira (26), para que haja tempo das duas mulheres organizarem o sepultamento da vítima.

A prisão de Lucas e Danilo trouxe, segundo a viúva, a dentista Emilia Cano, 60, "certo alívio". Já Daniela afirmou que não sabe, ao certo, o que sentiu ao saber das prisões. Para ela, filha única do casal, nada justifica o crime."Eu não quero saber o que disseram, eles não me importam. Eu não sei como vai ser agora, sem o meu pai, que era o nosso grande companheiro e que tinha amor por esse país, que estava feliz com o sonho de estar aqui em Salvador", acrescentou a jovem, com a voz embargada. Chuck, de cabeça enfaixada, disse que a intenção era roubar dinheiro (Foto: Alberto Maraux/SSP) Cidade histórica Além do pôr do sol, a família ouvia falar sobre a cultura da Bahia. A quantidade de negros que vivem na capital, o calor e até a geografia de Salvador, dividida em cidade alta e baixa, eram coisas que, segundo mulher e filha, fascinavam Luiz, a quem se referiram como um amante da natureza."Ele tinha entendimento sobre a história dos negros, embora não haja tantos vivendo em nosso país. Muito respeito pelo povo e seu sofrimento. A cultura daqui nos encantou  em visita que fizemos, nos primeiros dias, ao Centro Histórico.  Tivemos uma ótima impressão logo que chegamos, e o entardecer é bonito como pensamos", comentou Emilia.O plano era o de conhecer o máximo de lugares possível, acrescentou Daniela. Em seguida, seguiriam viagem até Morro de São Paulo, onde a estudante encontraria uma prima, que também visita o estado.

"Nós viemos com a melhor expectativa e jamais pensamos que algo assim pudesse acontecer, porque fomos à praia nos dias anteriores, deixamos nossas coisas na areia e aquilo nos deu segurança. Então decidimos ir, e a gente pretendia voltar logo depois do pôr do sol".

Ataque Era por volta de 16h30 quando saíram do hotel, em Piatã, a pé. Andaram até o Farol de Itapuã, em caminhada que durou cerca de 30 minutos, recorda Daniela. O esperado momento rendeu à família algumas fotos registradas em um dos celulares roubados."Foi o tempo do meu pai dizer: 'Vamos, está anoitecendo'. Eu me afastei um pouco, em direção ao mar, e ouvi o grito dele, pedindo socorro. Em seguida, o homem golpeando. Ele já estava ferido, quando os dois arrancaram nossas coisas e fugiram", relatou Daniela.O momento posterior ao ataque foi de desespero e desamparo. Daniela contou ao CORREIO que gritaram por ajuda, próximo à calçada. Algumas pessoas que estavam na praia - "mais ou menos cheia" -, segundo as turistas, chamaram o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).

"A ambulância chegou uns 20 minutos depois, quando ele já tinha sangrado muito. Assim como a polícia. Parecia que não era comigo, que não era eu, ali, em Itapuã, passando por isso. Meu marido sangrava muito, muito", lamentou a viúva. Era a primeira vez da família em Salvador (Foto: Acervo Pessoal) Desespero Além de assistir à morte do pai, Daniela afirmou que ela e a mãe tiveram de lidar com a dificuldade em relatar as circunstâncias do crime à Polícia Militar, primeira autoridade a chegar. A sensação, segundo ela, foi de desespero."A verdade é que a comunicação era muito ruim. Eles não entendiam o que a gente falava, a gente não entendia o que eles diziam. Me senti irrelevante para eles, infelizmente. A sorte é que havia outros turistas, que falavam português, senão não sei como seria". A morte de Luiz foi constatada pelos médicos ali mesmo, na areia. Depois disso, ainda no local, Daniela e Emilia foram atendidas por um representante do Consulado da Argentina em Salvador.

"Uma pessoa, um brasileiro, que assistiu a tudo, nos ajudou muito. Nós somos muito gratas a essa pessoa, que foi tão solidária e até reconheceu os bandidos na delegacia. Eu achei que não ia dar em nada, mas vimos que as investigações avançaram e eles foram presos, por sorte, não sei". 

De volta pra casa Com os suspeitos presos, a Polícia Civil deu o caso como elucidado. Para a esposa e filha de Luiz Barizone, no entanto, a triste história está longe de ser um fim. Ainda não sebem bem o que fazer durante os próximos três dias que ainda vão passar na capital, no mesmo hotel, e, menos ainda, como serão os próximos dias de uma vida sem o patriarca.

A família, que mora em uma região simples de Córdoba, segundo Daniela, contava com o instinto protetor de Luiz. "A Argentina também tem pontos inseguros. Nós moramos em um local meio arriscado, talvez não nesse nível. Não sei como vai ser agora, duas mulheres, sem ele por perto. Não quero pensar, não sei o que fazer, ele esteve ao nosso lado, sempre", lamentou Daniela. Embora o intercâmbio cultural, como definem os primeiros dias do contato com a Bahia, tenha terminado de um jeito trágico, mãe e filha, se disseram, no entanto, extasiadas com a "riqueza da cidade turística".

Além de história, culinária e arquitetura, a família veio certa de que encontraria, em Salvador, gente de bem. A fama do baiano ser acolhedor, segundo a viúva, é conhecida em todo o mundo. "São pessoas muito amorosas", disse. À parte toda dor, Emilia e Daniela acreditam que Luiz morreu adorando Salvador.