O caçador de santos: conheça o homem por trás da canonização de Irmã Dulce

O italiano Paolo Vilotta é o postulador das causas de 45 santos brasileiros

Publicado em 5 de junho de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO
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Monsenhor Domingos Evangelista Pinheiro; Padre Victor; Madre Tereza de Margarida. Esses são alguns dos brasileiros que estão, em maior ou menor grau, com o destino nas mãos do italiano Paolo Vilotta. Dos cerca de 100 processos de brasileiros que estão em algum estágio da canonização, pelo menos 45 estão com ele. Aos 37 anos, Vilotta é um postulador: uma espécie de advogado dos aspirantes a santos para o Vaticano. 

Mas, talvez, nenhum desses nomes seja tão representativo quanto o de Irmã Dulce. Com ela, no mês passado, o italiano viu uma de suas mais de 60 causas – como são chamados os processos de canonização – se materializar na terceira proclamação mais rápida da história da Igreja Católica. No último dia 13 de maio, Vilotta viu o Papa Francisco anunciar que Irmã Dulce – uma de suas causas por mais de dez anos – seria finalmente proclamada santa. 

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A primeira santa nascida no Brasil foi canonizada 27 anos após sua morte. O processo dela só perde, em agilidade, para o Papa João Paulo II (canonizado nove anos após sua morte) e para Madre Teresa de Calcultá (que se tornou santa 19 anos depois de seu falecimento).“Ela já é santa. Toda a obra dela é o verdadeiro milagre, que tem uma ressonância, uma divulgação mundial”, afirmou Vilotta, na manhã desta terça-feira (4), em visita à sede das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), no Bonfim. O homem por trás da canonização da religiosa já conhecia as Obras dela. Desde 2009, veio aqui três ou quatro vezes – não sabe dizer ao certo. Dessa vez, contudo, a vinda ao Brasil não foi por causa de Irmã Dulce. Saiu de Roma com destino ao Sul do Brasil para acompanhar a causa da canonização de um brasileiro por lá. No fim da visita, decidiu passar em Salvador.  Paolo Vilotta começou a pesquisar a vida de Irmã Dulce em 2009, quando era assistente do Padre Paulo Lobardo, postulador da beatificação (Foto: Marina Silva/CORREIO) “A minha rotina começou com o padre Paulo Lombardo (o postulador da causa da beatificação da religiosa). Depois, foi uma continuidade aqui, com a amizade da superintendente e de outras pessoas, vendo como é a obra e como a obra é a vida de Irmã Dulce. Ela não morreu. Até hoje, ela vive aqui, porque essa é sua alma. Você pode ver com seus olhos”, disse o postulador. 

Postulador leigo A expectativa é de que o Papa Francisco defina a data da cerimônia em que Irmã Dulce será oficialmente proclamada santa no próximo dia 1º de julho. A cerimônia, que será aberta e realizada em Roma, provavelmente acontecerá a partir de outubro. 

Além de oficializar a santidade da religiosa, a cerimônia também acaba reconhecendo o ofício do postulador. “O trabalho do postulador é representar o autor da causa, que é quem representa a beata. O postulador é coordenador de todo esse trabalho. É um trabalho jurídico e histórico, uma coisa de muitos profissionais”, explicou Vilotta, um dos poucos leigos contratados pelo Vaticano para cumprir a função. Normalmente, o papel é desempenhado por outros padres. Mas, no caso dele, o interesse pela Teologia veio cedo. Ainda na universidade, via-se instigado. Gostava mesmo era de ver o estudo sobre o divino se concretizando. Começou a mergulhar na biografia dos santos católicos e logo começou a trabalhar como assistente do padre Paolo Lombardo, que foi postulador da causa de beatificação de Irmã Dulce. 

Até então, Vilotta só conhecia a religiosa baiana pelos livros. Assim como com as outras causas, foi procurar sua biografia. Após a beatificação, ele se tornou o postulador da causa da freira. E foi quando percebeu que havia algo de diferente com ela. 

