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Da Redação
Publicado em 1 de outubro de 2022 às 11:00
Um é pastor de uma igreja evangélica, o outro é o fiel do templo. Dentro da igreja, ambos levam à risca a Bíblia: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (João 8:32). Fora do lugar sagrado, como cidadãos e amigos, optam pela Constituição Federal. “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos” (Art. 14). Eles não votarão no mesmo candidato no próximo domingo, mas defendem que é preciso separar a fé da cidadania. Ambos fazem parte de uma camada de eleitores que se tornaram a cobiça dos presidenciáveis: o voto evangélico. Ou melhor, cristão.>
Afinal, por que tanta cobiça neste eleitorado? A resposta é simples: eles podem definir uma eleição. Em 2018, ano em que Jair Bolsonaro (PL) venceu o pleito, uma pesquisa do Datafolha na véspera do segundo turno entre o atual presidente e o seu oponente, Haddad (PT), apontou que 59% dos evangélicos votariam em Bolsonaro, enquanto 26% optariam pelo petista, aproximadamente. No resultado oficial, o atual presidente venceu com 55,13% (57,8 milhões dos votos). Um artigo acadêmico publicado pelos cientistas políticos Matheus Gomes Mendonça Ferreira e Mario Fuks, ambos da Universidade Federal de Minas Gerais, apontam o motivo:>
“Bolsonaro se aproximou de lideranças políticas evangélicas centrais no campo religioso brasileiro, como o bispo Edir Macedo (...). A relevância política do sucesso da campanha do Bolsonaro entre os eleitores evangélicos não deve ser subestimada. Afinal, sem a maioria absoluta desses votos, provavelmente ele não teria sido eleito presidente do Brasil”, garante o estudo.>
Graças ao fenômeno citado, ocorreu uma verdadeira peregrinação partidária para dentro da igreja. Alguns pastores influenciam seus rebanhos, dividindo as igrejas cristãs e afastando fiéis. “Quero entrar na igreja para ouvir a palavra de Jesus Cristo, não para me dizerem em quem eu preciso votar”, disse uma cuidadora de idosos, de 38 anos, que frequenta uma igreja cristã no bairro de Castelo Branco, em Salvador. Ou melhor, frequentava. “Quando foi que a igreja virou palanque? Tentei questionar com outros fiéis, mas fui reprimida. Dei um tempo, estou orando em casa agora”, disse, pedindo anonimato, com receio de mais represálias no bairro. >
Medidas Para evitar estes desgastes, algumas igrejas tradicionais optam por proibir seus pastores de falarem em política nos cultos, como na Batista. Mesmo assim, há influências. Católica, uma moradora da cidade de Serrinha sempre votou em candidatos da esquerda, até que conheceu Pedro Régis, uma espécie de vidente que alega receber mensagens da Virgem Maria. Algumas supostas mensagens da mãe de Jesus sugerem que católicos não deveriam votar em partidos de esquerda. Foi o suficiente para a mudança. >
“Tem uns 3 anos que, através do padre Gabriel Villa Verde, em uma das suas palestras, conheci Pedro [Régis]. Passei a assistir às catequeses dele, quando ele falou de Bolsonaro. Régis foi explicando aos poucos que ele [Bolsonaro] é o único que defende a religião e a família. É justamente isso que realmente vejo!”, conta ela, que também preferiu não ter seu nome divulgado. >
O pastor citado no início da matéria é absolutamente contra qualquer influência do sacerdote no voto do seu rebanho. Ele, inclusive, topou falar, desde que não divulgasse seu nome. Não com o medo da repressão, mas para não influenciar seus fiéis. “Votei em Bolsonaro na última eleição e votarei em Ciro nesta. Mas isto é algo pessoal. Eu sou cristão e não acredito ser correto, adequado e ético um pastor orientar o voto em determinado candidato. O voto é individual, livre e um direito democrático que deve ser exercido dentro da individualidade da consciência humana”, disse.>
Seu amigo e fiel votará em Lula este ano, após ter depositado seu voto em Ciro e Bolsonaro em 2018, no primeiro e segundo turno, respectivamente. “Política é uma coisa, religião é outra. Cada voto é importante, mas é preciso que seja livre. O que aconteceu na última eleição foi grave e deu uma fama de que o voto do evangélico é influenciável. Temos consciência política e opinião própria”.>
As últimas pesquisas mostraram uma variação nas intenções de voto este ano, em comparação com 2018. Segundo uma pesquisa recente do Ipec, datada de 22 de setembro, Bolsonaro tem 50% das intenções de voto entre evangélicos, enquanto Lula aparece com 32%. Especialistas acreditam que é um indicativo de que não existe voto de cabresto nesse público, principalmente na camada mais jovem, que luta pelo direito ao voto livre. >
Para a cientista política Laiane Reis, a eleição atual será mais polarizada do que a de 2018. “A bancada dos evangélicos é uma das mais fortes e foi crucial nas últimas eleições. No entanto, atualmente o cenário político é outro”, afirma. “Embora a maioria dos evangélicos apoie pontos-chave da pauta do Partido Liberal, há questões em que divergem também. Acredito que o que deve levar em conta nesta eleição é: Quem é mais capaz de ajudar o Brasil a sair da situação dramática em que se encontra?”, conclui. >