“Foi uma experiência muito íntima e pessoal. Muito espiritual”, disse, referindo-se ao caminho. De fato, foi algo tão pessoal que ele costuma guardar uma imagem de Irmã Dulce em sua carteira. Entre todas as causas em que trabalhou, ela foi uma das poucas de quem se tornou devoto.  O historiador italiano conta que Irmã Dulce foi uma das poucas causas defendidas que ganharam sua devoção (Foto: Marina Silva/CORREIO) Talvez essa conexão mais forte tenha acontecido na primeira vez em que visitou as Osid. Naquela época, leu uma frase da religiosa no interior do santuário: 'Não é importante falar de caridade, mas fazer caridade'. É uma coisa simples mas que me emocionou muito, e me emocionou a própria vida de Irmã Dulce”, relembrou

Ele vai adiante. Lista a simplicidade e a humanidade da freira, além de sua proximidade com Deus. Cita as histórias inusitadas – a que chama de anedotas – pelas quais ela também ficou conhecida. Diz ficar emocionado até hoje. 

Santos brasileiros A ligação do postulador com o Brasil veio de forma casual. Não pediu para trabalhar com causas brasileiras. Nem mesmo sabia falar português, ainda que hoje fale com alguma desenvoltura e um forte acento italiano. “Aprendi português caminhando, caminhando, por isso não é muito claro”, relevou. 

De suas mais de 60 causas, há ainda processos da Itália e de Portugal. Em 2016, concluiu seu primeiro processo de canonização. Naquele ano, o padre italiano Alfonso Maria Fusco, fundador da congregação Irmãs de São João Batista, foi proclamado santo. 

Mesmo assim, ele não sabe explicar por qual razão o Brasil é tão presente em seu trabalho.“Não sei se foi providência, porque o padre Paulo (Lombardo, postulador da beatificação de Irmã Dulce) encaminhou isso”. Mas, ele não trabalha sozinho. Tem uma equipe no Brasil e outra na Itália; ambas com profissionais dispostos a dar a apoio em toda a pesquisa. “Não é um trabalho somente sobre a causa, mas também sobre o que necessitamos conduzir sobre a santidade, sobre o que isso representa”, explicou.  

Amizade Nas últimas semanas, Paolo Vilotta e a superintendente das Osid, Maria Rita Pontes, vinham se falando diariamente. Mesmo antes do reconhecimento do segundo milagre, porém, os dois conversavam, no mínimo, uma vez por semana. Sobrinha de Irmã Dulce, Maria Rita destaca justamente a importância dessa boa relação entre o advogado da causa e os autores dela – no caso, as Osid.  Vilotta já conhecia o trabalho das Osid, mas fez uma nova visita a Salvador nesta terça-feira, ao lado da superintendente e amiga Maria Rita Pontes (Foto: Marina Silva/CORREIO) Para ela, o papel de Vilotta pode até ser estratégico, mas a relação de amizade construída entre as duas partes fez diferença.“Ele percebeu que ela continua presente na obra. Isso é muito importante para mim, que desde criança convivi com ela, porque nunca consegui separar minha tia da obra ou a obra de minha tia. Sempre foi uma coisa única”, contou Maria Rita. O arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, também é cheio de elogios. “O que posso dizer é que o doutor Paolo Vilotta tem se mostrado um advogado canônico competente e ágil. Não fosse isso, não estaria acompanhando outros quarenta processos de beatificação e canonização aqui do Brasil. Estou muito contente com os trabalhos dele”, afirmou. 

Entenda como funciona o trabalho do Postulador do Vaticano: [[galeria]]

Quem pode ser um postulador? Studium: O cargo de postulador do Vaticano existe - com este nome - desde 2 de junho de 1984. Em 1983, o então papa João Paulo II promoveu uma profunda reforma nos procedimentos envolvendo as causas de canonização. No ano seguinte, o Vaticano publicou o Studium com as mudanças na Congregação das Causas dos Santos. O objetivo era formar os postuladores e outros colaboradores da Congregação.

Advocatus Diaboli: Antes do postulador, havia na Igreja Católica, por muitos séculos,  a figura do promotor fidei, ou promotor da fé - popularmente conhecido como ‘advogado do diabo’. Era ele quem assumia a função de inspecionar os processos de beatificação e de canonização em busca de possíveis falhas. O objetivo era garantir que ninguém seria santificado indevidamente. Desde 1984, o postulador - ou postulatore - também tem a missão de investigar se não há nos aspirantes a santos nenhuma atitude que seja contrária à reputação de santidade ou contrária à fé.

Cargo: O escritório de postulador pode ser ocupado por um sacerdote, um membro de um Instituto de Vida Consagrada, de uma Sociedade de Vida Apostólica, ou de uma Associação Clerical e/ou leiga, por um leigo e uma leiga.

Teologia: O postulador do Vaticano deve ser especialista em Teologia, Direito Canônico e História, bem como na prática da Congregação das Causas dos Santos.